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Atletismo

Vanderlei ignora coisas ruins e não lamenta ataque de padre

28 ago 2014 - 14h50
(atualizado em 2/9/2014 às 10h02)
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Prova nobre dos Jogos Olímpicos. Liderança. Na cidade-berço do principal evento esportivo do planeta. O paranaense Vanderlei Cordeiro de Lima estava prestes a colocar o seu nome na galeria dos campeões olímpicos da maratona. O ano era 2004. O cenário, a capital grega, Atenas. Um empurrão do padre irlandês Cornelius Horan quando restavam apenas 7 km para o fim da Olimpíada, porém, tirou o fundista do asfalto, do eixo e possivelmente do lugar mais alto do pódio. Ele teve que se contentar com o bronze. E comemorou como se tivesse vencido o ouro com folgas. Nesta sexta-feira, o maior feito da carreira de Vanderlei Cordeiro de Lima completa dez anos.

E, em evento realizado nesta quinta-feira, em São Paulo – no qual recebeu placa homenageando a década da medalha de bronze olímpica -, Vanderlei chorou ao relembrar o seu desempenho em Atenas e revelou algo que poucas vezes disse em público: ele sofreu um acidente de moto sete meses antes dos Jogos, quebrou a clavícula esquerda e por pouco não desistiu de viajar à Grécia. Suas duas primeiras semanas de preparação foram feitas com o braço imobilizado – o que fez o “aviãozinho” da comemoração pelo bronze ser "torto".

No fim, porém, o acidente serviu como passo inicial para a conquista de um lugar no pódio da Olimpíada de 2004 e da medalha Pierre de Coubertin - entregue pelo Comitê Olímpico Internacional para exaltar o alto grau de esportividade e o espírito olímpico demonstrado por um atleta durante a disputa dos Jogos.

Foto: Bovespa / Divulgação

(Crédito da foto: Bovespa/Divulgação)

“O ano de 2004 foi de muita provação para mim. Em janeiro, ainda não tinha minha vaga garantida e sofri um acidente de moto. Mas eu tinha que correr em abril para conseguir tempo para classificar para Atenas. Então, liguei para o Ricardo (D’Angelo, técnico) e o avisei sobre o acidente. Ele primeiro brigou comigo, mas depois me deu um voto de confiança. Foi esta confiança que me empurrou rumo à medalha. Nossa conquista começou naquele momento, porque, ali, eu já tinha praticamente jogado a toalha”, contou Vanderlei.

<p>Vanderlei Cordeiro de Lima deu a vola olímpica com a banderia brasileira após faturar o bronze em 2004</p>
Vanderlei Cordeiro de Lima deu a vola olímpica com a banderia brasileira após faturar o bronze em 2004
Foto: Clive Mason / Getty Images

O treinador do atleta, Ricardo D’Angelo, também se emocionou ao comentar o feito do atleta em 2004. Vanderlei, que vinha de duas experiências frustradas em Jogos Olímpicos, liderava a maratona em Atenas com quase 40 segundos de vantagem para o segundo colocado, quando, no 35º dos 42 quilômetros da prova, foi empurrado pelo padre irlandês Cornelius Horan e saiu do percurso, perdendo aproximadamente 13 segundos sem avançar um metro sequer. Depois, com desvantagem física e psicológica, foi ultrapassado pelo italiano Stefano Baldini e pelo americano Meb Keflezighi, ficando na terceira colocação da prova.

“São 22 anos de convívio e só tenho que agradecer ao Vanderlei pela oportunidade que me deu de trabalharmos juntos. Nesse período, eu mais aprendi do que ensinei. A medalha dele foi uma conquista do Brasil. Da maneira que reagiu, o Vanderlei trouxe para o País a maior conquista do seu esporte em Jogos Olímpicos. Foi importante por ele ter transcendido um patamar, ter conseguido ir a outro status profissional”, afirmou Ricardo, que ainda viu seu ex-comandado falar tudo sobre a história que escreveu há uma década. Confira, abaixo, o que disse Vanderlei Cordeiro de Lima.

Principal recordação dos Jogos Olímpicos de 2004

Vanderlei Cordeiro sobre Atenas: "foi tirada chance do ouro":

"O momento grandioso foi a entrada no Estádio Panathinaiko, com aquela recepção calorosa, o público me aplaudindo de pé. E também quando eu cruzei a linha de chegada e percebi que tinha realmente conquistado a medalha de bronze. Esses foram os momentos mais marcantes não só da minha carreira, como também da minha vida. Todas as vezes que alguém fala dos Jogos de Atenas, são essas as imagens que surgem na minha mente".

Momento do incidente com o padre irlandês Cornelius Horan

"Ele não estava no meu campo de visão e me atacou lateralmente, então eu não tive sequer reação para me defender. Foi uma situação que aconteceu muito rápido e que por isso se tornou muito difícil. Eu cheguei a pensar que ele atentaria contra a minha própria vida. Como isso não aconteceu, não passou em nenhum momento pela minha cabeça a possibilidade de desistir da prova. Eu só queria sair daquela situação e voltar a correr. Esse pensamento foi determinante para que eu conseguisse seguir na maratona e ainda conquistar a minha medalha de bronze".

<p>Brasileiro liderava a prova a 7 km do fim quando foi atrapalhado por Cornelius Horan</p>
Brasileiro liderava a prova a 7 km do fim quando foi atrapalhado por Cornelius Horan
Foto: AFP
Chances de ganhar o ouro sem o empurrão do padre

"O meu desempenho na Olimpíada de Atenas não foi fruto do acaso, e sim de um planejamento de longa data. Toda a estrutura de treinamento que eu tive me deu a condição de reagir a qualquer fato que surgisse pelo caminho. O impacto físico e psicológico do que ocorreu (com o padre irlandês) foi muito grande. Em situação normal, eu poderia não ganhar o ouro, mas a disputa iria para o final da prova, com certeza. Eu jamais vou dizer que seria o campeão. Não vou usar de um palavreado que o próprio Stefano (Baldini, medalhista de ouro) adotou e foi infeliz. Jamais vou subestimar os demais adversários ainda mais se tratando de uma situação que não aconteceu. Sei que foi tirada a grande oportunidade de eu ganhar o ouro, mas não vou cravar que eu o conquistaria. Vai ficar essa duvida, mas a oportunidade foi tirada certamente".

Decepção de ter perdido um “ouro certo”

"Na verdade, naquele ano havia um sonho que eu sempre alimentei um dia que era o de conquistar uma medalha olímpica. Não importava a cor. Então, quando cheguei ao término da prova ali no Estádio Panathinaiko e senti que já tinha ganhado o bronze, esqueci daquilo que tinha ocorrido no quilômetro 35. A minha conquista foi maior que a decepção de não ter ficado com a medalha de ouro. Para falar a verdade, eu nem estava mais preocupado com aquilo que o cara tinha feito. Nunca vou reclamar da vida. Eu só tenho que agradecer a Deus por tê-la me dado".

Vanderlei Cordeiro manda recado para padre irlandês:

Foto: Andy Lyons / Getty Images

(Crédito da foto: Andy Lions/Getty Images)

Mágoa do padre irlandês Cornelius Horan

"Nunca guardei mágoa. Sempre quis prevalecer sem guardar ressentimento das pessoas. Sempre me senti um cara livre, de bem com a vida. As pessoas não acreditam quando digo que nunca tive raiva dele. A grandeza da minha conquista da medalha de bronze foi muito maior do que a decepção e o fato de ele ter me agarrado. A minha vida é simples e, por isso, eu só procuro pensar nas coisas boas, deixando as ruins para trás".

"Tudo na vida tem um propósito. Aquilo que aconteceu em Atenas teve um propósito de Deus. Ele fez aquilo acontecer daquela forma para que eu pudesse dar um exemplo para o mundo e ter o reconhecimento que possuo até hoje. Ele fez com que as coisas fossem difíceis para depois serem muito mais valorizadas".

<p>Padre irlandês Cornelius Horan tirou Vanderlei Cordeiro de Lima do percurso por 13 segundos em Atenas</p>
Padre irlandês Cornelius Horan tirou Vanderlei Cordeiro de Lima do percurso por 13 segundos em Atenas
Foto: Nick Laha / Getty Images

Cartas enviadas pelo padre Cornelius Horan para pedir desculpas

"Acho que os carteiros brasileiros já boicotaram ele (risos). Nunca tive nenhum tipo de contato com essa pessoa".

Recado a Cornelius Horan

"A atitude dele não foi um bom exemplo, ainda mais vindo de um cristão que ele diz ser. A minha atitude diz muito mais do que palavras. Só pelo fato de não ter mais cometido atitudes como aquela, ele já está fazendo algo bom para a humanidade".

Sonho de ganhar uma medalha olímpica

"Quando era pequeno, não tinha um gato para puxar pelo rabo, mas tinha um sonho. Minha vontade de vencer na vida foi maior do que tudo e por isso que estou aqui hoje. Nunca planejei na minha vida ganhar a medalha Pierre de Coubertin, mas o sonho de ganhar a medalha olímpica eu sempre tive".

Ser conhecido mais pelo incidente com o padre do que pela medalha de bronze

"Na cultura dos brasileiros, o Vanderlei Cordeiro de Lima é o Vanderlei do padre, e não o Vanderlei da medalha de bronze. Precisou acontecer um fato como aquele para que eu pudesse ter um reconhecimento. As pessoas sempre veem mais a repercussão negativa do que a conquista. Na nossa cultura, só importa o primeiro lugar. Quando você chega em quarto, em quinto lugar, ainda mais em uma Olimpíada, é péssimo. Temos que aprender a valorizar esses resultados. Não é fácil ganhar, nem mesmo subir ao pódio".

Reconhecimento do público em todo o mundo

"Ter as conquistas esportivas é muito importante. Mas você ter o reconhecimento, poder passar uma mensagem bonita para alguém é muito melhor. Nunca essas medalhas serão tão importantes quanto os elogios que recebo quando ando na rua até hoje, por exemplo. Daqui a pouco, as pessoas esquecem as medalhas. O reconhecimento, não. Ele tem muito mais valor".

Foto: LOCOG / Getty Images

(Crédito da foto: LOCOG/Getty Images)

Fonte: Terra
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