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Ex-corintiano resgata infratores e quer time na Copa SP

7 mar 2012 - 16h26
(atualizado às 17h05)
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Diego Garcia
Direto de São Paulo

Quase 30 anos se passaram desde que o lateral direito Zé Maria encerrou sua carreira de jogador profissional. Desde então, o ex-atleta - ídolo do Corinthians, clube no qual passou 13 anos de sua carreira - se dedica ao auxílio de crianças e recuperação de menores infratores na Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação Casa), em iniciativa que tira das ruas centenas de jovens todos os anos.

"Clóvis foi um. Virou jogador, assinou carteira profissional e virou um cidadão. Com uns 27, 28 anos disse que não tinha mais condições de ser jogador e foi trabalhar, a vida mudou", afirmou o ex-jogador, em entrevista concedida ao Terra. "Também tem a Érica, que foi descoberta em uma unidade na Zona Norte. Quando saiu em liberdade foi para Botucatu, fez contrato e disputou dois Paulistas, já faz uns quatro anos isso, virou cidadã e está lá em Botucatu", continuou.

Aos 62 anos, Zé Maria ostenta quatro títulos paulistas pelo Corinthians, incluindo a histórica quebra do tabu de 1977. À vontade com a visita da reportagem em sua casa, falou sobre seu projeto na fundação, relembrou o drama de rebeliões, fez planos para o futuro e projetou até, quem sabe, poder inscrever um time na Copa São Paulo.

Confira, a seguir, a conversa com o ídolo corintiano:

Terra - Há quanto tempo você está na Fundação Casa?
Zé Maria -
Estou há praticamente 13 anos. Na época, trabalhava na secretaria de Esportes e fui convidado para fazer uma entrega de medalhas e troféus lá. Depois, surgiu um convite para visitar a unidade que pediram. Aceitei, e brincando com os meninos, conversando, fizeram um desafio: "quando vem aqui para a gente ver se o senhor é bom mesmo?".

Fomos eu, o Ataliba e mais dois amigos. Chamamos mais três caras que tinham condições de jogar. Aí metemos couro na molecada. Falaram "pô, eles são bons". E o Hélio, que tinha me convidado a ir, começou a insistir para eu ir lá brincar com a molecada. Aí eu falei para o Carlos, que é gerente da secretaria, e em um belo dia fui. Pediram para eu fazer um trabalho mais amplo com todas as unidades.

Terra - E desde quando você trabalhou com esportes na unidade?
Zé Maria -
Eu ia fazer o trabalho voluntário. Liberavam-me da escolinha de esportes da secretaria, aí me pediram os documentos e disseram para a gente acertar. Deram-me um cargo de coordenador e, quando saiu a documentação, tive que escolher entre a escolinha e aquela loucura, mas aceitei o desafio. Aí pensei: fico na tranquilidade na escolinha ou na fundação? Na época era complicado, muitas rebeliões, mas me joguei.

Eu fiz dois anos na unidade, passei a ser coordenador e fiz um trabalho mais intensivo, das 7h até às 19h. Aprendi a fazer um trabalho normal de coordenação e agente. Eles tinham atividades culturais, e o esporte era um gancho que a gente tinha. Fazíamos atividade no campo e na quadra, aí me chamaram para gerência. Hoje meu trabalho é mais na gerência e coordenação de esportes. Tenho mais liberdade para contatos e testes nos clubes, como Corinthians, Juventus, Nacional.

Terra - E nesses testes e ao longo desse trabalho, tem algum caso específico que você se lembre? Algum menino em especial?
Zé Maria -
O Clóvis foi um. Virou jogador, assinou carteira profissional e virou um cidadão. Com uns 27, 28 anos disse que não tinha mais condições de ser jogador e foi trabalhar, a vida mudou. Esteve no Juventus, no Nacional e no São Bernardo como profissional. Foi jogar até no Paraguai. Voltou, jogou na várzea e hoje é uma pessoa que ainda liga para a gente, liga para a unidade às vezes dizendo: 'olha, estou na várzea, venham me assistir'.

Esse virou um cidadão, mas muitos outros quebraram a cara. Infelizmente a índole deles não é muito favorável e muitos acabam voltando. O Clóvis se salvou, trabalha em uma empresa em Osasco hoje e joga por lá. Está casado, nunca mais voltou, tem três filhos. O esporte foi um dos caminhos que conseguiu dar uma oportunidade concreta a ele. Conseguimos dar continuidade ao trabalho com ele, ele saiu e não se iludiu com o esporte. Tinha salário, ficou muito feliz, mas depois achou que ficou difícil. Só que ter vivido isso tudo já é uma vitória. O esporte tem isso, é um degrau que subimos a cada ano e mexe com a cabeça.

Terra - E você disse que também têm meninas que passaram por situações parecidas. Alguma em especial que você se lembre?
Zé Maria -
Tem a Érica, que foi descoberta em uma unidade na Zona Norte. Ela gostava de futebol, foi jogar no Nacional, Juventus. E como tinha muitos amigos em Botucatu, a levamos para lá. Quando saiu em liberdade fez contrato e disputou dois Paulistas. Já faz uns quatro anos isso, que ela virou cidadã e está em Botucatu. O esporte dá oportunidade para eles saírem da unidade. Eles saem da unidade com essa porta aberta pelo esporte.

Terra - Como funcionam esses torneios? Quantas crianças estão envolvidas?
Zé Maria -
São 80 unidades, aproximadamente 700 a 800 jovens que participam na parte regional. Isso é responsabilidade dos professores de educação física de montar os times. Isso abriu a possibilidade de parceria com a federação. Ela libera oito jogos do Paulista e nós concluímos a parte final nas preliminares do torneio estadual. A federação participa de braços abertos, fornece material, bola, nos dá troféus... a final acontece em algum jogo do Paulista nos moldes das comemorações desses campeonatos. Com festa, e a molecada sonha com isso. Eles têm na faixa de 15 a 19 anos. A gente vai se acostumando e vira uma tradição.

Terra - Você mencionou também alguns testes que os meninos fazem em alguns clubes. Existe algum tipo de parceria com essas agremiações?
Zé Maria -
Temos uma parceria, estive há duas semanas no Corinthians com uma unidade, dez adolescentes. O Castán estava lá fazendo uma matéria e os moleques ficaram doidos. Essas parcerias têm ajudado bastante, e o esporte tem aberto essas portas. Os clubes têm ajudado, o esporte tem dado abertura para isso tudo fora. O presidente é um esportista e gosta, isso é um veículo muito bom. Na estreia do Ronaldo, em Prudente, fizemos aquela preliminar, por exemplo. E temos feito jogos com todos os times grandes.

Terra - E como os grandes clubes têm encarado essa iniciativa e aberto suas portas? Com quais você tem mantido contato?
Zé Maria -
O Andrés ajudou, o Corinthians abriu. Santos, São Paulo e Palmeiras também. Conversamos com as diretorias e eles participam de visitas ao clube. Acaba virando um passeio, mas os moleques querem jogar e competir. O Corinthians abriu quadras, piscinas e memorial. Depois dos campeonatos fazemos uma seleção e jogamos contra um time da base do Corinthians. Esse ano nós jogamos quatro com eles, um com o Palmeiras e um em Ribeirão Preto contra o Olé Brasil. Nesse acabaram ficando três lá para jogar. Estamos ampliando esse tipo de atividade. Tentamos equipes menores para inserir esses jovens, e três ficaram lá. Não sei se ainda estão, mas tenho certeza que pelo menos um ainda está por lá.

Terra - Qual foi seu momento mais difícil agora nesse projeto? Você mencionou algumas rebeliões. Como foi isso? Qual foi a sua reação?
Zé Maria -
Meu primeiro momento difícil foi quando eu cheguei. Não conhecia nada, fui tentar ajudar, e me lembro de que no primeiro ou segundo dia fui fazer meu trabalho e teve uma reunião no complexo. Pegaram uma funcionária da unidade. Não tive reação nenhuma, não sabia nada. Mas a primeira reação foi partir para cima, pois eram três adolescentes que estavam mais exaltados e nós tínhamos vários funcionários. Virei e falei para o diretor: "vamos"? E ele disse: "pelo amor de Deus não, pois aí eles se voltam contra você". Ai ele quis negociar, e foi minha primeira experiência. Depois eles deram uma acalmada.

Tive outras rebeliões, mas aí já tinha experiência de pátio e conhecimento dos adolescentes, já me virava melhor. Teve uma em 99, outra em 2002, todas terríveis. Meteram fogo na unidade, queimaram carros. Estávamos fazendo atividade no campo, aí cercaram o campo. Só que enquanto não terminamos o treinamento eles não invadiram, esperaram terminar, respeitaram. Ali eu senti que o esporte era importante. Ali vi que o esporte muda. E os jovens voltaram para a unidade, e depois participaram da rebelião, mas enquanto estavam uniformizados eles não se moveram.

Terra - Qual é o sentimento de fazer parte de algo com essa grandeza?
Zé Maria -
É gratificante. Sabemos que é difícil, uma missão complicada. Alguém tem que fazer alguma coisa. Temos feito um trabalho direcionado, Nosso sonho é participar de um torneio profissional e oficial, de uma Copa São Paulo ou de um Campeonato Paulista. Abrir uma porta nesse sentido.

Terra - Acha possível montar um time da Fundação para disputar uma Copa São Paulo?
Zé Maria -
Temos qualidade para jogar uma Copa São Paulo, mas teríamos que fazer um trabalho bem mais qualificado. Algo diferenciado e específico, que motiva o adolescente a ir para essa casa, que acho que tem que ter específica para o esporte. Tirar um pouco dessa muralha, tirá-los dessa sede de liberdade e fazê-los se sentirem em outro mundo. É questão de oportunidade, estamos caminhando para isso. Conseguimos fazer uma seleção nesses campeonatos. Perdemos um jogo feio, empatamos uma e ganhamos uma. Estamos crescendo.

Terra - E quanto a um Campeonato Paulista?
Zé Maria -
A gente busca um dia participar de um Campeonato Paulista, mesclar com uma outra equipe, quem sabe. Seria mais acessível fazer parceria com um Guaratinguetá. Já fizemos com Rio Claro, Americana, Águas de Lindoia... Levamos muitos adolescentes para lá. O Linense também.

Zé Maria se dedica atualmente a resgatar menores infratores das ruas com a Fundação Casa
Zé Maria se dedica atualmente a resgatar menores infratores das ruas com a Fundação Casa
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra
Fonte: Terra
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