Pressão faz Tite mudar estilo, atrasar entrevistas e ser protegido
25 mai2012 - 07h00
(atualizado às 08h06)
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A obsessão por ser campeão da Copa Libertadores "pilhou" Tite. Nem mesmo a vaga para a semifinal, com vitória sobre o Vasco, baixou a adrenalina do treinador corintiano, que teve a tradicional entrevista de sexta-feira cancelada nesta semana. Esse é só mais um dos reflexos do estresse pelo qual ele vem passando ao longo do torneio e que se agravou em função da eliminação no Campeonato Paulista.
O sintoma mais claro e recente da mudança de comportamento pôde ser visto na quarta-feira. Além de se desentender com o atacante Eder Luis por achar que o vascaíno havia simulado agressão, ele reclamou muito da não marcação de uma falta em Paulinho na etapa final do jogo contra o Vasco e foi expulso, tendo que dirigir a equipe com muito custo do alambrado. Ao fim do jogo, admitiu que a atitude impulsiva poderia ter comprometido o resultado.
Um dia antes, no CT Joaquim Grava, ele já demonstrava nervosismo. "Acha que estou calmo? Estou com a adrenalina a milhão, não estou conseguindo dormir direito. Sou ser humano, não estou acima de ninguém. Não é meu perfil, minha característica (ser diferente). É que eu me elaboro (antes da entrevista), eu procuro me equilibrar. Isso é tempo, é bagagem", disse, quando um jornalista citou a aparente calma na preparação para o confronto decisivo. Naquela tarde, foi aconselhado por funcionários a tentar descansar ao máximo no hotel.
Desde a queda precoce frente à Ponte Preta, Tite tem se exaltado no vestiário. Foi por isso que o presidente Mário Gobbi falou antes dele naquela ocasião. É também por isso que tem demorado para surgir na sala de imprensa depois das partidas na Libertadores: ele despeja tudo o que está sentindo, reza com os jogadores, conversa com alguns dirigentes e só então sai para conceder entrevista. Ao final do jogo de quarta-feira contra o Vasco, esse ritual levou 50 minutos.
Auxiliar de Tite há 11 anos, Cléber Xavier lembra que o parceiro se entrega totalmente aos treinos e partidas. "Ele é muito dedicado, a exemplo do Muricy Ramalho. Eles só pensam no trabalho, ainda mais em equipes grandes, como é o caso do Corinthians. O calendário é muito sacrificante para o treinador brasileiro, que precisa pensar em tudo e não tem muito tempo para descanso ou lazer, porque em seguida já há outro jogo", disse.
Em 2006, então no São Paulo, Muricy chegou a passar mal depois de uma derrota para o Chivas Guadalajara, na Libertadores, e foi levado ao hospital. Oswaldo Alvarez (problemas cardíacos) e Paulo Autuori (mal-estar) também já deram susto. Mas o caso mais sério foi o de Ricardo Gomes, que sofreu AVC (Acidente Vascular Cerebral) no banco de reservas do Vasco durante clássico contra o Flamengo, no Campeonato Brasileiro de 2011, e ainda não retornou ao trabalho.
Para Joaquim Grava, consultor médico do Corinthians, a rotina de entrevistas pós-jogo, muitas vezes tensas, pode ser prejudicial ao profissional. "Na minha opinião, é um crime. O treinador tem que responder a uma série de perguntas, se vai ser demitido ou não, o porquê de não ter escalado tal jogador. O certo seria ele ir para casa e dar entrevista no dia seguinte, no CT. Já conversei com muitos deles, e todos concordam comigo", argumentou.
Todos os técnicos contratados pelo Corinthians são submetidos a exame admissional, e Tite não tem histórico de problemas graves de saúde. O motivo da recente proteção do clube é mais preocupação com o desempenho dele e da equipe nesta reta decisiva do torneio continental, objeto de desejo do clube. Com o time invicto e garantido na semifinal pela segunda vez na história, tudo leva a crer, porém, que ele não precise de exame demissional tão cedo.
Imagine reviver um típico dia de adolescente assim, já na vida adulta, beirando os 51 anos, lá com seus cabelos brancos e experiência de sobra nas costas. Aí você se manda para a arquibancada de um jogo de futebol, se junta a um bando de loucos e vê seu time vencer heroicamente com um gol nos minutos finais e se classificar às semifinais de um torneio importante?
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra
Foi exatamente assim que se sentiu o técnico Tite nesta quarta-feira, durante emocionante vitória do Corinthians por 1 a 0 contra o Vasco, pela Copa Libertadores
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra
"Hoje vivi o outro lado, pude remeter ao lado de adolescente que vai a campo, assiste e vibra junto, participa junto. Mas eu não deveria estar ali, tenho essa consciência, vou procurar não falar mais com o árbitro. Me trouxe responsabilidade grande, talvez fossemos merecedores", disse o treinador corintiano, que recebeu cartão vermelho e teve que ver a partida da plateia
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra
xpulso aos 11min do confronto por reclamação com o árbitro, o treinador se viu sem alternativa senão a de se mandar às arquibancadas para acompanhar o restante do duelo
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra
Desesperado, já que o até então empate sem gols levava a decisão para os pênaltis, o comandante passou a usar de artimanhas inusitadas para conseguir instruir sua equipe rumo a um triunfo inabalável
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra
Teve de tudo na "saga" de Tite pelas arquibancadas do Pacaembu. Gandula como pombo-correio - o técnico mandava um dos pegadores de bola ir chamar os jogadores com quem gostaria de conversar -, gerente de futebol atuando como segurança - era Edu Gaspar, que ficou ao lado do técnico -, jogador escalando o alambrado para comemorar com ele - era Paulinho, o herói da noite - e até um torcedor querendo dar um "celular fajuto" para auxiliá-lo
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra
Um torcedor me deu o celular, e eu achei que era para tentar ligar para o pessoal do banco. Eu peguei o celular, comecei a falar e ele disse: 'não, só estou marcando o tempo de jogo para você'. Não dava nem para falar naquilo direito", declarou Tite, já tranquilo acomodado em sua poltrona de onde geralmente concede entrevista no Pacaembu
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra
Instalado em uma das grades do setor das numeradas do Pacaembu após a expulsão, Tite foi rodeado por torcedores e passou a comandar a equipe dali mesmo
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra
Mandou chamar Willian, que queria na vaga de Jorge Henrique, e Liedson, que mandou substituir Emerson
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra
Conversou olhos nos olhos com ambos, disse o que queria e seguiu ali, em meio aos corintianos
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra
"Chamei ali do lado e falei Willian, o corredor direito bem aberto porque daqui a pouco você participa menos, mas vai ser mais efetivo. A engrenagem da equipe se manteve, e em momentos de pressão você repete aquilo que treinou, aquilo que joga, e aí vai. Eu só olhava para o olho do Willian e do Liedson, aí eles balançavam a cabeça dizendo que entenderam. Fui na grade e nos falamos, foi como deu", relembrou o treinador
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra
Após 87 minutos de tensão no Pacaembu, eis que Tite pode enfim explodir em alegria com um grito de gol. Era de Paulinho, o da classificação corintiana nos instantes finais
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra
Como um adolescente, o treinador se misturou aos demais 35.974 pagantes nas arquibancadas do Pacaembu e festejou
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra
Abraçou, pulou, cantou, gritou...
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra
Parecia mais um "louco do bando", ou só mais um singelo torcedor no Pacaembu