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Terra na Copa

A partida de futebol que deu origem à guerra dos Balcãs

20 mar 2013 - 15h52
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Durante décadas considerado o clássico da liga iugoslava, o confronto entre Dínamo de Zagreb e Estrela Vermelha de Belgrado se tornou o símbolo da sangrenta guerra que assolou a região dos Balcãs nos anos 1990.

Aquela partida não podia ter sido disputada em pior momento, logo duas semanas antes do dia 13 de maio de 1990, data em que os partidos favoráveis à independência da Croácia venceram as primeiras eleições multipartidárias realizadas na república iugoslava.

Isso alimentou as tensões étnicas entre Zagreb e Belgrado, que se opunha ao desmantelamento da Federação Comunista Iugoslava.

As duas equipes eram conhecidas pelo extremismo de seus torcedores. Os Delije (que poderia ser traduzido como "durões") passariam a integrar mais tarde o corpo de paramilitares sérvios que lutaram contra a Croácia e a Bósnia-Herzegovina.

Já os Bad Blue Boys do Dínamo eram defensores da independência da Croácia.

A tensão já era evidente antes do ponta-pé inicial. "Naquele dia havia distúrbios", disse Renato, torcedor do Estrela Vermelha.

As brigas nas ruas eram frequentes, apesar da forte presença policial. Estima-se que 3.000 torcedores do Estrela Vermelha tenham viajado de Belgrado a Zagreb, muitos deles dispostos a provocar confusão.

O estádio ficou lotado, com a torcida do Estrela Vermelha entoando cânticos nacionalistas e a do Dínamo respondendo com insultos.

Os Delije arrancaram assentos das arquibancadas e jogaram nos seguidores locais. Mesmo em grande número, os policiais surpreendentemente não agiram.

Quando os torcedores sérvios romperam as grades divisórias de proteção, os rivais atacaram. Em vez de separar as torcidas, a polícia iniciou uma perseguição aos torcedores croatas.

Em pouco tempo a briga tomava conta do gramado e "começou o inferno", disse Milan, um dos torcedores do Estrela Vermelha que tentou evitar os distúrbios.

Em pouco tempo "não se podia mais ver o gramado, já que tudo estaba coberto de tijolos e de partes das grades", lembra Vlado Capljic, jogador do Dínamo na época.

O então jogador do Dínamo e um dos melhores jogadores croatas da história, Zvonimir Boban, que tinha apenas 21 anos, viu um agente da polícia agredindo brutalmente um torcedor local.

Boban avançou sobre o policial e o agrediu, permitindo que o torcedor fugisse.

A multidão começou a gritar "Boban, Boban", chamando os policiais de assassinos, lembra Dean Bauer, que na época era um estudante de 23 anos.

"Foi grotesco: a música continuava tocando e o alto-falante emitia anúncios como se nada estivesse acontecendo", acrescentou Bauer.

Os jogadores do Estrela Vermelha foram retirados do estádio. Quase uma hora e meia depois, a polícia utilizou bombas de gás lacrimogêneo para dispersar a multidão e escoltar a saída dos torcedores sérvios.

A atitude fez de Boban um herói nacional e muitos croatas viram nele o símbolo do descontentamento de Zagreb com o domínio político de Belgrado na antiga Iugoslávia.

"Certamente marcou minha vida e minha carreira esportiva, foi como se tivesse amadurecido do dia para a noite", declarou Boban sobre este incidente em uma entrevista em 2002.

O estrela do futebol sérvio Dragan Dzajic disse que não acreditava que a guerra na Iugoslávia pudesse eclodir até aquela partida. "Depois do jogo, era claro para todos o que ocorreria", declarou Dzajic.

No total, 117 policiais, 39 torcedores sérvios e 37 croatas ficaram feridos. Mais de cem torcedores foram detidos.

"Naquele dia ensolarado de primavera, ficou claro que era o fim de uma era e que outra, brutal e sangrenta, acabava de começar", disse Bauer.

Um ano depois, na primavera de 1991, explodiu a guerra na Croácia, o primeiro de uma série de conflitos que acabaram com a desintegração da Iugoslávia.

AFP Todos os direitos de reprodução e representação reservados. 
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