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Terra na Copa

Atrasos e obras canceladas reduzem legado da Copa em transporte

14 jun 2013 - 05h04
(atualizado às 06h34)
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Grandes obras inicialmente planejadas para melhorar o transporte público nas cidades-sede da Copa de 2014, garantindo que o evento deixe um legado no setor, não ocorrerão ou não terminarão antes do Mundial em quatro dos 12 municípios que receberão jogos do evento. Em outras quatro cidades, atrasos ameaçam fazer com que somente parte dos investimentos previstos em transporte público sejam concluídos antes do torneio.

Pelo Portal da Transparência, da Controladoria-Geral da União, a BBC Brasil conferiu o andamento de todos os investimentos em transporte público da Matriz de Responsabilidades, documento que define o papel de governos e entidades privadas na execução de obras para a Copa. Obras na matriz podem ser contratadas por regime diferenciado, mais ágil que o habitual, e pagar menos tributos.

Em São Paulo, Brasília, Salvador e Manaus, à exceção de melhorias em sistemas já existentes ou em obras no entorno dos novos estádios, todos os demais investimentos diretos em transporte público previstos para o evento foram retirados da matriz. E em Natal, nenhum dos quatro projetos de mobilidade urbana da matriz se refere a ações diretamente voltadas ao transporte público, mas sim a obras viárias, como a ampliação de avenidas.

Com isso, essas cidades não aproveitarão o evento esportivo para executar grandes obras em transporte público. A postura é diferente da adotada, por exemplo, por Johanesburgo. A cidade sul-africana que recebeu mais jogos na última Copa do Mundo, em 2010, construiu para o evento uma linha de trem com 80 quilômetros que conecta seu aeroporto à cidade vizinha de Pretória, além de corredores de ônibus.

As cidades brasileiras afirmam que, apesar da exclusão dos projetos da matriz, estão executando outras obras que melhorarão o transporte público durante e após o evento esportivo. O Ministério do Esporte disse em nota à BBC Brasil que a Copa está possibilitando ao País antecipar obras que já estavam previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e que os investimentos essenciais para o evento serão realizados.

Afirmou, ainda, que as obras retiradas da matriz representam parte minoritária dos projetos. "Algumas obras saíram da Matriz de Responsabilidade porque os responsáveis pela execução concluíram que não ficariam prontas a tempo da realização do Mundial. Mas elas ainda serão executadas dentro do PAC e serão concluídas após a Copa."

Obras canceladas ou adiadas

Em Manaus, as duas obras da Copa em transporte público saíram da matriz: um corredor de ônibus e um monotrilho, orçados em R$ 1,5 bilhão. Em Brasília, após a Justiça apontar fraude em licitação, o governo local também tirou da matriz a única obra em transporte público para a Copa, o trem de superfície (VLT) que ligaria o aeroporto à Asa Sul. A obra estava orçada em R$ 364 milhões.

Em São Paulo, o único investimento em transporte público da matriz também deixou a lista - a linha 17 Ouro do Metrô, que ligaria o aeroporto de Congonhas ao bairro do Morumbi ao custo de R$ 2,8 bilhões. A obra buscava facilitar o transporte de visitantes até o estádio do Morumbi, inicialmente escolhido para sediar os jogos na cidade e posteriormente substituído pela Arena Itaquera, em construção.

Salvador tampouco concluirá sua única obra em transporte público prevista na matriz, um corredor de ônibus até o aeroporto da cidade, ao custo de R$ 567 milhões.

Nessas cidades, as obras de mobilidade urbana da Copa que permanecem na matriz preveem intervenções no entorno dos estádios e, no caso de Brasília, também a ampliação de uma rodovia - que, segundo o governo local, terá corredores de ônibus. Em outros municípios, alguns dos principais investimentos em transporte público para a Copa estão atrasados e só devem ficar prontos na véspera do evento, segundo o Ministério do Esporte.

É o caso do trem de superfície (VLT) de Cuiabá, orçado em R$ 1,4 bilhão e que ligará a capital mato-grossense ao município vizinho de Várzea Grande. A obra tem previsão de entrega em maio de 2014, a um mês da Copa.

Em Curitiba, quatro obras em corredores de ônibus, entre as quais uma linha entre o aeroporto e a rodoferroviária, também só deverão terminar em maio de 2014, de acordo com o Ministério do Esporte. O mesmo deverá ocorrer, segundo o órgão, com os três corredores de ônibus em construção em Porto Alegre.

Em Fortaleza, as obras do trem de superfície (VLT) entre Parangaba e Mucuripe, com custo estimado de R$ 274 milhões, estão atrasadas e só devem ficar prontas em março de 2014. No Rio, Recife e em Belo Horizonte, apesar de atrasos, todas as obras em transporte público da matriz têm previsão de conclusão ainda neste ano. Nos três municípios, bem como na maioria das outras cidades-sede, os investimentos em transporte público para a Copa se concentram em corredores de ônibus (BRT).

Para o professor de engenharia de tráfego Paulo Cezar Martins Ribeiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o sistema foi escolhido por ser mais simples de executar e barato do que linhas sobre trilhos. Ele defende, porém, que as linhas a serem inauguradas para o Mundial sejam continuamente avaliadas após o torneio e, se necessário, reformuladas. Ribeiro diz que o corredor Transcarioca, que ligará o aeroporto do Galeão à Penha e à Barra da Tijuca, no Rio, talvez tenha de evoluir para um sistema sobre trilhos.

Maria Rosa Ravelli Abreu, especialista em transporte da Universidade de Brasília, diz que os corredores de ônibus são adequados para deslocamentos mais curtos e com menos passageiros (para dar capilaridade ao transporte público), enquanto sistemas de trilhos como o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) são preferíveis para viagens longas e com maior demanda de passageiros. Dentre as cidades-sede, porém, só Cuiabá e Fortaleza construirão linhas de VLT para a Copa.

Abreu critica, ainda, os vultosos investimentos de algumas cidades-sede, entre as quais Brasília, na ampliação de rodovias. "O dinheiro está sendo gasto não para a construção de um legado sustentável, mas para alargar grandes eixos rodoviários e dar mais acesso ao automóvel individual", disse. "Foi escolhido um prolongamento do modelo vigente, que vem destruindo a qualidade de nossas cidades".

Para José Roberto Bernasconi, presidente do Sinaenco-SP (Sindicato da Arquitetura e da Engenharia), o Brasil sente os efeitos da demora para se preparar para a Copa. No fim de 2007 já se sabia que o País sediaria o evento e, no entanto, a Matriz de Responsabilidades só foi definida em janeiro de 2010. Após a definição, houve novos atrasos e mudanças.

"A Copa vai nos deixar um legado menor do que se tivéssemos tomado providências a tempo", afirma. Apesar disso, diz ele, a preparação para o Mundial gerou um movimento que acabará por melhorar o sistema de transporte de algumas cidades-sede após o evento.

"Infelizmente não será para 2014, mas, provocados pela Copa, tivemos algumas respostas (dos governos) que se transformarão em equipamentos para a população brasileira até 2018, 2020. Mas poderíamos ter feito mais".

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