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Analistas: novos torcedores e estádios são legados da Copa

11 jul 2014 - 16h14
(atualizado às 17h28)
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<p>Torcedores tiveram um comportamento diferente do que o futebol brasileiro está acostumado</p>
Torcedores tiveram um comportamento diferente do que o futebol brasileiro está acostumado
Foto: Ricardo Matsukawa / Terra

Em junho do ano passado, quando faltava um ano para a Copa do Mundo no Brasil, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, disse que queria que o Mundial deixasse um "legado" para o futebol no País, referindo-se ao esporte como um todo, não apenas à estrutura física dos estádios. Passados os quase 30 dias de Mundial, alguns analistas já conseguem prever alguns benefícios que o futebol brasileiro poderá herdar: os 12 estádios "padrão Fifa", novos torcedores e uma possível "contaminação" do futebol de alto nível jogado na Copa.

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Mas a herança principal da Copa para o futebol nacional pode surgir a partir de algo inesperado: a derrota por 7 a 1 para a Alemanha pode ser um fator determinante para uma mudança radical no futebol brasileiro.

"Esse desastre não veio por acaso, é reflexo dessa estrutura ruim que temos no futebol brasileiro", opinou o preparador físico João Paulo Medina, fundador da Universidade do Futebol (instituição que promove ensino e qualificação no futebol).

"A gente não pode querer botar a culpa no Felipão, nos jogadores. Perder ou ganhar vai acontecer com todos os países, mas a gente está tendo sinais de que estamos em declínio há muito tempo e a gente não está tendo mudanças. Quem sabe agora a gente acorda pra isso."

Torcedores ouvidos no dia pós-goleada também mencionaram que a derrota humilhante deveria servir para o Brasil "repensar muita coisa". Citaram a importância de um investimento maior no futebol nacional e nas categorias de base com principal agente da mudança necessária para a seleção voltar ao topo.

Mas na coletiva de Luiz Felipe Scolari e Carlos Alberto Parreira (coordenador técnico da Seleção) no dia seguinte à eliminação, o tom do discurso era de que uma derrota não poderia apagar a qualidade do trabalho que foi feito até agora.

"Reinventar o futebol brasileiro? Porque perdeu um jogo? Boa parte da equipe vai estar em 2018; é uma derrota catastrófica, feia, horrível, a pior do mundo, mas é um caminho para aprender e seguir", disse Felipão, que reforçou que o que houve com a Seleção foi uma "pane".

"A visão é a mesma, de otimismo, avaliação positiva. O trabalho foi muito bem conduzido. Se fosse amanhã, nossa expectativa em relação à Copa seria para ganhá-la, não ia mudar nada. Não foi possível, estamos tristes", comentou Parreira.

Plano de mudança

Ao longo das últimas décadas, o comando da CBF e das federações de futebol de todos os estados sempre foi feito pelos chamados "cartolas", os homens de "negócios" do futebol, sem que mudanças significativas acontecessem. O presidente da Confederação era Ricardo Teixeira desde 1989 e só em 2012 deu lugar a José Maria Marín, seu vice à época. Esse, por sua vez, dará lugar à Marco Polo Del Nero agora, que também foi vice da sua gestão nos últimos anos.

Isso tem colaborado para deixar a estrutura do futebol brasileiro "engessada", analisam os especialistas. E a derrota por 7 a 1 para a Alemanha poderia servir para despertar os dirigentes para uma mudança mais efetiva.

O movimento de jogadores criado no ano passado, Bom Senso FC, até já deu os primeiros passos na reivindicação por melhorias no calendário e mais investimento no futebol nacional. Até o momento, no entanto, as conversas com a CBF sobre o tema não evoluíram muito.

Já o Ministério do Esporte parece mais empenhado em ajudar o desenvolvimento do futebol no País. "Nós temos que lidar com um problema crônico da dívida dos clubes brasileiros. Temos que garantir que esses clubes nacionais continuem a ter um papel formador de atletas; temos que pensar em melhorias no calendário; temos que pensar em medidas para fortalecer a profissionalização dos clubes e das federações de futebol", disse o secretário do ministério, Luis Fernandes.

"É uma agenda ampla de modernização que terá que ser intensificada agora a partir das lições da derrota sofrida na semifinal."

João Paulo Medina vai além. Para ele, é preciso um plano de desenvolvimento do futebol, como aquele que foi feito na Alemanha no início da década de 2000 – após as derrotas na Eurocopa e no Mundial – para transformar o futebol brasileiro.

"Precisamos de um plano de ação para o futebol em que todo mundo contribua, do jogador ao técnico. É um trabalho integrado e tem que lutar pra que seja implementado", pontuou. "Não podemos jogar fora todo esse investimento feito (na Copa). Só estádio, que é o hardware, não resolve, temos que ter o software pra fazer funcionar", finalizou.

Procurada pela reportagem, a CBF disse que só vai falar sobre o tema depois da Copa.

Arquibancada

Apesar do trauma de terça-feira, a Copa do Brasil empolgou, com jogos emocionantes e uma chuva de gols – foram 167 até agora, média de 2,69 por partida. As 12 modernas arenas construídas ou reformadas para a Copa permitiram ao brasileiro ter contato com uma nova experiência nos estádios, com mais conforto e mais segurança.

"Num primeiro momento, esses estádios novos atraem mais pessoas, que querem ir aos jogos para conhecê-los", disse Erich Beting, especialista em marketing esportivo.

Para Erich, porém, o grande legado da Copa para o futebol brasileiro, mais do que os estádios, são os torcedores. "É bem possível que a gente veja o torcedor querendo ter mais contato com futebol", explicou. "A Copa criou um torcedor mais exigente. Ele já não se contenta com qualquer coisa, ele quer um estádio melhor, um bar que funcione, mais organização. E melhor nível técnico também."

"Essa impregnação do futebol é muito positiva", comentou o diretor-executivo do Fluminense, Paulo Angioni. "O Brasil vive um momento de efervescência. Naturalmente essa média (da Copa do Mundo, acima das 50 mil pessoas por jogo) é improvável, mas podemos ter algo razoavelmente bom. Agora, paralelamente a isso deveria ser feito algo para dimensionar de melhor forma o nosso campeonato."

Por outro lado, há críticas quando ao aumento no preço dos ingressos dos estádios, decorrentes das reformas efetuadas para o Mundial - tornando mais difícil para o torcedor comum acompanhar os jogos de seu time.

"Se o espetáculo não ajudar, também, isso não adianta muito. O cara não vai pagar caro para ver um jogo ruim. No ano passado, fizemos um levantamento de público nas novas arenas e a do Grêmio, por exemplo, teve media de só 40% de ocupação", ressaltou Erich Beting.

O campo

Dentro de campo, a expectativa é também para que a Copa do Mundo inspire a melhora no nível técnico do futebol dos clubes nacionais.

Para Tostão, um dos craques da seleção brasileira de 1970 - aquela que ficou conhecida justamente pelo seu estilo de "jogar bonito" -, o futebol jogado na Copa pode servir de inspiração para o que vem sendo praticado nos campeonatos nacionais.

"Os jogos estão bons, de muita qualidade técnica, e isso não é o futebol que se joga no Brasil. O legado será abrir os olhos dos técnicos brasileiros, que estão reféns de um jogo ultrapassado, melhorar a qualidade dos times, das categorias de base", observou o ex-jogador.

Sobre a retomada do Campeonato Brasileiro, o analista de desempenho do Grêmio, Eduardo Cecconi, vê um certo pessimismo da imprensa e acredita que a grande diferença da competição nacional para a Copa é principalmente na estética do futebol.

"A percepção do público passa mais pela mídia que pelos jogos, já que está sendo massificada essa ideia (de que o Brasileiro é um campeonato de baixo nível) e ainda nem sabemos. Os times estão há 45 dias treinando, vai que se consegue ter um bom campeonato?", opinou.

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