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Terra na Copa

Vizinhos da delegação receitam mergulho em lagoa milagrosa a Aguero

3 jul 2014 - 10h12
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Quando o técnico Alejandro Sabella percebeu que estava sem muitas opções ofensivas para furar o bloqueio da Suíça, na última terça-feira, o sonho da Argentina de conquistar a Copa do Mundo do Brasil quase ia por água abaixo. Para um grupo de brasileiros, no entanto, é exatamente um banho que poderá melhorar as condições do grande rival na sequência do torneio.

Lagoa Santa é um município mineiro de pouco mais de 50.000 habitantes (incapaz de encher um estádio como o Mineirão, portanto), vizinho de Vespasiano, onde a delegação argentina utiliza as instalações da Cidade do Galo para trabalhar no decorrer do Mundial. Recebeu esse nome porque a sua grande lagoa central, com mais de 6 km de perímetro, teria poderes medicinais.

"Se isso é verdade ou não, eu não sei. Mas nado na lagoa desde criança e tenho uma saúde de ferro. Não custa nada trazer esse jogador da Argentina que se machucou para cá", comentou Steyne Gretschischkin, o primeiro a recepcionar a reportagem da Gazeta Esportiva em uma visita ao local. "O Aguero tem que vir logo para cá, sô!", empolgou-se Cleidson Rodrigues, proprietário de uma churrascaria em frente à lagoa, mais um que utiliza as águas milagrosas como lazer.O atacante argentino Kun Aguero lesionou a coxa esquerda no primeiro tempo da vitória por 3 a 2 sobre a Nigéria, em Porto Alegre, na última partida da Argentina na primeira fase da Copa do Mundo. Jornais de seu país chegaram a dar como o certo o corte da competição, porém ele voltou a realizar treinamentos físicos recentemente. Sem o jogador, o técnico Alejandro Sabella (que não convocou Carlitos Tevez) recorreu a Ezequiel Lavezzi como titular diante da Suíça e mandou Rodrigo Palacio a campo mais tarde.

Com pouco tempo para recuperação, Aguero não faria mal se ao menos soubesse um pouco sobre a lagoa que está ao lado da sua concentração. A lenda teve origem com aquele que seria o primeiro morador da região, o fazendeiro Felipe Rodrigues. Por volta de 1730, ele teria se curado de feridas crônicas no corpo apenas com mergulhos naquelas águas. Depois, usou a mesma receita contra uma surdez, e relatos como o dele começaram a se avolumar em Minas Gerais. A ponto de a Coroa Portuguesa importar vários barris com amostras do remédio atualmente indicado ao atacante argentino.Os moradores de Lagoa Santa têm outras histórias para justificar as propriedades terapêuticas da lagoa. Há quem diga que existia uma igreja no local, engolida por uma enchente. "Foi assim que a lagoa ficou santa. Bobagem, não é? Ainda tem quem jura que vê a pontinha da torre lá no meio, quando a água está baixa", brincou um senhor, enquanto admirava uma roda de viola. Cleidson Rodrigues, o dono da churrascaria, contou a sua teoria com mais seriedade. "A água aqui é muito calcária. Isso ajudava a cicatrização das feridas dos escravos que vinham se banhar. Como não tinham conhecimento, achavam que acontecia algum milagre", disse.

Cleidson advertiu que, justamente por suas características, a água não deve ser consumida. "Dá problema renal, mas muita gente ainda bebe", afirmou. Metros à frente dele, um senhor com um grande chapéu na cabeça guiava a sua mula - que pastava ao lado de muitas outras da mesma espécie - para se hidratar no local. Outros animais também infringiam uma norma do município. Com várias placas espalhadas para contraindicar os banhos na lagoa, várias capivaras nadavam livremente próximas à margem. Já estão tão à vontade na cidade que não se importam mais com a curiosidade de crianças e até dão nome ao "Bar do Capivara", especializado em frangos com maionese. "Você quer comer capivara aqui? Está louco? Não pode! O Ibama não permite!", repreendeu o taxista Steyne, em conversa com um turista.

De acordo com moradores mais antigos de Lagoa Santa, Aguero não corre riscos de saúde se realmente resolver seguir as capivaras em um mergulho. "Dizem que está tudo contaminado, mas é mentira. Falam isso porque esse paraíso está ao lado de Belo Horizonte. Se liberarem o banho para todo o mundo, vai virar uma farofada. Mas a gente, que é daqui, nada e pesca normalmente", garantiu um homem, coçando a sua barriga e apontando para três meninos em um pequeno barco. Em suas mãos, estavam varas de pescar.O site oficial da Prefeitura de Lagoa Santa, contudo, não tem a mesma tranquilidade em relação à poluição. Informa que conta com monitoramento constante de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz e não assegura o desaparecimento total dos caramujos transmissores de esquistossomose. Ainda há alto índice de contaminação fecal na lagoa. "Eu nadava aqui quando era moleque. Existia uma parte que a gente chamava de praia. Mas hoje...", sorriu Wilfred Marcelino, apesar de admirar os encantos naturais do seu município. "Se dizem que a água faz mal, aí é que pode chamar esse jogador da Argentina, uai!", gargalhou uma criança, jogando futebol na antiga faixa de areia do lugar, sem a inspiração da água batizada que Branco recebeu de Maradona na Copa do Mundo de 1990.

Talvez Aguero se encorajasse com a quantidade de peladas nas proximidades da lagoa. Muitos jovens aproveitam as traves, campos e quadras demarcados para jogar futebol com camisas de Ronaldinho Gaúcho, atleta do Atlético-MG e morador ilustre de Lagoa Santa, e até de Lionel Messi, astro argentino que quase alugou uma mansão na cidade durante a Copa - desistiu por causa do preço. Há espaços também para quem veste uniformes do alemão Schweinsteiger e para estrangeiros dispostos a mostrar habilidade em meio ao Mundial. Um turista norte-americano, com as faces coradas pelo sol quente e as meias esticadas até a metade das canelas, foi um dos que se arriscaram a bater bola com os garotos locais.

Na segunda rodada da fase de grupos da Copa do Mundo, quando a Argentina foi ao Mineirão para vencer o Irã por 1 a 0, os visitantes de Lagoa Santa eram em maioria os compatriotas de Aguero. Dezenas de argentinos pediram autorização para Cleidson Rodrigues para deixar os seus trailers no estacionamento da churrascaria. À noite, divertiram-se com mergulhos na lagoa, onde também mataram a sede, lavaram roupas e fizeram necessidades fisiológicas.Ninguém se importou com a bagunça feita pelos argentinos. Afinal, dias antes, os colombianos já haviam mostrado entusiasmo para acompanhar a vitória por 3 a 0 de sua seleção (adversária do Brasil nas quartas de final) em cima da Grécia, no Mineirão. Beberam cervejas de 600 ml sozinhos, no bico da garrafa, e não dividiram entre si nem as porções que pediram nos bares e restaurantes de Lagos Santa. "Eles são muito individualistas, mas divertidos", observou Cleidson.

Tamanha animação poderia se refletir outra vez nas águas milagrosas com um mergulho de Kun Aguero. O técnico Alejandro Sabella certamente ficaria inundado de satisfação se as dores na coxa do atacante fossem embora tal qual a surdez do primeiro morador de Lagoa Santa. E as suas chances de ver a busca pelo título mundial afundarem, assim como aquela igreja que teria existido no simpático município ao lado da Cidade do Galo, secariam mais mineiramente aos olhos do município.

Gazeta Esportiva Gazeta Esportiva
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