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Copa da Rússia

Veja depoimentos comoventes de operários explorados no Catar

Catar é alvo da imprensa mundial e ONGs por abusos contra operários em obras para a Copa do Mundo de 2022

25 mai 2015 - 17h58
(atualizado às 18h33)
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A Copa do Mundo de 2022 no Catar ainda está longe, mas as polêmicas em torno dela já ganham as manchetes de alguns dos principais jornais do mundo. A principal é a respeito das condições precárias de trabalho que têm sido relatada por operários imigrantes que foram ao país para participar da construção das obras para o Mundial.

O governo do Catar já foi bastante criticado por não dar suporte a esses imigrantes, mas alega que está sendo mais rígido na fiscalização das empresas responsáveis pelas obras. Na visão da ONG Anistia Internacional, no entanto, as autoridades to país ainda "têm feito pouco".

Alojamento de trabalhadores na zona industrial Sanaya, em Doha, no Catar, em março de 2014
Alojamento de trabalhadores na zona industrial Sanaya, em Doha, no Catar, em março de 2014
Foto: Stringer / Reuters

A BBC – que teve três jornalistas detidos no Catar na semana passada por investigarem a questão das condições de trabalho dos imigrantes – ouviu três operários sobre o assunto. Todos descrevem a situação como "precária" e "opressiva.

Frank*, do Quênia

"Vim do Quênia ao Catar em junho do ano passado para trabalhar na construção. Consegui o emprego por uma agência. Me pagavam US$ 350 (R$ 1.091) por mês quando cheguei, muito menos do que tinham me prometido. E só para chegar aqui, gastei US$ 1 mil (R$ 3.117).

Trabalhei na construção de escolas públicas próximo a Doha de junho até novembro. Existem muitos projetos de infraestrutura no país que vão além da preparação para o Mundial. O principal lugar onde trabalhei não era um bom ambiente. A maioria dos colegas não tinha estudado, e as empresas se aproveitam, já que eles não conseguem negociar.

Eles viram ajudantes e recebem muito mal. Muitos acabam tendo que aceitar porque não têm como voltar a seus países e porque precisam do dinheiro para sustentar suas famílias. Eu mesmo estou mandando dinheiro para minha família. Todos dependem de mim, mas não posso contar como é viver aqui porque eles iriam me pedir para voltar.

Copa do Catar é marcada por polêmicas
Copa do Catar é marcada por polêmicas
Foto: Mohammed Dabbous / Reuters

Quando cheguei, me disseram que eu iria trabalhar de eletricista, algo que não tenho formação, o que é perigoso. Uma vez, até me eletrocutei – por sorte não aconteceu nada mais grave. As condições são terríveis. Você trabalha o dia todo com um calor extremo. Começa às 9h da manhã e fica lá todo o dia. Não tem água fria, só quente. É muito opressivo.

Ninguém te escuta se você reclama. Uma vez fizemos greve porque não tinham pago nosso salário por um mês. A gerência não se importa com nossas queixas. A vida no Catar é muito cara. A empresa providencia um alojamento para nós, mas com a comida e outros gastos, é muito difícil sobreviver. Tento mandar para casa o máximo que posso.

Sobre a acomodação, eu a descreveria como patética. O primeiro lugar onde fiquei, Al Khor, era um quarto pequeno que compartilhávamos com dez pessoas. Eram cinco beliches, sem espaço pra guardar nada. Os banheiros ficavam fora. Era muito pequeno e muito incômodo.

Você também tem que entregar o passaporte quando chega para que não possa ir embora. Você se sente enclausurado, como um prisioneiro. Agora, estou em um lugar que se chama Industrial, onde a maioria dos imigrantes vive. As condições de higiene são péssimas.

Há cinco pessoas por quarto, o que é melhor, mas não é limpo. Agora, trabalho em um centro comercial com vendas, depois que me deixaram sair do trabalho na construção.

Melhorou, mas não é bom ainda. A vida é dura aqui. Eu gostaria de ver uma mudança na vida dos imigrantes. É só sacrifício, tem que haver melhoras na segurança, nos salários e na moradia."

John*, de Gana

"Eu sou caminhoneiro e trabalho em um projeto do novo porto perto de Doha. Vim de Gana para cá há um ano e meio. Honestamente, sofremos muito nas mãos dos nossos empregadores, principalmente no verão. Faz 40°C ou 50 °C durante o dia, mas não há ar condicionado no veículos, é como se a gente respirasse areia.

Não há ninguém que lute por nós. Faz quase dois meses que a empresa para quem eu trabalho não paga salários. Meu salário é de US$ 550 (R$ 1.712) por mês, muito pouco para um motorista. Não temos dias livres para descansar. E não sou só eu, acontece o mesmo para qualquer empresa.

Olho neles! Brasil Sub-20 vence em preparação para Mundial:

Começo às 5h da manhã e trabalho até às 7h da noite, com duas horas para ir da minha casa ao trabalho e mais duas para voltar. O Catar tem uma inspeção laboral, mas se você denuncia a empresa, eles te mandam de volta ao seu país. Por isso, todo mundo tem medo de denunciar qualquer coisa.

Sou órfão, de origem muito humilde, não pude terminar a educação secundária. Vivi em barracas e acampamentos. Ali estão todos os trabalhadores pobres da África ou de países asiáticos, como Nepal, Índia, Bangladesh ou Sri Lanka.

Cerca de 15-20% dos trabalhadores conseguiram melhorar suas condições de vida com um bom salário por sua educação ou porque trabalham para empresas estrangeiras. Mas para o resto, só o fato de ter que cobrar o salário já é uma dor de cabeça.

Como eu queria poder fugir para a Europa ou para os Estados Unidos. Esse é o meu sonho, porque em Gana, nem os universitários conseguem emprego, então imagine como é difícil para alguém como eu, que tive que abandonar a escola."

Stephen Ellis, Reino Unido

"Trabalhei em março em uma das obras do Mundial em Doha. Fiquei só duas semanas lá, porque as condições eram uma desgraça. Já trabalhei como supervisor de obras no mundo inteiro e nunca vi condições de trabalho tão precárias. A maioria dos operários era da Índia. Tratavam todos eles muito mal e era terrível como eles viviam.

Organização e Fifa alega que tenta conter abusos contra trabalhadores
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Foto: Karim Jaafar / AFP

Não tinha água para beber, nenhum ar condicionado e tudo isso a 45 °C. A insalubridade é terrível, a comida é compartilhada, mas o pior é a segurança – ou melhor, a falta dela. Não existe. Eu e os outros colegas que foram trabalhar comigo ficamos horrorizados com os riscos que eles correm todos os dias.

Disseram-nos que um trabalhador da Índia morreu. O lugar era cheio de supervisores da Índia, e eles maltratavam seu próprio povo. Mas a alta gerência não parecia se importar. Simplesmente, olhavam para o outro lado. Eles nos diziam que se não gostávamos, era para sairmos dali. E foi o que fizemos.

Havia outros britânicos que também foram maltratados. Nos pagavam muito mais do que aos trabalhadores indianos, eles ganhavam US$ 50 (R$ 156) por semana, enquanto nós recebíamos US$ 33 (R$ 103) por hora. Mas até perdemos dinheiro porque fomos embora."

*Os nomes dos trabalhadores são fictícios para proteger sua identidade

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