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Copa do Mundo

1986: a decepção da geração de Zico e a culpa de Marcelo Tas

19 mai 2010 - 19h27
(atualizado às 19h51)
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Emanuel Colombari

Passada a decepção da Seleção Brasileira na Copa de 1982, o Brasil teria uma nova chance para buscar o tetracampeonato com estilo. A exemplo do que acontecera na Espanha, Telê Santana era o técnico do Brasil na Copa de 1986, realizada no México após desistência da Colômbia. E o futebol envolvente de nomes como Zico, Júnior, Careca e Sócrates seria a grande carta na manga de Telê.

Seria mais uma grande chance para o time. Além de craques na escalação, o Brasil ainda tinha um país "ideal" para o torneio - o México havia se encantado com a geração de Pelé 16 anos antes, e ainda reunia calor e animação semelhantes aos vistos em solo brasileiro. Para o apresentador Marcelo Tas, presente naquela Copa no papel do repórter Ernesto Varela, o ambiente era positivo.

"Era no México, um pais muito animado, cheio de festa. O Circo Voador - uma trupe de artistas cariocas que revolucionou as artes nas décadas de 80 e 90 e que hoje existe na Lapa (Rio de Janeiro) - foi inteiro em um avião da FAB. Foi uma galera. Pegaram um hotel inteiro - bem meia-boca, mas que virou uma versão do Circo Voador carioca em plena Guadalajara. Eram as baladas", contou Tas, que via tal animação como ingrediente importante para os comandados de Telê Santana.

"O time do Brasil tinha uma tradição de futebol-arte, e o nosso técnico era o Telê Santana. O ambiente era de alta técnica futebolística. Além disso, tinha uma aura romântica, boêmia. Tínhamos Sócrates, Casagrande e uma galera que ia para a balada na preparação da Copa. E a gente cruzava esses caras na balada", acrescenta.

Apesar do bom ambiente, o Brasil vivia um drama em sua preparação: Zico. Prestes a ir a sua terceira Copa, o craque sofreu uma grave lesão no Campeonato Carioca de 1985, quando torceu os dois joelhos e nos dois tornozelos em uma dividida com Márcio Nunes, do Bangu. O lateral ficou estigmatizado para sempre, enquanto o camisa 10 tentava superar a desconfiança a respeito de seu estado físico. A resposta parecia positiva, uma vez que Zico brilhou no amistoso preparatório diante da Iugoslávia, marcando um belo gol na vitória por 4 a 2 em abril de 1986. Mas ainda era pouco.

Com este bom ambiente, mas com Zico no Banco, o Brasil estreou na Copa de 1986 em 1° de junho, derrotando a Espanha por 1 a 0 com gol de Sócrates. Ainda pelo Grupo D, a Seleção repetiu o placar na partida contra a Argélia cinco dias depois, mas com gol de Careca. Encerrando a primeira fase, na qual o Brasil disputou os três jogos no Estádio Jalisco em Guadalajara, uma vitória por 3 a 0 sobre a Irlanda do Norte, com dois de Careca e um de Josimar.

Na segunda rodada, o Brasil parecia engrenar, com mais um jogo sem sofrer gols - desta vez, com um 4 a 0 sobre a Polônia do craque Zbigniew Boniek. Mais uma vez, os comandados de Telê Santana empolgavam a torcida do Brasil, que teriam mais um jogo decisivo pela frente: contra a França, então campeã da Europa, pelas quartas de final.

No duelo, a Seleção abriu o placar logo aos 18min: após bela jogada de Müller pela direita, Júnior recebeu e passou na meia-lua da área para Careca, que arrematou de direita e venceu o goleiro Joel Bats. Mais uma vitória parecia se encaminhar, até que Michel Platini empatou aos 42min: após cruzamento pela direita, o goleiro Carlos não conseguiu cortar a trajetória da bola, que sobrou na segunda trave para o camisa 10 escorar sem dificuldades.

O segundo tempo corria de maneira nervosa até os 30min: Zico, que havia entrado no lugar de Müller, deu passe para Branco, que avançou na área pela direita e foi derrubado por Bats. Pênalti, que o lateral comemorou abraçado no chão com Falcão. O próprio Zico foi para a cobrança, mas após 14 segundos de tensão, o chute saiu fraco e o goleiro francês defendeu. Resultado: a decisão foi para a prorrogação e para os pênaltis.

Nas penalidades, Sócrates abriu a série parando em Bats. Parecia a tragédia, até que Platini mandou para fora a quarta cobrança francesa. O francês poderia se tornar o "vilão", se Júlio César também não tive batido para fora o último chute do Brasil. Luis Fernández converteu e decretou o 4 a 3 para os franceses. O Brasil estava eliminado, e Ernesto Varela - ou melhor, Marcelo Tas - estava no mesmo Estádio Jalisco, no gramado, acompanhando o Brasil. Em circunstâncias peculiares.

"Eu estava dentro do campo, e esse jogo era um jogo que não acabava. Foi para a prorrogação, foi para os pênaltis. E eu estava morrendo de vontade de fazer xixi. A gente não podia, porque estava dentro de campo, e o destino do Brasil ia ser decidido ali. O Toniko (Melo, então câmera e diretor da Olhar Eletrônico, produtora responsável pelas entrevistas de Ernesto Varela) ficou p... comigo. Falei que ia ter que sair, e ele disse: 'você não está entendendo, o futuro do Brasil está sendo decidido! Você não é patriota'. Eu disse: 'você não está entendendo, eu estou mijando'", conta Marcelo Tas, rindo.

"O Brasil começou a bater os pênaltis do lado de lá, e nos estávamos no gol do lado de cá. Ele disse 'vamos lá', e eu falei 'vamos ficar aqui'. Ele botou então na (lente) teleobjetiva. Aí eu falei: 'já que está todo mundo olhando para lá, eu vou mijar enquanto o Brasil está batendo os pênaltis'. 'Como você consegue?', ele perguntou. Eu comecei a mijar! Ele olhou e perguntou: 'como assim? Você está mijando dentro do campo? Isso está sendo transmitindo para o mundo inteiro! Você é totalmente louco!'. Nesse momento, o Brasil perdeu o pênalti", completa.

Àquela altura, o destino já tirava a Copa do Mundo novamente das mãos de Telê Santana. Mais tarde, a França perderia nas semifinais para a Alemanha, que perderia na final para a Argentina de Diego Maradona. Mas Marcelo Tas, se não viu a redenção nos pênaltis, pôde deixar o México com um dos grandes trunfos de sua carreira: a entrevista com Nabi Abi Chedid, chefe da delegação e então vice-presidente da CBF, durante treinos da Seleção em Guadalajara. Durante os cerca de 4min40s de entrevista, Ernesto Varela foi chamado de "mau brasileiro" e acusado de fazer perguntas "cretinas" ao provocar o dirigente com questões envolvendo a ligação entre futebol e política. No fim, ficou célebre a pergunta "qual é a sua próxima jogada?", que encerra a conversa nada amistosa entre os dois.

"Era um treino da Seleção, no qual o Nabi proibiu o time de falar sobre política. Eu não ia cobrir esse treino. Estava no carro em Guadalajara, indo para outro lugar, e tinha uma rádio que a gente sintonizava e que dava as notícias da Seleção Brasileira. E essa rádio deu essa notícia: o Nabi acabava de proibir os jogadores brasileiros de falar sobre política. Fiquei muito indignado e falei: vamos pra lá. A gente chegou, estava aquele tumulto e tinha uma coletiva com o Nabi. Ficamos atrás, mas lá de trás não conseguimos falar com ele. Na hora em que acabou a coletiva, foi quase todo mundo embora. Eu vi o Nabi sozinho e resolvi falar com ele pra questioná-lo", conta Tas, então um jovem e calvo jornalista.

"Quando comecei a falar com ele, ele começou a ficar nervoso. O Lucas Mendes, que era o repórter do 'Fantástico', ligou a câmera dele e começou a gravar a gente discutindo. Como o Lucas tinha satélite, agilidade e a Rede Globo toda por trás, ele gerou aquela matéria e entrou naquele dia, um domingo, no 'Fantástico'. A minha veiculação demorou uns dois, três dias - a gente editou e tal. Mas quando a minha entrevista foi ao ar, já tinha uma enorme repercussão, um efeito viral mesmo sem internet, de ter passado no 'Fantástico' e de ser o assunto que todos os jornalistas estavam comentando", completa.

As imagens de Ernesto Varela com Nabi Abi Chedid foram geradas para o SBT e para a TV Record, que haviam formado um pool para acompanhar o torneio. Ao lado de Marcelo Tas, estavam nomes como Sílvio Luiz e Jorge Kajuru. "Éramos figuras bastante animadas, e a gente tinha muita liberdade de fazer a cobertura", conta Tas, que acredita que a queda do Brasil aconteceu justamente por conta da lesão de Zico e dos problemas políticos dentro do grupo.

"Eu acredito que o Brasil não estivesse concentrado, eu diria. O Zico estava machucado. Era uma Copa em que o foco não estava muito preciso. Até essa questão do Nabi acabou causando conflito. Ele queria controlar a opinião política dos jogadores, em plena época de redemocratização no Brasil. Ele queria censurar! Imagine o Sócrates, o Casagrande... Não dava! Havia um ambiente um pouco desconexo, digamos", conta o jornalista, que vai além.

"Em campo, isso acabou se refletindo. Como no caso do Zico, um ídolo brasileiro que estava sentado no banco. A liderança do time ficou difusa. Não tinha um líder em campo como a gente tinha em 2002, que era o Cafu. Não tínhamos isso. Apesar de ser um time de feras, era um time meio manco em termos de liderança. E quando o Zico entrou, causou uma comoção. Era uma esperança, mas será que ele conseguia? Curiosamente, foi ele que perdeu o pênalti que causou toda a tragédia."

Mas como torcedor e como jornalista, a experiência deixou marcas na vida de Marcelo Tas - mesmo que para seu companheiro Toniko Melo, atualmente na O2 Produções, o xixi em campo tenha custado caro. "A Copa de 86 foi muito importante. Eu estava começando minha vida profissional na TV. E a gente conseguiu credencial para ver tudo de dentro do campo. Eu vi a Copa atrás do gol do Brasil. Foi uma experiência incrível", conta Tas. "O Toniko acha que (a eliminação) foi minha culpa, porque eu estava mijando e não estava concentrado. Até hoje, eu me sinto meio culpado."

Zico se recuperava de lesão e era a principal incógnita do Brasil; contra a França, ele perdeu um pênalti
Zico se recuperava de lesão e era a principal incógnita do Brasil; contra a França, ele perdeu um pênalti
Foto: AFP
Fonte: Terra
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