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Copa do Mundo

Dunga e Maradona enfrentam os seus fantasmas

17 jun 2010 - 17h33
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Antonio Prada
Direto da Cidade do Cabo

Ambos são ex-jogadores. Exemplares, nos seus estilos. Um foi gênio. O outro, extremamente competente. Um subiu aos céus e depois foi queimado no inferno. O outro ardeu nas catacumbas e depois subiu aos céus. São igualmente campeões do mundo, obsessivos, temperamentais, guerreiros.

Nesta Copa gélida, a primeira do continente africano, debutam como treinadores de duas das principais seleções do mundo. E vivem sob a tradicional pressão de países doentes por futebol, nos quais cada torcedor é um técnico em potencial.

A Copa ainda não chegou em sua metade, mas Maradona e Dunga já disseram a que vieram. Claro, querem o título. E podem. Mas não é tudo. Buscam derrotar ou afastar o passado, os fantasmas e as desconfianças do presente.

Dunga resolve enfrentar de maneira sistemática a mídia brasileira. A ponto, de na entrevista na véspera da estreia do Brasil na Copa, gastar quase todo tempo em retóricas e farpas dirigidas aos escribas nacionais, a bancada da "imprensa isenta, imparcial e objetiva", dos textos de Bob Fernandes, deste Terra.

O treinador brasileiro fala pouco nesta Copa. E sempre quando fala, a "memória de elefante", nas suas próprias palavras, resgata velhos fantasmas, geralmente críticos de seu estilo, de suas escolhas, de seus métodos ou de sua história. A vitória da Copa em 94 não conseguiu cicatrizar a "Era Dunga", apelido injusto, colado à campanha catastrófica da Copa de 90. A cicatriz ainda aberta exala seus odores.

Dunga, nas entrevistas, atua como jogador, aquele do meio de campo. Não deixa espaços, chega junto dos adversários, ri nos cantos dos lábios, grita, reclama, esbraveja. Dá cabeçadas, como aquela em Bebeto no jogo contra a Dinamarca, na Copa de 98. Quer vencer a entrevista, como se isso fosse possível.

Ou prefere o caos como, à boca pequena, murmuram integrantes da comissão técnica da Seleção. O caos nesse caso é método de fechar o grupo, fortalecê-lo com a criação de um inimigo. O inimigo é o caminho para alcançar a vitória.

Maradona tem ao menos um inimigo semelhante, a imprensa. Mas como é ídolo nacional, ao contrário de Dunga, vive de habeas corpus, até o próximo resultado. Os fantasmas de Maradona, no entanto, vão além da imprensa e de um volta por cima na pele de treinador.

O treinador argentino fala muito nesta Copa. E sempre quando fala, tem um alvo. No caso, Pelé, que, por sua vez, também faz do ídolo argentino o seu vodu preferido. Maradona, assim como Dunga, falou mais de Pelé do que da própria seleção da Argentina na véspera do jogo contra a Coreia do Sul.

Maradona dispara verbos e adjetivos tal como driblava os adversários no auge de sua carreira. Repete a ladainha após o jogo e a vitória de 4 a 1. Não tem papas na língua, sempre afiada. Manda Pelé para o museu. Quer marcar muitos gols nas entrevistas, como se isso fosse possível.

No fundo, quer vencer a enquete que nunca termina de quem é o melhor do mundo, mesmo que isso se dê fora do campo e com as armas e os microfones disponíveis. (E, claro, nós os isentos, sabemos que Pelé, com todas suas marcas e títulos, foi o melhor).

Dunga e Maradona parecem ser personagens do filme de Francis Ford Coppola, Apocalipse Now (1979). Estão numa guerra pelo país, mas o que os motiva, ao que parece, é a obsessão pessoal. É uma guerra particular, na qual as armas, mesmo as mais bélicas, podem fazer feridos ou até matar, mas essa já é uma estratégia incorporada ao cotidiano.

Tal e qual o personagem de Robert Duvall, o tenente-coronel Bill Kilgore, que ao despertar em meio à guerra no Vietnã, entoa uma ode ao cheiro de Napalm, ao prazer de surfar em meio ao bombardeio na região do Mekong, o rio coalhado de cadáveres amigos e inimigos.

No final do filme de Coppola, o coronel Walter E. Kurtz (Marlon Brando) é devorado por seus fantasmas. A Dunga e Maradona restam mais 24 dias para conviver com seus fantasmas. Para derrotá-los, ou serem por eles devorados.

Dunga e Maradona duelam durante jogo entre Brasil x Argentina na Copa de 90
Dunga e Maradona duelam durante jogo entre Brasil x Argentina na Copa de 90
Foto: Reprodução
Fonte: Terra
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