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Copa São Paulo

Após 8 infartos, "tio do cannoli" retoma estrelato na Javari

8 jan 2015 - 09h12
(atualizado às 09h15)
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A reportagem entrevistava Oswaldo, um senhor que cuida do bar da Rua Javari. Em campo, o primeiro tempo da partida entre Juventus e Santo André, pela Copa São Paulo de 2015, se encaminhava para a reta final. À direita do repórter, uma enorme fila começa a se formar na entrada do estádio, no corredor abaixo das arquibancadas, com a bola ainda rolando. Não podia ser outra coisa: o “tio do cannoli” havia chegado.

Cannoli já virou atração turística Rua Javari
Cannoli já virou atração turística Rua Javari
Foto: Gabriel Francisco Ribeiro / Terra

O Juventus é tradicional em São Paulo, todos sabemos, mas enfrenta uma série crise dentro de campo. Atualmente na terceira divisão paulista, a Série A3, a equipe sofre sem ícones para os torcedores admirarem nos gramados e se apega a reverências ao passado. O caráter de astro, no entanto, cai sobre este simples e humilde vendedor de cannolis, que superou problemas recentes de saúde extremamente graves para continuar fazendo o que gosta: Antônio Pereira Garcia, 65 anos. Ou simplesmente “seu Antônio”.

No intervalo do jogo, a fila que já era enorme duplica e dá voltas pelo corredor principal que dá acesso às arquibancadas. A reportagem se aproxima do famoso vendedor e tenta puxar um assunto. É impossível: o ritmo de vendas é frenético e, em meio a pagamentos e ao processo de embalar o famoso doce, a conversa não flui. O repórter aguarda e só olha o trabalho do senhor, acompanhado de sua esposa Fátima e de sua filha Naiara.

Em meio a dezenas de torcedores que lutam por um cannoli, membros da diretoria, trabalhadores da Javari e outros se aproximam de seu Antônio, cumprimentando-lhe. A resposta ao cumprimento a todos é a mesma: um cannoli oferecido rapidamente de graça enquanto vende várias unidades do canudo recheado. “Dá um para um moço da federação”, diz uma moça – que depois a reportagem descobriria que era assessora do clube -, enquanto, generosamente, o “tio do cannoli” empacota dois.

A frequência finalmente diminui. “Pronto”, alivia-se. Agora dá para conversar. O primeiro tema, lógico, é a recuperação da saúde após nada menos que oito (sim, OITO) infartos. É admirável como, poucos meses depois de quase morrer, ele está ali, de pé, servindo clientes com uma velocidade impressionante ao lado de seus familiares. O desgaste é grande.

“Já estou bem”, diz com um sorriso no rosto, mas com um cansaço evidente. “Tive oito infartos em 2012. Fiquei 20 dias na UTI, nove meses de cama. Em 20 de janeiro de 2013 fiz cirurgia. Coloquei dois pontos de safena e mamária. A recuperação está boa. O médico já autorizou a voltar, falou que seis meses depois poderia ter vida normal”, relatou.

Engana-se, contudo, quem pensa que o tradicional vendedor, na Javari desde o ano de 1970, é morador da tradicional Mooca (orra, meu!). Ele é de Itaquera. Exatamente: próximo ao estádio do Corinthians, a tão falada arena Padrão Fifa. Lá, com certeza, seus cannolis não seriam vendidos a apenas R$ 3, preço praticado no estádio do clube grená: teria no mínimo o valor quadruplicado. 

“Não gosto de explorar. Sei que podia cobrar mais, mas não quero. Ganho meu dinheirinho, explorar não é legal”, conta o senhor de fala mansa, careca chamativa no centro da cabeça e de andar lento e arrastado, bastante manco da perna direita. E olha que os produtos do estádio de Itaquera nem saem constantemente em editorias de gastronomia e de turismo como o deste simples vendedor morador do bairro agora conhecido pela Arena. 

Copinha: veja os gols de Juventus-SP 1 x 1 Santo André-SP:

A humildade é vista não só em suas palavras. Quando uma faxineira passa e começa a varrer o chão forrado de açúcar, seu Antônio oferece um cannoli gratuito. Não é o suficiente: logo separa mais três e embala para a moça levar para viagem. A reportagem também “sofre” do mesmo problema. Após comprar e – pagar – por quatro cannolis para viagem, tentamos comprar um para comer na hora. Mesmo com os R$ 3 na mão, recusa terminantemente o dinheiro.

Após o movimento diminuir, o “tio do cannoli” consegue sair do corredor principal da Javari e ver um pouco do segundo tempo da partida. Com o andar lento, encosta-se no alambrado ao lado do banco de reservas mandante e observa o jogo. É interrompido no período: frequentadores assíduos do estádio o saúdam e turistas pedem a receita do cannoli – seu Antônio explica que vai creme de baunilha dentro. Ganha até um picolé de graça de um vendedor ambulante. É, de longe, a maior e mais aguardada celebridade da Rua Javari, onde o futebol fica em segundo plano por causa dele. 

Fonte: Terra
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