PUBLICIDADE

Copa do Mundo

Higuaín chuta e marca gols; por que discutir?

18 jun 2010 - 18h43
(atualizado às 18h52)
Compartilhar
Rob Hughes

Quanto mais vemos a Argentina jogar, mais se torna deliciosamente evidente que a única opção de jogo que a equipe considera é o ataque. Quanto mais os céticos questionam a competência do centroavante Gonzalo Higuaín para fazer qualquer coisa além de marcar gols, mais deveríamos nos perguntar: o que o mais um jogador como ele precisaria fazer, num time assim?

O talento irreprimível de Lionel Messi cria oportunidades de finalização para o companheiro. Carlos Tevez propicia o esforço, correndo em campo até cair, ou até que todos os adversários o façam. Reservas de talento igualmente comprovado, Sergio Aguero e Diego Milito, estão à disposição da comissão técnica no banco da equipe. E em meio a tudo isso, Higuaín se limita a marcar gols.

Como esse tipo de crítica parece tolo. E como me faz recordar o alemão Gerd Müller, que ao longo de sua carreira também se limitava a marcar gols - um total de 68 deles em suas partidas pela seleção da Alemanha, entre 1966 e 1974.

Mas ainda que Müller tenha quase sido proibido de jogar ainda no começo de sua carreira ¿ em 1964, o então presidente do Bayern de Munique viu o jogador baixinho e corpulento em um treinamento e declarou que "jamais vou permitir que esse cavalo de carga, esse boi, jogue entre nossos puros-sangues" - , o futebol de Higuaín, 22, sempre teve alta procura. O jogador teve até a opção de jogar esta Copa do Mundo pela França, se não desejasse defender a Argentina.

O pai dele, o argentino Jorge Higuaín, por acaso estava jogando pelo Brest, um time do norte da França, no ano em que Gonzalo nasceu. A passagem dele pelo time durou apenas uma temporada, e a família Higuaín não demorou a retornar a Buenos Aires. Em virtude de ter nascido em solo francês, Higuaín poderia ter optado por defender a França. Mas por temperamento e formação, ele se considera argentino.

Foi Raymond Domenech, já então o técnico da seleção francesa, que fez o contato inicial com o pai de Higuáin, na época conhecido pelo apelido Pipa, para que o jovem jogasse pela França. Mas a ideia não avançou.

"Eu cheguei a sugerir que ele fosse à França e atendesse à convocação. Mas Pipa tinha outras ideias na cabeça, e não cabia a mim arrastá-lo para lá", conta Jorge Higuaín.

Gonzalo Higuaín tinha 18 anos. Sabia que os dirigentes franceses já tinham percorrido caminho semelhante no passado, persuadindo David Trezeguet, filho de um argentino, a se tornar jogador da equipe azul. Mas o jovem Pipa tinha mesmo outras prioridades em mente.

Os gols que estava marcando pelo River Plate, sua equipe na Argentina, alertaram os observadores do outro lado do Atlântico para um jogador jovem em rápida ascensão, que aparentemente desde a infância tinha como talento único marcar gols.

É um instinto, o dom de estar sempre no lugar certo, e o tipo de talento que seu pai, um zagueiro marcador, jamais teve.

Em 2006, o Real Madrid venceu o leilão para contratação de Higuaín, pagando 13 milhões de euros. O técnico do River Plate naquele momento, Daniel Passarella, amigo de Diego Maradona, exagerou um pouco na descrição, quando da venda, ao definir o prodígio como ¿uma mistura entre Zinedine Zidane e Enzo Francescoli¿.

Higuaín certamente não se enquadra nessa descrição. Os dois jogadores citados podem certamente ser descritos como príncipes de todas as atividades realizadas do meio de campo para a frente. Higuaín tinha a capacidade de jogar mais pelas extremas, mas o Real Madrid sabia exatamente o que ele era: o substituto futuro para o mais consistente artilheiro de sua história, Raúl González.

Um artilheiro, e nada mais que isso.

Maradona, depois de assumir a posição de técnico da seleção argentina, demorou algum tempo para perceber o talento único de Higuaín. A despeito de sua amizade com Passarella, e dos muitos gols que Higuaín vem acumulando no comando de ataque do Real Madrid, Maradona chegou quase ao final das eliminatórias sem convocar Higuaín ou defini-lo como titular do comando de seu ataque.

Quando isso aconteceu, a Argentina lutava desesperadamente por uma vaga, no final das eliminatórias, e Higuaín resolveu com um gol na vitória sobre o Peru. Desde então, o supersticioso Maradona o manteve no time, a despeito do clamor pela escalação de Milito, astro da Inter de Milão.

Contar com dois artilheiros é o sonho de um técnico. Mas Milito só entrará como titular quando Maradona perder a fé em Higuaín. O que aconteceu diante dos persistentes mas indefesos sul-coreanos, é que Higuáin, jogando perto da pequena área e sempre em risco de impedimento, marcou três vezes, de cabeça e com os pés.

Os críticos que o queriam fora do time depois das chances desperdiçadas contra a Nigéria na semana passada se calaram, ao menos por enquanto. Higuaín foi o primeiro jogador a marcar três gols em um jogo nesta copa, e o primeiro a fazê-lo em qualquer copa desde o português Pauleta, em 2002; também se tornou o primeiro argentino a marcar três gols em um jogo de copa do mundo desde Gabriel Batistuta, em 1998.

A diferença entre a partida anterior, quando foi criticado, a mais recente, pela qual só recebeu elogios, foi de oportunidade e confiança. Artilheiros se beneficiam da confiança, e apesar de tudo que se diz e escreve sobre o técnico argentino, Maradona resistiu aos apelos dos críticos pela substituição de Higuaín e por oportunidades para os reservas.

A resposta dele, agora, é de que Higuaín marcou em três partidas importantes e está aprendendo a se posicionar e a aproveitar as aberturas criadas pela magia de Messi.

E depois? Simples: basta marcar gols.

Tradução: Paulo Migliacci ME

Atacante argentino marcou três diante da Coreia e é o artilheiro do Mundial
Atacante argentino marcou três diante da Coreia e é o artilheiro do Mundial
Foto: AFP
The New York Times
Compartilhar
Publicidade