PUBLICIDADE

Terra na Copa

Felipão celebra dez anos do penta e rateio que criou "família"

29 jun 2012 - 10h00
(atualizado às 12h11)
Compartilhar

O futebol brasileiro festeja neste sábado dez anos de sua última grande festa. No dia 30 de junho de 2002, o técnico Luiz Felipe Scolari comandou a Seleção na conquista do pentacampeonato mundial no Japão, com a vitória por 2 a 0 sobre a Alemanha, coroando um grupo que tinha como grandes destaques Ronaldo e Rivaldo.

A "família Scolari" ganhou fama pela união demonstrada durante a Copa do Mundo em 2002
A "família Scolari" ganhou fama pela união demonstrada durante a Copa do Mundo em 2002
Foto: Getty Images

O treinador explicou que a divisão igual da premiação entre jogadores e funcionários da CBF proposta pelos líderes do grupo originou a "Família Scolari". Atualmente, ele lamenta por não ser mais possível conseguir o mesmo ambiente nos clubes atualmente. A facilidade do acesso à internet e a proliferação das redes sociais afastaram um jogador do outro, atesta o técnico, que iniciou a carreira no banco de reservas quando atletas sequer tinham celulares.

"Não existe mais ambiente, porque cada um quer se comunicar com o mundo da forma dele", lamenta. Ao detalhar o que se passou em cada um dos sete jogos que levaram ao título da Copa do Mundo da Coreia do Sul e do Japão, Felipão também revelou que sentiu muito mais dificuldades nas Eliminatórias, mas elogiou Turquia e Bélgica, que são considerados pelo comandante palmeirense como os adversários mais complicados no torneio na Ásia, superando Inglaterra e Alemanha.

Veja a entrevista com Luiz Felipe Scolari

Depois de dez anos da conquista, o que representa para você o pentacampeonato?

Felipão: Foram tempos difíceis no início, até a formação daquele grupo e a ideia de como jogar. Já a Copa, que hipoteticamente seria a competição mais complicada, foi a parte mais fácil, porque o ambiente foi criado a partir do momento em que saímos do Brasil e as coisas foram se encaixando. Não precisávamos mais ter a apreensão de antes, nos amistosos e nos jogos da classificação. A partir daquele momento, tínhamos a certeza de que faríamos um belo campeonato e que todos tinham a qualidade que realmente mostraram. Foi mais fácil naquele momento.

Foi mais fácil lidar com a pressão ou você fala dos jogos?

Felipão: Até os jogos foram mais fáceis do que nas Eliminatórias, porque os jogadores já tinham recebido a confiança de volta. As Eliminatórias tinham gerado desconfiança na cabeça de um ou outro jogador, porque pensava que poderia não ir. Mas, quando foram convocados, eles já puderam dizer novamente que tinham boas condições. Estavam colocando isso em prática e ficou mais fácil para dirigir. Eles se cobravam e se ajudavam, ficou mais tranquilo.

Durante a Copa, foi criado o termo "Família Scolari". Isso foi mais coisa da imprensa ou existia mesmo?

Felipão: É natural que tenha sido um termo da imprensa, mas por causa do ambiente de família, porque existia a preocupação de todos lá em servir à Seleção. Isso começou na primeira reunião em Barcelona (local da preparação), com o presidente Ricardo Teixeira e a comissão técnica. Quando os jogadores ouviram de quanto seria o prêmio, fizeram os cálculos na mesma hora e dividiram a premiação por todos os que lá estavam. É uma coisa que nunca tinha existido na Seleção. Incluíram roupeiro, massagista, cozinheiro, chefe de segurança... Todo mundo que estava lá recebeu igual, do Rivaldo e do treinador ao cozinheiro. E isso foi proposto pelos jogadores, sendo aceito pelo presidente. Você só pensa em favorecer alguém que tenha condição bem inferior se você está em um ambiente familiar. O maior elogio que recebi até hoje foi do ex-presidente João Havelange, que, durante uma visita antes de um jogo na Coreia, disse para todo mundo que não tinha visto em todos os anos dele de futebol um ambiente tão bom como aquele.

O Brasil vem de uma Copa em que se abriu demais (2006) e de outra em que se fechou completamente (2010). O que era proibido e permitido na sua época?

Felipão: Nada de diferente, mas os atrasos eram proibidos, nós cobrávamos pontualidade. Era permitida toda situação que não colocasse em risco qualquer coisa que tínhamos trabalhado ou que pudesse afetar algo na Seleção. Era permitido subir e descer na concentração, andar com a imprensa, receber familiares e também que os empresários ficassem sentados lá, porque não mudaria nada. O pastor de determinada igreja tinha seu horário para fazer o culto... Mas tínhamos alguns momentos definidos, porque existiam coisas que só podiam fazer nos horários liberados para sair da concentração.

Que tipo de coisas?

Felipão: Quem quisesse visitar pai, mãe, esposa, filho, ou para quem quisesse passear. O horário era estipulado e pronto. De resto, cada um fazia sua parte e isso propiciava um ambiente mais alegre e tranquilo de treinamento. Isso dava motivo a mais para sentarmos e não sairmos da mesa antes de uma hora. Hoje, você não encontra mais isso em time nenhum de futebol. Nós nos sentávamos para jantar às 7 da noite e todo mundo só saía da mesa às 8 horas, porque eles sabiam que podiam contar e fazer qualquer brincadeira, sem que nós, da mesa ao lado, usássemos o que ouvíamos no outro dia. Existia essa confiança e nós até participávamos do bate-papo no fim. Às vezes, vinha nosso chefe de segurança, o Castello Branco, que sempre tinha uma história hilária para contar. É este ambiente que hoje não se encontra mais. Jogador de futebol só quer saber de Facebook, Twitter, laptop... Eles chegam às 6h55 e já estão fora às 7h10. Não existe mais ambiente, porque cada um quer se comunicar com o mundo da forma dele e não quer ficar ali por 20 minutos para ter um entrosamento maior.

Ou seja, cada um já sabia os horários que teria de folga para aproveitar?

Felipão: A partir de Kuala Lumpur (local do último amistoso, vencido por 4 a 0 contra a anfitriã Malásia) fizemos todo o planejamento até o jogo final da Copa e entregamos aos jogadores. Todos sabiam qual era o dia da folga, em qual período era o treino, onde seria o jogo... Se a família fosse chegar, ele sabia qual dia estava preparado para receber. Isso foi feito também para mostrar que queríamos chegar à final, senão teríamos feito só da primeira etapa.

Depois de anos, nós tomamos conhecimento de histórias curiosas. O Ronaldo, já aposentado, revelou um episódio da Copa América de 1997, quando fugiu com o Romário da concentração, usando uma escada e com táxi esperando. Você não teve este tipo de problema?

Felipão: Não, porque tinham os horários. Eles sabiam que jogariam contra a seleção da China e, depois, tinha jantar e recuperação. A partir daí, até o horário estipulado do dia seguinte, não mudaria nada para mim se fossem até para o inferno. Não estava preocupado com isso, porque estudei com fisiologistas e médicos os horários para recuperar, alimentar, descansar e sair. Se os médicos diziam que precisavam de tanto (tempo) para o próximo jogo, só organizei a partir disso, e já não estava mais comigo. Passo todo dia falando para o meu filho isso, isso e isso, mas não posso ir com ele quando sai de casa. Se ele fizer alguma coisa errada, tem de arcar com as consequências. Esta não era nossa preocupação e por isso que foi formado um bom grupo, pois sabiam que eu só cobraria os horários e treinos. Eu seria chato, como sou, mas não em relação aos outros horários. Nos dias que tinham de folga, não sabia onde estava o gato e nem estava preocupado.

Como foi fechado este grupo de 23 jogadores?

Felipão: Já tinha a lista por causa dos amistosos e da Copa América, quando levei muitos jogadores. Por isso, já tinha quase definido, mas a decisão total aconteceu alguns dias antes, porque, a princípio, o Djalminha iria, no lugar do Kaká. No jogo anterior, na Arábia, o Djalminha jogou bem e fez gol. Por isso, tive uma conversa com ele em relação aos cuidados, porque estava sempre com problemas com o técnico. Mas, depois, aconteceu aquele episódio (desferiu uma cabeçada no técnico Javier Irureta), e o Kaká vinha fazendo um campeonato fantástico. Com isso, conversei com o Djalma e expliquei que infelizmente... Até hoje, nós nos encontramos duas ou três vezes por ano, porque frequentamos o mesmo lugar de comer uma feijoada. Mas optei então pelo Kaká, o que foi muito bom, porque ele ganhou a experiência necessária para a Copa seguinte, quando foi titular absoluto.

Em relação aos demais convocados. Como foi a escolha?

Felipão: O Juninho (Paulista), que foi para a Copa, já sabia dois ou três meses antes que iria, porque eu tinha confiança no futebol dele e também pelo que viveu ao ser cortado em 1998 (por lesão). Falei para ele que, se não se machucasse, poderia ficar tranquilo. Em relação ao Luizão, muitos da imprensa tinham dúvidas e até não queriam que ele fosse, porque não o achavam ideal, mas ele sabia dois meses antes que iria. Em abril, durante um amistoso em Lisboa (empate por 1 a 1 com Portugal), eu avisei a alguns jogadores de que poderiam ficar tranquilos, porque eles iriam. Avisei mais aqueles que não eram unanimidade.

Nos amistosos contra Arábia Saudita, Islândia e Iugoslávia, você deu mais chances a Gilberto Silva e Kleberson, que não eram tão conhecidos do torcedor. Eles ganharam sua confiança nestes jogos?

Felipão: Além deles, teve o Polga também, que fez até gol (contra a Islândia). Ele ganhou ali uma vaga e me deu a ideia de que poderia ser levado, porque minha intenção era colocar três zagueiros. Assim, eu pensava em zagueiros que pudessem sair para jogar, como Edmilson e Roque Júnior. O Polga também, porque iniciou no Grêmio como volante, da mesma forma que o Edmilson. Já o Roque foi de zagueiro para volante. Minha ideia era levar jogadores com estas características. O Gilberto iniciou como zagueiro no América-MG e estava depois jogando muito bem. Nós fomos estudando e montamos aquele grupo. O Junior, lateral esquerdo, poderia virar o segundo ou terceiro homem do meio-campo. Procuramos jogadores que não estavam limitados a uma posição.

Apesar de você ter definido o grupo bem antes, existia a questão médica, em relação a Rivaldo, Ronaldo e Luizão. Você tinha certeza de que poderia contar com os três?

Felipão: Não tinha, eu estava em dúvida, porque o jogador poderia se lesionar nos treinos do seu clube. Mas, sem lesão, a ideia era aquela. Já com relação ao Ronaldo, a garantia era dada pelo (médico da Seleção, José Luiz) Runco.

Mas a Inter falava que ele não tinha condições de jogar...

Felipão: Não, a Inter não falava isso. Nunca poderei dizer isso. O (técnico da Inter, Héctor) Cúper falava que, estando em condições, com 60% ou 70%, o Ronaldo ganharia o Mundial pelo Brasil. Ele estava com dificuldades para se recuperar, mas, sendo bem trabalhado, poderia conseguir. A Inter também nos ajudou, porque, em determinado momento, cedeu o Ronaldo para fazer preparação específica por 15 dias no Brasil. Depois, ele voltou para a Inter e jogou algumas partidas. Tudo isso porque nós tínhamos um bom ambiente com técnicos e dirigentes. Quando íamos para lá, mostrávamos que os jogadores tinham de jogar para ter condições. Foi o caso do Dida, que estava no Milan e não jogava. Nós fomos fazer lá uma visita, olhamos a parte física deles, conversamos com dirigentes e falamos que eu tinha a intenção de convocá-lo, mas seria difícil sem jogar. Eles me disseram que existia uma solicitação do Corinthians, e eu disse para emprestá-lo. Se ele jogasse, seria mais fácil para mim. Ele veio para o Corinthians e fez aquela campanha que todos viram. Ficou muito mais tranquilo, porque existia esse relacionamento.

Os clubes europeus o ajudavam?

Felipão: Depois disso, assisti a um jogo do Milan ao lado do Cesare Maldini (ex-treinador), que é pai do Paolo Maldini. Nós conversamos e ele me perguntou sobre quem eu convocaria. E ele me explicou que o Serginho não jogava mais como lateral esquerdo, estava jogando mais à frente. O Serginho até foi convocado uma vez por mim, mas o Cesare me disse isso. Eles gostavam do nosso jeito de ser. Muita gente fala que o Fábio Capello recebia poucos no centro de treinamento em Roma, mas eu e o Murtosa almoçávamos dentro do CT com ele. Ele dizia quem estava melhor e quem não era bom levar agora. Criei uma amizade com o Capello que poucas pessoas têm. As portas foram abertas para mim, as coisas fluíram naturalmente. Eu tinha condições de perguntar, porque entre técnicos existe essa comunicação.

Com tudo pronto, você perdeu o capitão na véspera da estreia.

Felipão: Perdemos o Emerson por uma situação que todo treinador observa. Como o time nunca está livre de lesão ou de expulsão de seu goleiro (depois de três substituições), você tem de saber quem tem noção de assumir a posição. Por isso, fizemos treinamento com um ou outro no gol. Se a pessoa diz que já foi goleiro, nós a colocamos para ver. O Belletti também já tinha trabalhado como goleiro. Já o Emerson estava treinando muito bem no gol, mas, na última bola, fez uma grande defesa e pronto. Foi uma situação horrível no momento, porque, depois, ainda tivemos de fazer os exames e solicitar a autorização à Fifa. Neste caso, se o médico errar... Mas o doutor Runco teve muita qualidade, e fizemos outra convocação.

Na hora da lesão, você percebeu que ele estava fora da Copa do Mundo?

Felipão: A única cirurgia que tive até hoje no futebol foi no ombro. Quando caí, subiu o que chamam de tecla de piano. No primeiro momento, tem como voltar, mas o problema é reincidir na lesão. Precisa ver também até que ponto afetou os ligamentos. E isso você só sabe com a experiência do médico. Primeiro, ainda existia a possibilidade (de ficar). Depois, já não tinha mais chance. Em seguida, houve a vontade do atleta em permanecer e do grupo também, mas isso tinha de ser analisado pelo médico, que teve um papel preponderante. Pedimos (ao Runco) para o Emerson ficar, eu disse que tive isso e que joguei após sete dias, mas depois tive de operar. O médico falou como era e optamos pela troca.

Com a saída de um volante, por que optou por um meia?

Felipão: Naquele momento, tínhamos Gilberto Silva, Kleberson e Belletti. Além disso, o Edmilson e o Polga também poderiam jogar na posição. Pensamos que lá na frente poderíamos precisar de alguém para evitar uma improvisação no meio. Para compor naquele momento, como eu já não tinha levado o Alex e também optei por não levar o Djalminha, precisávamos de um jogador novo. Por isso, levamos o Ricardinho, que estava fazendo um campeonato muito bom.

Ele nunca tinha sido convocado por você. Como foi a recepção do grupo?

Felipão: Foi um jogador que valorizou a oportunidade e chegou com uma alegria diferente da do pessoal que estava lá. Fez uma confusão total, mostrando isso e aquilo. Ele foi importante e, dois ou três dias depois, estava com todo o carinho dos jogadores.

Como você chegou à escolha do Cafu para ser o novo capitão?

Felipão: Ele tinha um histórico de Seleção muito grande, além da liderança que exercia. Do grupo todo, tínhamos cinco jogadores escolhidos por mim para conversar mais sobre os temas: Cafu, Roberto Carlos, Rivaldo, Ronaldo e Roque Júnior. A gente trocava ideia sobre uma ou outra coisa.

No primeiro jogo, contra a Turquia, o Brasil venceu apertado por 2 a 1...

Felipão: Sim, até porque a Turquia mudou o esquema uma semana antes. Nós também alteramos, porque era para iniciar com o Kleberson, mas entendemos que a partida era propícia para o Juninho. Nossa sequência era de uma equipe forte, depois uma média e uma fraca. Ganhamos apertado, mas passamos do primeiro jogo. No segundo (4 a 0), já era uma situação muito mais tranquila e, quando fizemos 2 a 0 no primeiro tempo contra a China, tivemos mais calma, porque estávamos classificados com seis pontos. No terceiro jogo, contra a Costa Rica (5 a 2), usamos jogadores que não vinham atuando, como Júnior e Polga.

Nas oitavas de final, o Brasil enfrentou a Bélgica e venceu por 2 a 0, mas esta foi considerada a pior partida da Seleção no Mundial. Isso gerou declarações de confiança inclusive de alemães e ingleses. Você concorda que a equipe foi mal?

Felipão: Falaram isso porque os jogadores da Alemanha e da Inglaterra não se dispuseram a jogar contra o Brasil da mesma forma que a Bélgica jogou. Foi um adversário organizado, defendendo-se bem fechado e saindo de vez em quando. A Inglaterra e a Alemanha querem jogar contra o Brasil de igual para igual, porque têm retrospecto e já ganharam campeonatos. Como a Bélgica nunca ganhou uma competição, respeitou o Brasil e montou um sistema que nos dificultou muito mais. Vi agora que o Wilmots virou o treinador da Bélgica. Naquele jogo, ele fez um gol que, para os padrões europeus, ficou uma dúvida se foi bem ou mal anulado. Pelos padrões sul-americanos, foi falta, porque subiu em cima do Roque. Lá, isso é muito permitido, mas foi dada a falta, o que foi ótimo, né. (sorriso) Foi o pior jogo, o mais difícil, porque eles jogaram no nosso erro o tempo todo. Se tivéssemos cometido alguma falha, correríamos um risco.

Na fase seguinte, fugindo da tendência durante toda a Copa, em que Ronaldo e Rivaldo comandavam, quem se sobressaiu foi o Ronaldinho Gaúcho. Você imaginava que ele tinha condições de ser decisivo daquela forma?

Felipão: Sabia que ele jogaria o que jogou na Copa, porque tinha muita qualidade. Era só pôr em prática. Mas, em um campeonato que tem Ronaldo e Rivaldo em grandes condições, mesmo se você jogar bem, os outros dois vão aparecer mais. Quem atraía mais atenções eram os dois, mas o Ronaldinho vinha jogando bem desde o início e fez aquele gol fantástico. Para mim, ele cruzou a bola (na cobrança de falta em que encobriu o goleiro inglês David Seaman).

Você deu alguma orientação na cobrança?

Felipão: Não. Eu dou o detalhe do cruzamento e sobre onde deve ir a bola, mas na hora não falei nada. Ele disse que chutou no gol, e eu acho que não até hoje. O goleiro jogava mais adiantado e eles sabiam disso, pois sabiam tudo de todos os adversários, como a forma de driblar de um determinado jogador, seja para direita ou para esquerda. E qual era a altura de cada um... Tínhamos as pessoas que nos passavam esses dados, e eles diziam que era chato, porque diziam que sabiam até quem eram pai, mãe e tio, mas assimilavam.

Será que você fala isso porque, quando era jogador, não tinha a mesma qualidade dele?

Felipão: Acho que ele tem grande qualidade, mas acho que não faz de novo nem em cem (vezes). Mas aconteceu e era o momento.

Em relação a Ronaldo e Rivaldo, durante a Copa, foi falado sobre quem seria o artilheiro.

Felipão: (Interrompe) Não. Foi falado só antes do último jogo, porque o Ronaldo tinha seis gols, e o Rivaldo, cinco. Com isso, a imprensa questionou se um passaria a bola para o outro. Aquilo tomou proporção e tivemos uma conversa. O Rivaldo e o Ronaldo falaram: ¿Chefe, queremos ganhar a Copa do Mundo e, se tiver que o Castello Branco (chefe da segurança) fazer gol, não tem problema¿. Foi isso que aconteceu. Na final, o Ronaldo brigou e roubou uma bola, que não é sua característica, e em seguida o Rivaldo chutou. No rebote, o Ronaldo fez o gol. No segundo, o Rivaldo abriu as pernas para a bola passar e deixou o outro na cara do gol, mostrando ali que ninguém se preocupou em ser o goleador.

Não existiu ciúme entre eles em momento algum da Copa?

Felipão: Não teve. Se observarem, meu batedor oficial de pênaltis era o Ronaldinho. O segundo era o Nazário e o terceiro era o Rivaldo. Mas, no primeiro jogo contra a Turquia, quem bateu o pênalti foi o Rivaldo, porque o Ronaldinho e o Ronaldo Nazário tinham saído. Foi uma responsabilidade bater aos 40 minutos do segundo. No jogo seguinte, contra a China, teve pênalti e, se o Rivaldo quisesse ser o goleador, teria pedido para chutar, mas deu a bola para o Ronaldinho, porque sabia da escala.

Mas o Rivaldo e o Ronaldo, que eram as grandes estrelas, sabiam que um deles poderia sair como o herói da Copa.

Felipão: Os dois saíram como heróis, porque no mundo todo viram que o Rivaldo foi quem mais ajudou taticamente a Seleção. E o goleador do Mundial foi o Ronaldo.

Você já declarou que achou o Rivaldo o melhor do Mundial. Certo?

Felipão: Taticamente, ele foi inigualável, porque fazia um papel defensivo na bola parada e não deixou de tirar uma jogada do adversário. Quando perdemos o Ronaldinho contra a Inglaterra, ele recompôs o meio-campo e ganhava a bola na primeira e na segunda disputas depois dos tiros de meta.

Depois da Inglaterra, o Brasil enfrentou novamente a Turquia, pela semifinal (1 a 0). Acha que foi mais difícil que o primeiro?

Felipão: Nós jogamos melhor, mas não fazíamos o gol. Só conseguimos marcar em uma jogada que nem era chance, porque nem o goleiro esperava. O jogador brasileiro tem criatividade e a capacidade de improvisar. Naquele momento, o Ronaldo chutou de bico. Foi um jogo difícil, mas nós administramos bem. O primeiro foi o mais difícil do que o segundo contra a Turquia.

Na Copa, a delegação sempre exibiu um clima de brincadeira, até inspirada nas músicas "Festa", da Ivete Sangalo, e "Deixa a Vida me Levar", do Zeca Pagodinho. Era um prenúncio do que aconteceria?

Felipão: Eu não sou sambista, mas gostava de algumas músicas. A da Ivete falava de festa e sugeria muita coisa. E a do Zeca deixava a vida levar. Eram fáceis e não precisavam de instrumentos. No ônibus, eles batiam nos vidros e mostravam criatividade. Passaram a ser as músicas que simbolizavam nossa chegada ao estádio, porque iam jogar bola, mas em festa. Para o jogo final, enquanto os jogadores da Alemanha desciam do ônibus, os nossos chegavam com pandeiro, sambando e com tudo quanto é instrumento. Os alemães olhavam assustados e pensavam: ¿São todos loucos. Por que chegam assim para uma final?¿ Esta é a nossa cultura, enquanto a europeia é de concentração para o jogo. No Brasil, se não fazem isso, chegam dormindo para as partidas. E aquilo pode gerar também um clima de desconforto no adversário, que não sabe se nossos jogadores estão sem foco ou se são tão bons assim.

Em algum momento, durante a Copa, você teve certeza de que venceria o torneio?

Felipão: Depois que tivemos a expulsão do Ronaldinho contra a Inglaterra e continuamos jogando bem, superorganizados e até melhor contra o adversário, a confiança foi total de que chegaríamos à final, mas ganhar é outra coisa.

O que foi preponderante para ganhar a final por 2 a 0?

Felipão: Alguns jogadores tiveram atitudes de craque e de equipe. O Ronaldo não gostava de sair da frente para vir fazer marcação com zagueiro que saísse com a bola, mas ele voltou. Foi a doação que eles tiveram. Durante o jogo, a Alemanha teve duas chances de gol, em uma falta e no outro chute que o Marcos defendeu com a mão esquerda. A equipe estava bem balanceada.

E a falha do Oliver Kahn no primeiro gol?

Felipão: Aumentou nossa confiança, porque ele foi apontado como o melhor do campeonato. Quando aconteceu aquilo, nós vimos que eles também falhavam. E o Ronaldo aproveitou.

Assim que você ganhou a Copa, decidiu que não permaneceria no cargo?

Felipão: Não, não. Eu não decidi assim que terminou, e sim depois que tive uma conversa com o Ricardo, de amigo para amigo, e não de técnico para presidente. Ele me colocou uma série de detalhes para eu estudar, se eu quisesse continuar ou não. Conhecemos os projetos um do outro. Na reunião, entendi como deveria se comportar um técnico campeão e ficou decidido que eu não ficaria.

Fonte: Gazeta Esportiva
Compartilhar
Publicidade