PUBLICIDADE

Campeonato Francês

Demissão de Felipão põe em discussão "pior profissão do mundo"

10 fev 2009 - 09h34
(atualizado às 11h58)
Compartilhar

Mesmo que as evidências mostrem o contrário, vida de treinador de futebol não é fácil. Hoje, empregado e vitorioso. Amanhã, demitido e fracassado. Uma gangorra moral que poucos têm estômago para enfrentar. Talvez não exista outra profissão com características tão cruéis. O craque argentino Di Stefano, quando assumiu o comando do Valencia, disse que aquela era, sem dúvida, a pior profissão do mundo. E não apenas pela insegurança, mas também pela enorme pressão que se manifesta a cada jogo, a cada necessidade de vitória. A demissão de um treinador renomado e vitorioso como Luiz Felipe Scolari do Chelsea, nesta segunda-feira, voltou a colocar a estabilidade da profissão em discussão. Principalmente porque a Europa parecia ser, até pouco tempo, uma bolha de estabilidade em meio ao mar de insegurança em que nadava a classe.

» Veja as fotos de Felipão no Chelsea

» Assista ao vídeo: Felipão é demitido

» Queda de Felipão divide ídolos e fãs do Chelsea

» Chelsea anuncia demissão de Felipão

Apenas nesta temporada, 32 clubes da Inglaterra demitiram seus treinadores. Felipão é o mais recente da lista, o que sugere uma importante alteração na cultura futebolística européia. Embora existam por lá casos de estabilidade quase crônica, como os de Arsene Wenger, do Arsenal, e de Sir. Alex Fergusson, do Manchester United, no cargo há, respectivamente, 12 e 22 anos, o técnico de futebol parece não ter mais tempo para montar uma equipe aos seus moldes e, assim, alcançar os objetivos traçados. A duração de Felipão no comando do Chelsea foi de apenas sete meses, contra um ano de Vanderlei Luxemburgo no Real Madrid.

"É o exemplo mais bem acabado da internacionalização do futebol por conta dos magnatas, não só ingleses e que compram clubes", disse o historiador Flávio de Campos, mestre em História Social (1993) e doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (2000), em conversa com o Terra. "São clubes que foram vendidos para investidores da máfia russa. Isso existe no mundo todo, que tem ações no mercado. Mas lá é ao extremo. É um investimento altíssimo no Chelsea, na contratação de Felipão e o resultado não é o esperado".

"Quebra-se uma tradição na Inglaterra, a tradição da longevidade dos técnicos. E é muito significativo que quebre nesse jeito. E na circunstância de uma situação de crise. Ela temoriza esses grandes investidores. O técnico tem um papel de âncora. É uma espécie de regente de um grande espetáculo. E tem que dar resultado. Você tem essa instabilidade provocada por isso. Estaria para mim entre os mais instáveis profissionais do mercado. Cai por pressão de investidores, de torcida, ou dos dois", completou o pesquisador, que estuda a formação do futebol desde a Idade Média até a época contemporânea.

Marcados pela longevidade em seus clubes, Ferguson e Wenger demoraram para conseguir levar as suas equipes ao topo. O primeiro foi campeão em 1992/93 pelo Manchester e o segundo conquistou o seu primeiro título pelo Arsenal em 1998.

"O Alex Ferguson, quando assumiu o Manchester United, demorou para conquistar títulos. É por aí que funciona", diz o técnico do Fluminense, Renê Simões. "É lamentável que a Europa não tenha dado mais esse tempo. A gente dorme empregado e pode acordar sem emprego". Renê é um desses treinadores que já se sentem ameaçados pela carência de resultados recentes. Em dezembro, ele tirou o time do Fluminense do túnel que levaria a segunda divisão do Brasileiro. Em dezembro, era o herói. Hoje, não mais".

Nos últimos anos o cenário brasileiro deu indícios de que poderia estar mudando a relação com seus treinadores. Pelo menos para alguns deles. Muricy Ramalho, tricampeão brasileiro pelo São Paulo, é tese inconteste.

"Sou contra mudarem muito de treinador, pois eles precisam trabalhar um tempo maior no clube", afirma o vice-presidente de futebol do São Paulo, Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco. "O São Paulo, o Corinthians, que também segurou o Mano Menezes, são algumas exceções. Sempre em função da obtenção de bons resultados", acrescenta. Sport, Cruzeiro, Vitória e Grêmio também seguem a tendência e mantêm seus comandantes há um ano ou mais".

Velloso, que foi goleiro do Palmeiras com Felipão na década de 1990, tem uma teoria para o que parece ser a nova realidade brasileira em relação à "pior profissão do mundo". Para o ex-arqueiro, atualmente treinador desempregado, a chegada de ex-atletas à diretoria dos grandes clubes tem a ver com isso.

"O dirigente que é também um ex-atleta sabe como funciona o futebol, e a mentalidade começou a mudar", diz Velloso.

Mas, apesar dos indícios, a regra por aqui ainda é a instabilidade. Em São Paulo, o exemplo mais recente é a demissão de Estevam Soares pela Portuguesa após derrota para o Guarani ainda na primeira rodada do Campeonato Paulista. Agora no Guaratinguetá, o treinador também falou sobre a demissão de Felipão. "Ele havia sido escolhido a dedo pela diretoria do Chelsea. É lastimável", diz.

Sérgio Guedes, treinador do Santo André e vice-campeão paulista com a Ponte-Preta em 2008, culpa a falta de critério na contratação para as demissões precoces. "Os dirigentes contratam sem saber o que esperam, não sabem o perfil do profissional que querem", diz.

Para quem tem que sustentar a família e viver com um mínimo de planejamento, essa não é a profissão ideal. "A demissão nunca vem na hora em que estamos esperando, nunca em momento oportuno", diz Guedes, antes de emendar. "Mas o segredo é não ter receio. Se apegar muito ao emprego é um equívoco. Tem que se apegar ao seu conceito e ter convicção nele. Porque as pessoas próximas a você são as que mais sofrem e não podem fazer nada por você quando acontece."

Por isso é importante que os treinadores se previnam com contratos bem amarrados. Só que nem sempre isso é possível. Velloso aponta o dedo para um cenário que pode ser ainda pior. "No interior, você trabalha com pessoas completamente despreparadas e muito suscetíveis a qualquer tipo de pressão que venha de torcida e imprensa. É muito mais difícil. No caso do Felipe, que é um treinador de primeira linha, existe multa contratual. Mas para quem está no início não existe nem contrato, apenas um acerto verbal, sem garantia nenhuma."

Sobre a demissão de Felipão, ele diz: "recebi a notícia com uma certa surpresa. O retrospecto dele é vencedor e ele não teve tempo de desenvolver o trabalho no Chelsea. Acredito que o idioma tenha atrapalhado. Conhecendo-o como conheço, talvez a sua capacidade de se comunicar e motivar tenha sido comprometida pela língua". Tem solução? "O segredo é você não se preparar e fazer o melhor. As diretorias muitas vezes só percebem o absurdo (da demissão) com o tempo. Depois de uns dois meses, começam a notar tudo o que o treinador construiu. Aí, lamentam. É o exemplo (do que aconteceu comigo na) Ponte Preta. O critério é o resultado e nada mais", conclui Guedes.

Scolari é o mais recente da longa lista de demissões no futebol inglês na temporada
Scolari é o mais recente da longa lista de demissões no futebol inglês na temporada
Foto: Reuters
Fonte: Redação Terra
Compartilhar
Publicidade