PUBLICIDADE

Jabaquara: o "primo pobre" de Santos completa 100 anos

15 nov 2014 - 12h00
Compartilhar
Exibir comentários

"Torcedor fiel sou eu, o resto é de vitória". "Meu prazer é vê-lo jogando, não ganhando". As frases que ilustram um pouco o sentimento dos torcedores de um dos clubes fundadores da Federação Paulista de Futebol (FPF) dimensionam, também, a longevidade de seu legado. O Jabaquara Atlético Clube, o Jabuca, completa neste sábado 100 anos no contrafluxo do futebol, sem dívidas e cercado de esperanças de um dia voltar aos tempos de Baltazar, Gylmar e tantos outros craques. O Terra conta por tópicos, com a ajuda de ex-dirigentes e ex-jogadores, além de torcedores, historiadores e simpatizantes algumas das principais passagens do "primo pobre", só no jargão, do Santos.

A fundação em...?

Em seus registros oficiais, consta a fundação em 15 de novembro de 1914, no bairro do Jabaquara, em Santos, por um grupo de jornaleiros espanhóis. A princípio, o nome escolhido seria o de Afonso XIII ou Nova Cintra, o último alusivo ao local do encontro, quando um antigo escravo sugeriu Espanha (escrevia Hespanha, na época). Em uma reunião, ficou definido o nome e o presidente provisório, Luiz Lopes Ramos. O primeiro jogo aconteceu no mesmo dia, um empate por 1 a 1 diante do Clube Afonso XIII.

A primeira curiosidade sobre o Jabaquara cerca-lhe logo em sua fundação. "O historiador do Santos viu no jornal uma notinha do Espanha em outubro de 1914. Fiquei intrigado e descobri que em pesquisas, muito embora faça aniversário agora, dia 15, a reunião para a fundação ocorreu em outubro, um mês antes. Claro que contabiliza-se novembro, pois teve um jogo festivo e muitas outras coisas", conta Sérgio SIlveira, presidente em 2001 e historiador do clube.

A data oficial de fundação jamais foi alterada.

As casas até...

A primeira das casas foi no Jabaquara. Devido à necessidade de um estádio maior, o clube mudou-se em 1924, já filiado a Federação Paulista de Futebol, pela primeira vez, para o bairro do Macuco, onde ficou conhecido como Leão do Macuco, até 1939. O proprietário, Antonio Alonso, que deu nome ao primeiro estádio, resolveu vender o terreno doando parte do valor para o clube adquirir um estádio próprio.

... o terreno "perdido"

Entra, então, o fatídico "terreno perdido". Com o dinheiro em caixa devido à doação de Alonso, o clube comprou um grande lote na Ponta da Praia, hoje lugar nobre de Santos, mas, então, pouco explorado e valorizado na época. Construiu um campo para treinos, com uma arquibancada modesta, mas nunca fez jogos oficiais no local, mandando as suas partidas na época no Estádio Ulrico Mursa, da Portuguesa Santista. Ficou até meados dos anos 50, treinando já com o terreno de mais de 31 mil m² vendido em 1944.

<p>Jornal mostra a compra de terreno na Ponta da Praia</p>
Jornal mostra a compra de terreno na Ponta da Praia
Foto: Reprodução do jornal A Tribuna

"O governo obrigou (em 1942) a tirarmos Espanha, trocarmos o nosso nome. Fizemos isso (passando a se chamar Jabaquara) e, consequentemente, afastamos a colônia espanhola do clube, que eram os que mantinham aquilo. O dinheiro, não aplicado, passou a se consumido com gastos constantes no futebol profissional e secou. A venda, então, foi necessária. Mas ninguém também imaginava que se tornaria algo tão valorizado", conta Ramiro Emílio Simal Iglesias, o mais velho entre os jabaquarenses: 89 anos, 70 deles de Jabaquara. "Sou remido e tenho outras condecorações, mas faço questão de pagar minha mensalidade".

Ainda houve uma tentativa de reaver o terrerno através de ação judicial, mas sem sucesso.

Os abnegados do mangue

A área de quase 70 mil m² da estrutura de hoje, da Caneleira, onde habita o Jabaquara, começou a ser comprada em 1961 por três "abnegados", como conta um dos envolvidos na história: Manoel Ramos Lopes, Plácido Villamarim e José Gonzalez Lorenzo. O valor só pago integralmente três anos depois.

O lugar, no entanto, era tomado por mangue, o que dificultou a contrução do estádio, erguido somente na década de 70.

"Fui diretor social, relações públicas, comandei a comissão fiscal do conselho por 22 anos e, nessa época, dirigia o patrimônio. Fui eu quem idealizei a primeira das arquibancadas, tinha 30 metros, oito degraus. Mas o sonho de contrução ocorreu com o Rubens, o pai da Caneleira, que pediu autorização para o Conselho e foi em Campinas fazer um acordo para vender títulos patrimoniais. Esses três citados são três abnegados que colocaram os seus nomes para a compra do terreno", explica Ramiro.

Atualmente, o local tem uma das partes arrendadas e conta com um pequeno centro de treinamento, campo para cerca de oito mil torcedores, gramado reformado. No fim do ano, irá inaugurar uma quadra society.

De Baltazar e Gilmar a Geuvânio, as crias

Os anos 40 iniciaram as maiores revelações e crias de ídolos, muitas delas através do técnico Arnaldo de Oliveira, o Papa.

<p>Baltazar virou o "Cabecinha de Ouro" no Corinthians</p>
Baltazar virou o "Cabecinha de Ouro" no Corinthians
Foto: Arquivo pessoal de Sérgio Silveira

Baltazar: estreou em maio de 1944 e, em outubro de 45, foi vendido ao Corinthians, onde ficou conhecido como "Bailarino" e "Cabecinha de Ouro".

Marcos: foi vendido no final de 1962 para o Corinthians, na maior transação financeira da época: 20 milhões de cruzados. Chegou a Seleção. Ainda passou pela Portuguesa, futebol argentino e pelo Santos.

Gylmar dos Santos Neves: o goleiro começou a treinar no clube em 1945, ainda no terreno da Ponta da Praia, com 15 anos. Em 50, reserva, ganhou a chance de substituir o titular Mauro, o "Fortaleza Voadora". Em janeiro de 51 foi vendido ao Corinthians. Ainda se sagrou bicampeão mundial com a Seleção Brasileira e com o Santos, para onde se transferiu em 61 e ficou até 69.

Feijó: zagueiro, dono de um chute fortíssimo, segundo relatos. Deixou o clube em 1952, negociado com o Santos, onde ganhou o bicampeonato paulista, entre 55 e 56. A negociação, que também envolveu Álvaro, foi motivada pelo uso livre da Vila Belmiro pelo Jabuca por cinco anos.

Célio Taveira: um dos mais promissores de sua época, o ponta ficou três anos no Jabaquara, de 1960 a 62. Em 63, transferiu-se para o Vasco, onde foi o artilheiro do clube na década. Ainda passou por quatro anos pelo Nacional do Uruguai, onde foi homenageado recentemente pelo fato de ter sido herói do fim do tabu de sete anos contra o rival Peñarol. Serviu a Seleção com Pelé.

"Posso dizer que fiz o meu início no Jabaquara, mas aprendi para a vida. Foi o meu primário. Vi bons e maus exemplos e, filtrei. Mas foram três anos em que o jogador chegava em casa preocupado, realmente pensando o que ele poderia fazer para evoluir", diz.

Geuvânio: o último dos moicanos. Apareceu já no fim da última década, em 2008, na parceria com o Litoral, clube criado por Pelé. Aprovado por Manoel Maria em uma peneira com mais de 300 garotos. Assinou o primeiro contrato profissional ganhando R$ 80: "e como dava para fazer coisa com aquilo, comprava muita bolacha". Depois, foi para o Santos por empréstimo. O clube exerceu o direito de compra e o jogador, em 2014, foi eleito a revelação do Campeonato Paulista.

A Jabaquarada

Último colocado no Paulista de 1951, sobrou ao Jabaquara jogar a sobrevivência em três confrontos diante do XV de Jaú, então campeão da segunda divisão. Perdeu por 5 a 0 em Jaú, venceu por 2 a 0 em Santos e, na decisiva partida, tirou o time de campo em meio a derrota parcial alegando arbitragem tendenciosa. Sobrava recorrer à "Jabaquarada".

O clube questionou o regulamento não registrado de acesso e descenso pela FPF na então CND (Conselho Nacional de Desportos) paralisando a competição por meses. Permaneceu, mas caiu no ano seguinte, em 53.

"Foi algo que demorou muito, travou o campeonato por oito meses, mas quando falam que vão colocar o Jabaquara em campo não é para ganhar no tapetão, mas, sim, brigar por direitos", conta o historiador Sérgio Silveira.

Marin na ponta

Sobrou, também, ao Jabaquara ter encerrado a carreira do então ponta direita José Maria Marin, atual presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

<p>Marin atuou em sete jogos pelo Jabaquara</p>
Marin atuou em sete jogos pelo Jabaquara
Foto: Divulgação Jabaquara AC

Marin, no entanto, fez só sete jogos com a camisa 7, na temporada de 1952. Marcou um único gol na passagem na vitória por 4 a 0 sobre o Rádium de Mococa. "O Jabaquara tem a sua própria história e glórias e pra mim é motivo de muita honra que eu tenha feito parte desta história também", disse em sua visita ao clube, há dois anos.

Torcedor símbolo "virou a casaca"

Hilário Garcia Carvalho, o Jabuca, 81 anos, principal torcedor símbolo, não nasceu jabaquarense. Hilário veio de Jaú para Santos, há 55 anos, e decidiu pelo Jabaquara em uma partida contra o seu XV, ainda garoto.

Hilário e a sua paixão pelo Jabaquara
Hilário e a sua paixão pelo Jabaquara
Foto: Klaus Richmond / K.R.C.DE MELO & CIA. LTDA – ME

"Lá no interior é diferente, não tem opção, torcemos por um movimento. Aí perdemos para o Jabaquara, fiquei triste, e meu pai explicou que era assim, que precisava me decidir. Optei pelo Jabaquara".

Jabuca mantém em Santos uma barbearia personalizada do Jabaquara há mais de meio século e disse que não para de trabalhar por recomendação médica: "se não eu morro, melhor continuar".

A maior vitória: sobre Santos de Pelé

O maior triunfo contado, apesar dos títulos das divisões inferiores, é, sem dúvida, a vitória por 6 a 4 sobre o Santos de Pelé, em 1º de agosto de 1957, em plena Vila Belmiro, findando um tabu de dez anos. O Santos era o o atual bicampeão paulista.

"Foi uma década difícil, 57, então, veio como um refresco. O Santos já tinha Pelé, foi a maior vitória da nossa história", aponta Silveira.

Diz a lenda que o custo foi o fim da parceria para o uso da Vila Belmiro, com direito aos materiais guardados pelo Jabuca jogados na rua.

Dez anos de saudade e a volta

Em março de 66, parte para a sua primeira excursão internacional, na Argentina. No ano seguinte, afundado por uma crise financeira, solicita o afastamento à federação para jogar, apenas, amadoramente. A volta ocorre mais de dez anos depois, em 77, mas agora já na última divisão, na terceira. O despertar só veio com o título da divisão, em 93, em campeonato com 56 equipes.

"Fomos campeões com pompa. Tive a sorte de ser o presidente em exercício. Devido ao licenciamento do pesidente na ocasião, eu, como vice, assumi. Fui uma das minhas principais alegrias. Parece que foi a confirmação da existência, da volta", conta Manoel Fernandez Garcia, 77 anos, presidente na época.

Pelé, o Litoral e seu legado

A aproximação entre o Rei do Futebol e o Jabaquara começou com um papo de arquibancada. Pelé acompanhava um jogo vazio, de chapéu, na Caneleira, quando chamou Sérgio Silveira, então presidente. Na ocasião, Silveira, que sabia do novo projeto com o Litoral, sugeriu brevemente a parceria. No ano seguinte, a parceria foi selada, juntamente com um banco e uma empresa indicada por Pelé. No contrato, a empresa era dona dos jogadores, mas tinha como obrigação construir um CT no local. Foram seis anos sem gastos em troca da cessão do estádio e da camisa. O projeto, encabeçado pelo ex-ponta Manoel Maria, revelou o atacante Geuvânio.

<p>Parte do legado de Pelé na passagem com o Litoral</p>
Parte do legado de Pelé na passagem com o Litoral
Foto: Divulgação Cleber Leo Bortolamasi

A polêmica, no entanto, ficou por conta do uso de dois símbolos na camisa. O Litoral, de Pelé, constava no lado oposto ao símbolo do Jabaquara. Conselheiros e torcedores influentes desaprovavam à época.

O último título

A última conquista ocorreu em 2002, com uma parceria com o Santos ensaiada um ano antes. Na ocasião, Silveira bateu à porta do então presidente Marcelo Teixeira para lhe sugerir a cessão gratuita dos atletas não aproveitados na base. Ouviu que só dois poderiam ir. Com dívidas, sem condições de montar um time, descartou. No ano seguinte, com Delchi Migotto Filho na presidência, ganhou a liberação de um time para fazer uma campanha histórica na B-3, então quinta divisão.

<p>Jerry foi o artilheiro do time em 2002 com 19 gols</p>
Jerry foi o artilheiro do time em 2002 com 19 gols
Foto: Arquivo pessoal de Sérgio Silveira

"Foi maravilhoso e pensar que na ocasião os jogadores liberados não seriam nem aproveitados no sub-20 do Santos. No fim, apareceu nessa safra o Jerri (meia) e o Alex (zagueiro, hoje no Mian) e os que ficaram nem se classificaram", argumenta Márcio Fernandes, técnico campeão.

Márcio lembra ainda de um treino realizado na Vila Belmiro em que no primeiro tempo a sua equipe vencia por 2 a 0 os comandados de Leão. O treinador, então, lhe pediu a cessão do zagueiro Alex, titular durante toda a campanha vitoriosa do Santos que findou um jejum de 18 anos sem títulos.

A campanha do Jabuca terminou com uma derrota, na decisiva final, mas não custou o título. foram 18 vitórias, cinco empates e o solitário revés. No fim, a FPF anunciou mudanças de nomenclaturas de divisão e promoveu os demais clubes.

Fonte: K.R.C.DE MELO & CIA. LTDA – ME K.R.C.DE MELO & CIA. LTDA – ME
Compartilhar
Publicidade
Publicidade