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São Cristóvão agoniza e pede ajuda a Ronaldo Fenômeno

Correndo risco de cair para a 3ª divisão novamente, clube centenário quer que o maior ídolo que já produziu olhe para as suas raízes

17 abr 2015 - 13h10
(atualizado às 15h20)
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Quem passa ao lado do viaduto da Linha Vermelha, a via expressa que leva o motorista ao aeroporto internacional do Rio de Janeiro, vê lá do alto a seguinte e célebre frase: “aqui nasceu o Fenômeno”. Pois bem. Passados mais de 20 anos do surgimento do dentuço e franzino atacante, que brilhou no Cruzeiro, PSV, Barcelona, Inter de Milão, Real Madrid, Milan e Corinthians, além da Seleção Brasileira, uma mão de tinta branca poderia dar lugar a novas letras garrafais: “salva a gente, Ronaldo Fenômeno”.

São Cristóvão pede ajuda a Ronaldo Fenômeno:

Este é o sentimento dentro do São Cristóvão, clube do Rio de Janeiro fundado em 1898, campeão carioca de 1926 e hoje vice-lanterna do grupo A da Série B do Campeonato Carioca – com apenas dez pontos conquistados em oito jogos disputados. “Acho que ele poderia emprestar a imagem dele para o clube, só isso”, admite a gerente de futebol do clube, Silvani Maria. É dela a missão de negociar os contratos, assim como a de controlar os ânimos dos atletas após os treinamentos – eles se acumulam em sua porta para exigir o ganha pão de cada dia.

Ninguém dentro do São Cristóvão nega que existe, sim, atraso nos salários. “Às vezes é bastante (tempo), mas a gente tem que correr atrás, isso aqui tem que ser um trampolim para gente”, afirma Di Maria, o meia da equipe que ganhou o apelido por, de fato, se parecer com o ídolo argentino, hoje no Manchester United. “Acontece de atrasar 15 dias, mas a gente sempre paga”, faz questão de afirmar o presidente Emanoel França.

Referência a Ronaldo Fenômeno em uniforme do São Cristóvão
Referência a Ronaldo Fenômeno em uniforme do São Cristóvão
Foto: Daniel Ramalho / Agif

Em seu escritório na sede da Figueira de Melo, ele atende a reportagem do Terra justamente com uma foto emoldurada dos dois, junto a uma camisa assinada, presente da última visita que Ronaldo fez ao clube, em janeiro de 2014. “Eu falei para ele com bastante tranquilidade: ‘Ronaldo, eu não quero o seu dinheiro’. A gente só queria que você apresentasse um investidor. Poxa, ajuda o clube que os prospectou para o mundo”, reclama o dirigente.

França se diz compreensivo com o fato de Ronaldo ter uma agenda extensa, com diversos compromissos, entre eles, agora, o Strikers, clube da segunda divisão do futebol dos Estados Unidos, que ele adquiriu junto a outros sócios e levou o ex-capitão do Flamengo Leo Moura. “Conversei com os agentes deles, havia até uma intenção de construir um museu Ronaldo Nazário aqui, mas o principal que seria o patrocinador, a gente está esperando. Não chegou nada”, lamenta.

Foto com Ronaldo no mural do São Cristóvão: clube espera ajuda de seu filho mais ilustre
Foto com Ronaldo no mural do São Cristóvão: clube espera ajuda de seu filho mais ilustre
Foto: Daniel Ramalho / Agif

Enquanto isso, as contas de acumulam. Por não conseguir o alvará de liberação do Corpo de Bombeiros para o acanhado estádio da Rua Figueira de Melo, o São Cristóvão manda os seus jogos no estádio da Portuguesa-RJ, na Ilha do Governador, sendo que em cada partida o gasto estimado é de R$ 8 mil”. “Outro dia eu gastei R$ 1.226 só para registrar um jogador que veio do Sub-20 do Vasco. Aí tem conta de água de mais R$ 4 mil, luz de R$ 3 mil, é muito difícil”. A principal fonte de renda do centenário clube, hoje, é o aluguel para festas e outras ocasiões da sede social de regatas, na Ilha do Governador.

Estrutura precária

Caminhar pelas dependências do estádio do São Cristóvão é ter a certeza da penúria pela qual passam os clubes pequenos do Brasil – que, não bastasse a falta de um calendário regular, ainda sofrem com uma estrutura precária. Nada de isotônicos para repor os sais minerais perdidos no suor do treino. A água é de um filtro comum e a fila, gigantesca. Alguns usam a torneira para lavar, ali mesmo, na beira do campo, o colete suado do treinamento.

Estrutura precária é visível e escancara situação do clube
Estrutura precária é visível e escancara situação do clube
Foto: Daniel Ramalho / Agif
Vestiário do São Cristóvão: estrutura precária
Vestiário do São Cristóvão: estrutura precária
Foto: Daniel Ramalho / Agif

Há três semanas, o atacante Helinho realizava treinamento de campo reduzido quando pisou forte em um dos inúmeros buracos do campo. Torceu o tornozelo. “É complicado, ainda bem que eu estava com uma sutura, se não, teria sido bem pior”, relembra, enquanto faz sessão de gelo no local na base dos cubos no saco de plástico mesmo.

Campo do São Cristóvão só é utilizado para treinos
Campo do São Cristóvão só é utilizado para treinos
Foto: Daniel Ramalho / Agif

“A gente sabe que o Ronaldo tem a vida dele, mas ele poderia ter vindo aqui algumas vezes, né, dar uma palestra”, diz Helinho, reforçando o apelo. “A gente vai ficar muito feliz”, admite. É o sentimento geral do vestiário do clube após a sessão de treinamento acompanhada pelo Terra.

“Ninguém quer nada dele, até porque não é a situação do cara ajudar. Mas se ele puder, de repente com um patrocínio, seria uma boa, porque a gente precisa muito, a situação não está muito legal”, conta Di Maria, um dos 14 atletas que dormem no alojamento do clube – e tomam café, almoço e janta no restaurante popular que funciona dentro da agremiação.

Di Maria do São Cristóvão dorme no alojamento
Di Maria do São Cristóvão dorme no alojamento
Foto: Daniel Ramalho / Agif

“Fingiu que não me reconheceu”

Se Di Maria chegou apenas no final do ano passado, o alojamento do São Cristóvão tem no seu Macaé o seu morador mais longevo e fiel. O roupeiro do clube exerce a mesma função há 27 anos. Viu Ronaldo chegar, franzino, na época em que “todo mundo gostava dele, era bom mesmo”.

Na visita do atleta no início de 2014, no entanto, seu Macaé se postou no caminho do Fenômeno a fim de tentar um aceno, um reconhecimento. Nada. “Passou por mim e fingiu que nem me viu”, lembra. “Cada um é do jeito que é. Hoje ele nem me reconhece mais, está cheio da grana”.

Roupeiro seu Macaé conta passagem com Ronaldo: "fingiu que não me reconheceu"
Roupeiro seu Macaé conta passagem com Ronaldo: "fingiu que não me reconheceu"
Foto: Daniel Ramalho / Agif

Enquanto arruma com carinho os uniformes, e cuida das bananas maduras além do ponto, seu Macaé ganha um abraço e o carinho do volante Thiagão. Ele resume o sentimento do grupo numa espécie de campanha “ajuda a gente, Fenômeno”.

“Não sei qual é a situação dele, mas ele comprou um clube nos Estados Unidos, para onde ele está levando bastante jogadores brasileiros. Quem sabe no futuro ele não nos dá uma ‘moralzinha’, como a gente diz no futebol. Se ele ver essa entrevista, estou fazendo um apelo. Dá uma força para a gente, porque a gente está precisando para colocar o São Cristóvão no lugar onde ele merece, que é na primeira divisão”, explica Thiagão.

A reportagem do Terra entrou em contato com a assessoria de imprensa de Ronaldo, que desmentiu qualquer acerto prévio ou promessa de patrocínio para o clube, dizendo que a visita de janeiro de 2014 foi de cortesia, sem qualquer acordo nesse sentido – como alegou o presidente do São Cristóvão.

São Cristóvão 106 anos
Campeão do Campeonato Carioca (1926), Série B Carioca (1965) e Torneio Início (1918, 1928, 1933 e 1937)  
Ronaldo, Leônidas da SIlva e Fio Maravilha passaram por lá
Fora da elite carioca desde 1995
Athirson é o atual treinador do São Cristóvão
Athirson é o atual treinador do São Cristóvão
Foto: Daniel Ramalho / Agif
Fonte: Terra
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