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Brasileiro Série D

Sem glamour, sem estrelas, sem TV: os bastidores da Série D

3 jun 2013 - 11h49
(atualizado às 12h36)
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82% dos jogadores de futebol do Brasil ganham até dois salários mínimos
Foto: BBC Mundo

Às vésperas da Copa das Confederações, a pouco mais de um ano da Copa de 2014 e no início do Campeonato Brasileiro de 2013, o repórter da BBC Brasil Daniel Gallas visita um mundo distante dos holofotes e do glamour do futebol de elite: a Série D, como é conhecida a quarta divisão do Campeonato Brasileiro.

Com números impressionantes, o torneio mostra um pouco da realidade da grande maioria dos times do país: trata-se da única divisão do campeonato nacional com representantes de todos os 27 Estados brasileiros, com 40 equipes.

Nesta e na próxima semana, Gallas viaja pelo país acompanhando uma das equipes, o jovem Paragominas Futebol Clube, do Pará, time registrado na CBF há menos de um ano.

Enquanto colhe material para uma série de reportagens que serão publicadas pela BBC após o campeonato, que termina em outubro, Gallas também estará enviando suas impressões diárias, em tom de blog, sobre os bastidores dessa viagem e de suas experiências.

Veja abaixo o primeiro relato

Muito chão, pouco dinheiro

Em meio às milhares de notícias esportivas publicadas no ano passado, duas aparentemente sem conexão chamaram a minha atenção. A primeira foi sobre o salário de Neymar. Nosso maior craque - na época ainda atuando no Brasil - ganhava até R$ 3 milhões mensais no Santos, segundo especulações da imprensa esportiva.

Para muitos, a notícia era animadora - um sinal de que o futebol brasileiro evoluiu e finalmente atingiu um patamar onde é possível segurar (ao menos por alguns anos) nossos grandes talentos competindo com os milionários clubes europeus.

A segunda notícia era bastante perturbadora. A imprensa brasileira noticiou uma estatística da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) de que 82% dos jogadores de futebol do nosso país ganham até dois salários mínimos.

Ou seja: um Neymar pagaria o salário de mais de 2 mil jogadores de futebol, ou 201 times completos, mostrando que os enormes contrastes econômicos do nosso país se repetem também no nosso esporte favorito.

Nesse mesmo Brasil, em que é possível construir ou renovar 12 estádios para a Copa do Mundo, gastar R$ 2,2 bilhões para refazer o Maracanã e o Mané Garrincha e onde alguns grandes clubes já conseguem achar condições de bancar salários de dez dígitos, existe um contingente gigante - mais de 24 mil jogadores - que não vão participar nem de perto da grande festa do futebol em 2014.

Os números e a realidade desses atletas mostram que o Brasil talvez seja o país do futebol, mas está longe de ser o país dos jogadores de futebol. A vasta maioria dos futebolistas brasileiros não conhecem fama, conforto ou a Europa.

Vivem uma carreira curta, em que mal conseguem pagar as despesas de suas famílias. Abdicam do convívio diário com suas esposas e filhos - pois não têm condições de trazê-los nas inúmeras mudanças de clubes e cidades feitas a cada ano. Encaram o desemprego a cada seis meses, quando os campeonatos estaduais param, e a maioria dos clubes - sem torneios para disputar - precisam fechar suas portas por meio ano.

Vivem um presente duro - sem direitos trabalhistas, união da categoria e com atrasos de salários - e um futuro impossível - sem planos de carreira e sem chances de poupar para a aposentadoria.

<p>Paragominas está registrado na CBF há apenas um ano</p>
Paragominas está registrado na CBF há apenas um ano
Foto: BBC Mundo

Para mostrar melhor como funciona este outro lado do futebol brasileiro, resolvemos fazer algumas reportagens neste ano sobre a Série D, a quarta divisão do Campeonato Brasileiro, um torneio que oferece algumas pistas sobre a realidade da maioria - e não apenas da ponta de cima - dos jogadores, dirigentes e técnicos brasileiros.

A Série D impressiona pelo tamanho: é a única divisão do campeonato nacional com representantes de todos os 27 Estados brasileiros. São 40 times - de Caxias do Sul (RS) a Boa Vista (RR). Ela é um retrato mais fiel e abrangente do esporte nacional, afinal o futebol não é praticado apenas no Sul, Sudeste, Bahia e Goiás - as únicas regiões e Estados representados na primeira divisão.

É um campeonato sem televisionamento e de longas distâncias e viagens - nesse momento, escrevo estas linhas dentro de um ônibus entre Paragominas (PA) e Belém, onde estou acompanhando a longa jornada do representante paraense para seu jogo de estreia.

São mais de 2.500 km de estrada e avião até Rio Branco, no Acre, onde o time enfrentará o Plácido de Castro. Ambas as equipes participam pela primeira vez do Campeonato Brasileiro de futebol - o jogo de estreia terminou com empate de 1 a 1.

Nosso personagem principal nas reportagens é o jovem Paragominas Futebol Clube, time registrado junto à CBF há menos de um ano, e que já conseguiu alguns feitos históricos. O primeiro foi conquistar a segunda divisão do campeonato paraense de 2012. O segundo foi derrotar o Remo em um dos turnos da primeira divisão do estadual - assegurando a vaga na Série D e na Copa do Brasil de 2014.

O Paragominas - como muitos de seus rivais na Série D - vive neste outro lado do futebol brasileiro. Sem grandes contratos de televisão ou patrocínios de peso, o clube - com seus 45 jogadores, dirigentes e funcionários - batalha para conseguir ascender na competitiva estrutura esportiva brasileira.

O clube atravessa um bom momento, capaz de pagar salários decentes e em dia. Mas os desafios futuros também são enormes. É preciso bancar os pesados custos de operação, administrar uma categoria de base, trazer reforços e sobreviver da única forma possível: ganhando partidas e títulos, e avançando para divisões superiores.

Muito se fala sobre o momento de oportunidades históricas que o futebol brasileiro está vivendo às vésperas da Copa do Mundo. A lógica é que com o legado dos novos estádios e a modernização nas gestões dos clubes, o Brasil tem hoje a chance de dar uma virada e deixar para trás anos de desorganização e deficiências fora do campo.

Isso talvez seja verdade para o futebol de elite. Mas e os demais 82%? Será que também terão uma oportunidade para dar a sua virada histórica?

Será que clubes novos que estão surgindo agora no outro lado do futebol brasileiro - como o Paragominas FC - vão participar também da grande festa?

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