PUBLICIDADE

Futebol Internacional

Torcedor acusa infiltrados políticos em estádio de incitarem tragédia

1 fev 2013 - 13h35
(atualizado às 13h35)
Compartilhar
Exibir comentários

As 74 mortes ocorridas na tragédia de Port Said, em 1º de fevereiro de 2012, poderiam ter sido evitadas. No entanto, em meio ao clima de instabilidade política que vivia – e vive – o Egito, muitas acusações surgiram de diversas frentes. Desde negligência policial e rivalidade esportiva, chegando até mesmo à possibilidade de um movimento político orquestrado, são várias as possibilidades que explicam – mas não justificam – o que aconteceu após a vitória do Al-Masry sobre o Al-Ahly por 3 a 1 no Estádio Bür Said.

"Infiltraram essas pessoas para incentivar", assegura Mohamed Darwich, empresário brasileiro que estava no estádio
"Infiltraram essas pessoas para incentivar", assegura Mohamed Darwich, empresário brasileiro que estava no estádio
Foto: Bruno Santos / Terra

Mais:

Galeria de fotos: » Confira fotos exclusivas da tragédia do estádio de Port Said

Galeria de fotos: » Relembre imagens do ano após a tragédia que marcou o futebol egípcio

» Tragédia em estádio egípcio completa 1 ano sem respostas à comunidade internacional

» Principal prejudicado em tragédia, Al-Ahly ainda busca superar trauma

Entre os moradores de Port Said, o argumento mais recorrente diz respeito justamente à política. Em meio à onda de democratização do Norte da África e do Oriente Médio, chamado de Primavera Árabe, o Egito enfrentava um momento decisivo no governo, graças à renúncia do presidente Hosni Mubarak após 30 anos. No entanto, partidários do ex-presidente teriam se infiltrado no jogo entre Al-Masry e Al-Ahly com o intuito de incitar a briga entre torcedores – assim, além de “expor a violência” do governo pós-Mubarak, ajudariam justamente a tirar o foco da política local.

Para brasileiro que estava no estádio, infiltrados políticos incitaram torcidas a invadir gramado (Foto: Mohamed Darwich/Acervo pessoal)

A possibilidade, observada principalmente por analistas internacionais, saiu do controle, conforme depoimento do empresário egícpio-brasileiro Mohamed Darwich, que estava no jogo. Segundo ele, foram esses partidários infiltrados que iniciaram a invasão de campo, incentivando outros torcedores. Daí para a tragédia, foi questão de minutos.

“O problema foi quando esse caras, torcedores do Al-Masry, começaram a invadir o campo”, contou. “O governo infiltrou pessoas no meio. Essa pessoas puxaram as outras. Utilizaram a cultura dessas pessoas, que não sabem de nada. Infiltraram essas pessoas para incentivar. Incentivaram, empurraram os caras e deixaram. Tinham pessoas que você nunca viu no estádio. Tinham pessoas meio estranhas”, completou, apontando diversos suspeito em fotos que possui ainda hoje do interior do estádio.

Pelas palavras do empresário, que mora no Brasil desde 2003, o estádio de Port Said, por se tratar de um centro secundário no futebol local, era frequentado sempre por torcedores que se conheciam ao menos de vista. Assim, mesmo com a rivalidade contra o Al-Ahly, seria fácil apontar em um estádio cheio, depois de uma análise mais fria, quem eram as figuras “estranhas” à movimentação ocasional.

“Eu não perdia um jogo na minha cidade. Todos os jogos, eu ia. Você conhece a fisionomia (dos torcedores). Você não fala com o cara, mas sabe onde senta”, assegura, ainda destacando a presença de infiltrados. “Na hora, você não consegue perceber. Mas depois você começa a ver umas fotos de algumas pessoas, que não são da cidade. O que elas estavam fazendo no campo? São pessoas famosas politicamente. Você não sabe de onde eles são, e eles estão no campo.”

Com o campo invadido, a fúria das torcidas tomou as arquibancadas e as saídas do estádio. A polícia não teria evitado as brigas. Entre os torcedores, sinalizadores e pedras eram atirados de lado a lado. Em pouco tempo, torcedores que tentaram fugir eram esmagados ou pisoteados. Alguns tentaram pular para fora da arena e também morreram. As luzes, segundo Mohamed Darwich, foram apagadas. Diante do cenário, pessoas da cidade se uniram a jogadores e a outros torcedores para prestar socorro.

“Eles morreram sufocados. A cidade foi carregar pessoas, e saiam os olhos dos mortos. Imagine a pressão nos corredores (de saída, com cerca de 5 m de largura). Algumas pessoas foram arremessadas lá de cima. A pressão arrancou algumas das portas (dos túneis)”, descreve ele, que afirma que a briga entre torcedores começou quando um fã do Al-Ahly – em tese, um infiltrado – atirou um sinalizador na torcida adversária.

“Eles (Ahly) fizeram 1 a 0. É normal você começar a xingar. Ultiamente, liberaram fogos (de artifício nos estádios). Parece um míssel quando eles jogam”, conta. “A briga começou quando um do Al-Ahly foi lá em cima (das arquibancadas) e começou a jogar na torcida do Al-Masry. Passou por policiais e começou a jogar. E jogava, e jogava. Isso começou a pegar. Os caras (do Al-Masry) começaram a pular. Nisso, o jogo estava continuando. Aí, parou o jogo. O pessoal ia e apagava o negócio. Mas começavam a jogar mais de longe. Aí começou a briga, a torcida do Al-Masry começou a ficar revoltada. Acabou o jogo, pronto: a torcida toda desceu (para o gramado). Tiveram essas confusões no meio, mas o jogo acabou. O problema foi a quantidade de invasão.”

Arremesso de sinalizadores teriam causado tumulto entre fãs (Foto: Mohamed Darwich/Acervo pessoal)

Para o empresário, que acompanhava com apreensão o noticiário dos últimos dias sobre os problemas no Egito. Segundo ele, a instabilidade não deve se resolver tão prontamente após a queda de Hosni Mubarak (fevereiro de 2011) e a eleição de Mohamed Morsi (junho de 2012). A cultura egípica, diz Darwich, é pouco paciente.

“O problema é que as pessoas novas que estão não tem experiência”, conta ele, listando problemas sociais do Egito – concentração populacional, déficit educacional, desemprego, fechamento de postos de trabalho, violência.

“Na época do Mubarak, estava ruim, mas tinha uma estabilidade. Todo mundo sabia como ia resolver seus problemas. Você sabe o que vai você vai fazer amamhã. Agora, amanhã você tem surpresa, depois de amanhã você tem surpresa, depois de amanhã outra lei está saindo, depois funcionários querem aumento. O país não está ajudando. Na época do Mubarak, tinha uma estabilidade. O goveno estava lá, amanhã não ia acontecer nada de diferente. A situação estava ruim? Estava ruim. Mas hoje está muito pior, esse é que é o problema”, analisa, sem deixar de lado os méritos dos egípcios após a Primavera Árabe.

“Não sejamos radicais: a gente conquistou algumas coisas, mas o povo não está ajudando o governo atual a trabalhar. O governo tem que ter o tempo dele, tem que ter os quatro anos dele. Se não tiver esse quatro anos, é melhor a gente devolver o sistema antigo. Ou você dá a oprotunidade para as pesosas que estão trabalhando conseguir trabalhar, ou você não trabalha”, completa.

Em meio a julgamentos contestados dos envolvidos no desastre de Port Said e ao momento instável da política no Egito, Mohamed Darwich espera agora pela volta da tranquilidade na cidade em que nasceu. Para que o Estádio Bür Said possa voltar a receber jogos do Campeonato Egípcio – ainda paralisado – com a torcida fazendo festa.

“Se eu te mostrar um jogo dez anos atrás, você vai ver: o estádio estava cheio da mesma forma, lotado. Mas tinha organização, tinha policia”, afirma. “Falou em Al-Ahly com Al-Masry, o estádio era lotado. Mas não para ter essas brigas, não para ter esse final.”

Fonte: Terra
Compartilhar
Publicidade
Publicidade