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Sua sorte do dia é: você não é pai de um jogador na Copa SP

Na Copa São Paulo, pais de atletas do Guarani sofrem ao acompanhar filhos em jogo mata-mata na cidade de São Paulo: tem tensão, cornetagem e até cerveja

16 jan 2015 - 15h12
(atualizado às 15h42)
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No alambrado do acanhado Estádio Nicolau Alayon, casa do Nacional, em São Paulo, um senhor se destaca durante a partida entre Goiás e Guarani, pelo primeiro mata-mata da Copa São Paulo. Magricelo, cabelo e bigode grisalhos - "parece o Lula", dizem alguns - e uma camisa do time campineiro sobre o corpo, o torcedor mostrava-se agitado, puxava assuntos com outros fãs, gritava bastante... A reportagem se aproxima e ouve: “o camisa nove é meu filho”.

“Está brincando?”, é a questão quem vem à minha mente. “Como assim, vou brincar com isso por quê?”, responde o senhor, que logo depois dá o nome de Sérgio, trabalhador aposentado. É, fazia sentido: a ansiedade era típica de quem tem dentro de campo mais do que simples atletas que vestem a camisa do time de seu coração – o Guarani, por sinal, foi adotado pela família recentemente, já que todos são da capital paulista.  

“Cara, eu passo mal até com isso”, desabafa para mim Sérgio, com o olhar fixo em Daniel, com a camisa de centroavante do Guarani, mas atuando com velocidade pela ponta esquerda – "é um falso nove", explica, com o nome da posição que caiu na expressão popular com Lionel Messi no Barcelona. "Meu filho jogou no Inter-RS, agora faz dois anos que está no Guarani. Olha ali o pai do goleiro", aponta.

E lá estava, não era difícil discernir. Na arquibancada repleta de torcedores do Guarani tensos que foram em peso para São Paulo, um homem acima do peso, com óculos escuros sobre os olhos, ultrapassava qualquer um: a aflição era evidente. Claro, se ser pai de atacante é ruim, imagina do goleiro, a posição que mais sofre com críticas no futebol? O pai de Passareli, que apenas no fim do jogo, passada a tensão com o filho, eu descobriria se chamar Flávio Ive, acena, mas pede para não dar entrevista durante a partida.

Por outro lado, Sérgio é falante: enquanto conversa animado com a reportagem, também dá instruções para o seu filho. "Não vai escrever aí o que eu estou falando, hein?", alerta. Sérgio ainda tem uma mania interessante: ao contrário de muitos torcedores, só reclama da arbitragem quando ela realmente erra. "Essa bola era nossa ou não? Você viu?", sempre pergunta, ansioso. Se a resposta era afirmativa, corre para as costas do bandeirinha, a cinco metros do alambrado. Mas se é negativa, se contém e evita pressionar o profissional.

Copinha: veja o gol de Goiás 1 x 0 Guarani:

Enquanto converso com outros torcedores campineiros, perco-me de Sérgio. Até que o alto-falante pronuncia, ainda antes do intervalo: “Nacional informa: substituição no Guarani. Sai o camisa 9 Daniel...”. Ué, o filho de Sérgio? Logo aparece o pai, com a cara, obviamente, um pouco contrariada. Aparentemente, o técnico do Guarani havia colocado um zagueiro na vaga de seu filho.

Após o garoto sair, Sérgio não diminui a torcida. Mas a ansiedade claramente é menor. “Agora dá para relaxar. Torço pelo Guarani agora. O meu medo na verdade enquanto ele está em campo é alguém entrar forte, se machucar”, diz.

Familiares do goleiro Passareli e Sérgio (o último à direita), pai de Daniel, sofrem na Copa SP
Familiares do goleiro Passareli e Sérgio (o último à direita), pai de Daniel, sofrem na Copa SP
Foto: Gabriel Francisco Ribeiro / Terra

Enquanto isso, na arquibancada, o pai de Passareli – o goleiro – sofria, acompanhado da comitiva com vários familiares, como tios, do jovem. O arqueiro é um dos que mais se destacavam no time de Campinas, com defesas importantes que salvavam o Guarani de sair atrás no placar contra o Goiás. A cada bola que se aproximava da área, colocava a mão no rosto e ficava tenso. Uma grande defesa do filho rendia comemoração de gol para o grupo de familiares.

O primeiro tempo acaba sem gols e com destaque para o goleiro alviverde, para felicidade de Flávio. É aí que ele começa a se soltar, ao lado de seus parentes. Enquanto a forte chuva começa a cair no Nicolau Alayon, Flávio e sua trupe se destoam: gritos provocativos, com ofensas em tons de brincadeira, são direcionados aos jogadores do time goiano. “Esse caras são muito loucos”, comenta um torcedor ao meu lado, sem saber que era a família de um jogador.

A festa da turma de Flávio continua no segundo tempo, mesmo com o goleiro já tendo que trabalhar – bastante – na meta alviverde. Aproximando-se do grupo – ao qual Sérgio, pai de Daniel, se uniu na etapa final -, a razão fica clara: todos tinham copos de cerveja na mão – com álcool! -, oriundos de um bar que fica anexado ao estádio do Nacional. A bebida levou o nervosismo embora e relaxou o grupo, que se tornou o destaque bugrino no local, atraindo olhares de outros torcedores pelos gritos incomuns que soltavam,

As provocações duram até o gol do Goiás, marcado por Rezende aos 25min do primeiro tempo. À queima-roupa, a bola passa por baixo das pernas de Passareli, sem culpa nenhuma no lance. O gol abala o pai do arqueiro. Flávio fica mais quieto, até tira os óculos escuros que permaneceram em seu rosto por quase toda a partida. À medida que os minutos passavam, o nervosismo voltava a ser sensível.

“Vai para a área, Lucas! Vai para a área, Passareli!”, suplica, enquanto o filho recebe uma negativa da comissão técnica. “Vai para a área, pô, que que é isso...”, lamenta, contrariado. O goleiro finalmente sobe em um dos últimos lances, mas não consegue concluir. Fim do jogo e derrota do time de Flávio e seu filho Passareli, além de  Sérgio e o garoto Daniel.

A reação de Flávio é instintiva: desce e vai xingar o bandeirinha no alambrado, reação que muitos pais teriam. Tenta se voltar para as cadeiras e pedir apoio do resto dos torcedores para o time – e seu filho. A confusão começa a rolar no gramado, com os jogadores do Guarani partindo para cima do juiz e as atenções do pai de Passareli se direcionam novamente a xingamentos no alambrando.

Copinha: veja os gols de Guarani-SP 2 x 1 São José-RS:

Poucos metros adiante, já perto da saída do estádio, o pai de Daniel recebia o carinho da torcida. “O 9 era um dos melhores do time, não deveriam ter saído”, citam torcedores que viajaram de Campinas que reconheceram o pai, que neste momento estava acompanhado da filha, irmã do camisa 9.

O encontro da família de Daniel com a de Passareli é no bar anexado ao estádio. Tomam cerveja e comentam a partida em voz alta, animadamente. O pai de Daniel é o primeiro a ir embora, acompanhado da filha e com a saudade do filho, que voltaria ao Brinco de Ouro, permanente. Pouco depois, saem os parentes de Passareli, com gritos de “Bugrão eô”. Nem parecia que o Guarani tinha perdido. Todos eles sabem que o sofrimento apenas começou, se os filhos quiserem continuar na árdua, principalmente no início, carreira. 

Fonte: Terra
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