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Jogos Inverno 2010

Canadá espera 30 medalhas para valer investimento de R$ 200 mi

10 fev 2010 - 15h37
(atualizado às 16h05)
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Charles McGrath

Nenhum canadense até hoje conquistou uma medalha de ouro olímpica competindo em casa, nem mesmo nos Jogos de Inverno. Mas isso pode estar a ponto de mudar se os organizadores da Olimpíada de Inverno de Vancouver, que começa na sexta-feira, conseguirem o seu objetivo.

Eles desejam mudar a mentalidade do país e sair da disputa não com apenas "um par" de medalhas de ouro e sim com o maior total de medalhas. Para isso, investiram cerca de US$ 118 milhões (R$ 200 milhões) no reforço do desempenho dos atletas canadenses, e bancaram um projeto chamado Top Secret, no qual cientistas vêm estudando os diversos esportes de inverno na esperança de propiciar vantagem tecnológica aos atletas do país.

A organização encarregada de melhorar o desempenho canadense em termos de medalhas é chamada de Own the Podium (donos do pódio, em português), e seu presidente-executivo, Roger Jackson, disse que "jamais havíamos sido pressionados a atingir um objetivo específico, no passado. Trinta medalhas ou mais é a nossa expectativa na Olimpíada deste ano. Acredito que sejamos capazes de conquistá-las".

Falar de uma ambição assim escancarada é algo que causa desconforto a alguns canadenses. O país é vasto, mas de muitas maneiras é gerido como se fosse uma cidadezinha do interior, com os valores de uma cidadezinha do interior, e opera com uma cultura altamente desenvolvida de modéstia, ou quem sabe até, com certo complexo coletivo de inferioridade. O histórico esportivo do país não impressiona muito. Além disso, os canadenses acreditam que isso acontece porque alguns compatriotas preferem assim e consideram que um esforço dedicado é tão valioso quanto uma pilha de troféus, ou até mais valioso.

O escritor canadense George Woodcock, certa vez afirmou que "os canadenses não gostam de heróis, e por isso não os têm. Não têm nem mesmo grandes homens, no sentido geralmente aceito desse termo".

Em um famoso ataque à mitologia nacional, a romancista Margaret Atwood afirmou que, em seu país, as pessoas tendem a considerar que simplesmente sobreviver é prova de heroísmo. Ela escreveu que "os canadenses passam o tempo todo tirando o pulso do país, como um médico à beira da cama de um doente. O objetivo não é determinar se o paciente viverá bem, mas simplesmente se sobreviverá".

E Noah Richler, escritor e autor de um livro sobre o Canadá, aponta que os canadenses têm memórias longas, odeiam fracassos públicos e nunca perdoaram o arrogante Adam van Koeverden, um atleta do caiaque, que depois de prever sucesso olímpico, terminou em penúltimo lugar a final dos mil metros na Olimpíada de Pequim. Também recordam da Olimpíada de Montreal, em 1976, para a qual os organizadores não conseguiram nem mesmo terminar em tempo o estádio olímpico. (Os jogos de Montreal foram a primeira Olimpíada do Canadá; em 1988, Calgary sediou uma Olimpíada de Inverno; os Jogos de Vancouver serão a terceira competição olímpica disputada no país).

Alguns críticos de esquerda se queixaram de que o logotipo nos uniformes olímpicos canadenses - uma folha de bordo cercada pela letra C- é parecido demais com o do Partido Conservador, do primeiro-ministro Stephen Harper. Tentaram conectar toda essa conversa pretensiosa sobre vitórias ao que veem como a presença agressiva, e semelhante demais à norte-americana, que as forças militares do Canadá estabeleceram no Afeganistão.

Mas outros canadenses aderiram com entusiasmo à filosofia adotada para os Jogos de Vancouver. Ken Dryden, jogador de hóquei que chegou à galeria da fama pelo seu trabalho como goleiro do Montreal Canadiens e hoje é membro do Parlamento pelo Partido Liberal, disse que "é provável que o Canadá se saia realmente bem desta vez. No passado, o Canadá sempre vencia um par de medalhas, mas ninguém sabia direito quem eram os vitoriosos; era algo que simplesmente acontecia. Foi o que aconteceu década após década, seja nos jogos de verão, seja nos de inverno".

"Mas dessa vez as coisas serão diferentes, e nos sairemos dramaticamente melhor, o que será um bom reflexo da situação a que chegamos como país sem que saibamos exatamente disso. O Canadá que somos hoje é na verdade muito diferente do Canadá de nossas mitologia e das grandes narrativas nacionais. O desdém pelo que o Canadá pode fazer é um mito que deve ser deixado para trás, como a sensação de que as coisas de alguma forma não sairão da maneira que todos esperamos", disse.

Essa mudança de atitude deriva em parte do estilo mais ousado e dotado de mais iniciativa que prevalece na costa oeste do país. Michael Chambers, presidente do Comitê Olímpico Canadense, disse que quando seu país decidiu que disputaria o direito de sediar os jogos de 2010, a ideia era basicamente a de oferecer uma nova oportunidade a Quebec, que perdeu por pouco a oportunidade de sediar os Jogos de Inverno de 2002. Mas Calgary, que já havia sediado a Olimpíada de Inverno de 1988, e Vancouver também expressaram interesse. A proposta vencedora foi montada pelo Comitê Organizador de Vancouver, ou Vanoc, uma organização apoiada pela comunidade esportiva legal e pelo setor turístico da região.

O presidente do Vanoc, John Furlong, disse que o grupo, cujo orçamento operacional chega a US$ 1,75 bilhão (R$ 3,325 bilhões), compreendeu bem cedo o processo que precisava transformar os Jogos em assunto de interesse nacional, e não apenas em fenômeno localizado para a província da Colúmbia Britânica. Ele viu que a melhor maneira de atingir esse objetivo seria que a equipe nacional se saísse bem nos Jogos.

"Para nós, essa era uma conclusão simples", ele afirmou. "Precisávamos de uma equipe canadense forte e confiante". Para isso, o Vanoc cobriu metade das despesas da Own the Podium, com o restante das verbas vindo do governo federal canadense.

Ante os gastos realizados por potências olímpicas como a Austrália e os Estados Unidos, o orçamento da Own the Podium não passa de "trocados", disse Jackson. Mas representa uma nova maneira de pensar. Em lugar de dividir o dinheiro igualmente entre as modalidades, ao modo tradicional canadense, as verbas foram direcionadas aos esportes e aos atletas com mais chances de vitória e medalhas.

"Alguns ganhos surgem com mais facilidade que outros", disse Jackson, acrescentando que o Canadá havia realizado grandes avanços nos esportes radicais de inverno, como o snowboard o esqui estilo livre. "Mas o programa está funcionando".

Na Olimpíada de Inverno de Salt Lake City, em 2002, o Canadá fechou em quarto lutar no quadro de medalhas, e em Turim, na Itália, 2006, chegou em terceiro.

O projeto Top Secret, que foi tema de reportagem da revista semanal canadense Maclean´s em 18 de janeiro, investiu US$ 8 milhões (R$ 15,2 milhões) em cinco anos na busca de coisas como bases de baixa fricção para pranchas de snowboard e estudos sobre o efeito real das vassouras do curling em termos de derreter o gelo (o gelo não derrete, mas se aquece o suficiente para reduzir a fricção de superfície, especialmente se a vassoura usada estiver seca).

Os cientistas utilizaram um sistema de orientação de mísseis a fim de rastrear esquiadores e construíram uma catapulta gigante, uma espécie de estilingue humano, para lançar os patinadores de velocidade em treinamento de manobra. É possível que o programa seja excessivamente avançado em termos tecnológicos. A revista Maclean´s sugeriu que a sucessão de lesões que prejudicou os esquiadores da equipe nacional canadense no final de dezembro- algo que os pessimistas do país já até esperavam - pode ter resultado simplesmente de esquis rápidos demais.

O programa Top Secret não parece ter se estendido ao hóquei, que sempre foi a grande exceção a uma cultura nacional de modéstia, civilidade e pacifismo. O esporte, especialmente ao modo pelo qual os canadenses o praticam, é bruto e hostil, e pode ser a válvula de escape que torna possível a simpatia canadense.

"O hóquei tem graça e beleza, o que não é tipicamente canadense", afirmou o escritor e artista plástico Bruce McCall, canadense que vive em Nova York. "Também tem violência, algo que os canadenses desaprovam oficialmente mas no fundo amam".

O jogo respondeu por muitos dos momentos de triunfo declarado e ruidoso do país, como a vitória sobre os soviéticos em uma lendária série amistosa de 1972 ou o passe de Wayne Gretzky para Mario Lemieux que venceu a Copa Canadá de 1987.

"Que deus abençoe o pessoal do trenó e do bobsled", disse Dave Bidini, escritor, músico e cineasta canadense. "Mas no final o que importa menos é o torneio de hóquei".

E, na opinião de muitos canadenses, se a seleção do país não conquistar o ouro no hóquei, tudo mais que acontecer em Vancouver - todas aquelas experiências de laboratório, e os milhões em despesas- terá sido um desperdício. Os canadenses à moda antiga, sempre céticos e pessimistas, recordam o acontecido em Turim, quando a seleção do país subitamente parou de marcar gols, perdeu por dois a zero diante da Rússia nas quartas de final e terminou o torneio em sétimo. O time deste ano está sob forte pressão para não fracassar da mesma maneira. A saúde psíquica do país depende disso.

Em Vancouver, o hóquei será jogado em um rinque com as dimensões usadas no hóquei profissional da NHL, e não no rinque olímpico mais largo que costuma ser usado. Furlong afirma que seria muito caro construir um rinque para o qual haveria pouco uso posterior. Mas apontando para os benefícios que o rinque menor propicia à seleção canadense, conhecida pela marcação cerrada, muitos jogadores europeus, e especialmente russos, resmungaram sobre uma conspiração canadense para limitar a velocidade de seus atletas e passes. Na interpretação deles, os canadenses, famintos de medalha, farão qualquer coisa por uma vitória.

"Se os canadenses têm uma fantasia olímpica, é essa", disse Gary Mason, colunista do jornal Globe and Mail, em Vancouver. "O quadro de medalhas mostra empate, e tudo depende de uma última modalidade, o hóquei masculino. Canadá e Rússia estão empatados em dois a dois no terceiro e último período, e quando o jogo vai à prorrogação Sidney Crosby marca o gol da vitória".

Tradução de Paulo Migliacci

Jogos Olímpicos de Inverno no Terra

O Terra transmitirá ao vivo a competição em 15 canais simultâneos de vídeo a partir do próximo dia 12. Além disso, os usuários terão a possibilidade de assistir novamente a todo o conteúdo a qualquer momento. Todo o acesso é gratuito.

Uma equipe de 60 profissionais estará encarregada de fazer a cobertura direto de Vancouver e dos estúdios do Terra, em São Paulo, no Brasil, com as últimas notícias, fotos, curiosidades, resultados e bastidores da competicão.

A equipe conta com a participação do repórter especialista em esportes radicais Formiga - com 20 anos de experiência em modalidades de neve -, e o pentacampeão mundial de skate Sandro Dias, que comentará a competicão em seu blog no Terra.

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Estádio da abertura dos Jogos de Vancouver, que leva nome de BC Place
Estádio da abertura dos Jogos de Vancouver, que leva nome de BC Place
Foto: Getty Images
The New York Times
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