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Jogadores de curling formam comunidade unida

1 mar 2010 - 22h28
(atualizado às 22h42)
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CHARLES McGRATH
Do The New York Times, em Chilliwack

Se você perguntar aos canadenses qual é o apelo do curling - um jogo que para os americanos parece consistir em empurrar pedras bizarras no formato de chaleiras e gritar "pare!" e "rápido!" para elas -, o que a maioria responde é que as pessoas daqui, especialmente as que vivem nas pradarias, precisam de uma atividade para não ir à loucura durante os longos invernos.

Eles também observam, com orgulho, que o curling é o único jogo no qual os oponentes apertam as mãos antes e depois das partidas, e geralmente tomam um café ou uma cerveja juntos no final. Para a maioria dos americanos, esse aperto de mão extra pode não parecer uma razão muito boa para sair de casa e esfregar o gelo com uma vassoura por algumas horas, mas, no Canadá, isso significa muito.

O curling é mais do que um esporte ou passatempo; é um ritual social duradouro e uma experiência de união. Em Chilliwack, um grande centro agrícola no Vale Fraser e cada vez mais uma cidade dormitório 96 km a oeste de Vancouver, anfitriã dos Jogos Olímpicos, os invernos não são tão rigorosos. Há quadras de tênis cobertas e uma nova piscina também coberta. Os campos de golfe ficam abertos o ano inteiro e, num bom dia, é possível jogar curling de manhã e golfe à tarde ou vice-versa.

O clube de curling local, abrigado por uma construção de concreto de 50 anos no complexo de recreação da cidade, é um dos mais ativos da província. Na segunda-feira, o dia mais cheio da semana, os seis rinques de curling do clube ficam lotados das 9h até as 23h, ou sempre que os voluntários responsáveis pelo bar decidem fechar. Os idosos jogam de manhã, primeiro as mulheres e depois os homens; as crianças em idade escolar vêm à tarde; e as ligas de recreação competem à noite.

O dia inteiro, esse lugar ecoa o som de pedras de curling deslizando (o que lembra um pouco um metrô distante se aproximando na estação); o estrondo de duas pedras colidindo; gritos de "com força, com força!" e "deixe passar!"; e a ocasional interjeição animada "desgraçado!" quando o adversário acerta.

Mesmo no Canadá, nem todos jogam curling. O Clube de Curling de Chilliwack tem 600 membros em uma cidade de 80 mil habitantes ¿ e o esporte encontra poucos adeptos.

Bruce Renwick, gerente do clube de curling, disse: "quando estava no colegial, quem jogava curling era nerd. Eu aderi ao jogo principalmente por causa dos meus pais. Mas desde que se tornou um esporte olímpico, tem sido mais bem aceito."

Ao falar das 60 horas semanais que passa no clube, Renwick acrescentou: "não considero meu emprego um trabalho. É um estilo de vida."

Outro funcionário em tempo integral, Jayson Gill, se concentra em cuidar do gelo.

Se você for tão bom quanto Cheryl Bernard, a capitã da equipe olímpica feminina do Canadá, ou o capitão da equipe masculina Kevin Martin, é possível ganhar a vida no curling. Bernard, que se parece com Sandra Bullock, tornou o curling não só aceitável como também sexy.

Renwick disse que Martin "lança 100 pedras por dia." Se ele lançar a pedra em todas as situações de jogo, com tempo para todas as conferências e estratégias que o curling de primeira linha exige, ele precisaria de cerca de 10 horas por dia, sem muito tempo para fazer outras coisas.

Mas as pessoas jogam principalmente para rever velhos amigos e fazer novos. Ou por ser uma tradição de família. A filha de 15 anos de Renwick, Ali, joga curling desde os sete. Sua amiga Emma Graham, 16 anos, capitã da equipe de Ali em Chilliwack que venceu o campeonato provincial sub-16 na temporada passada, é a neta de Marlene Nash, campeã de curling. Nash passou no clube outro dia para dar um oi a Emma e a seu irmão, Andrew, também jogador de curling.

Sandy Jacob, enfermeira aposentada e gerente do centro de aconselhamento que joga curling três vezes por semana em Chilliwack, é outra jogadora de terceira geração. Ela se lembra do avô que costumava jogar curling em gelo natural, o que exigia muito mais força por parte do lançador da pedra, pois a superfície não era coberta com gotas de água congeladas como no gelo refrigerado.

E algumas pessoas ¿ como Caron Larsen, que pratica o esporte há 60 anos ¿ jogam curling há tanto tempo que não veem motivo para abandoná-lo. Na segunda-feira de manhã, havia pelo menos dois jogadores de 86 anos. Uma grande benção para os jogadores mais velhos, e para os mais jovens que passaram por cirurgia no joelho ou quadril, foi o advento de um aparelho que se encaixa na ponta da vassoura de curling e a transforma num cabo que pode ser empurrado, permitindo que o jogador lance a pedra de uma posição ereta, sem ter que deslizar agachado como o Homem Aranha.

O curling é mais difícil do que parece. Muito antes de conseguir se esticar elegantemente como Cheryl Bernard, com a perna traseira estendida e colocando o peso sobre o joelho frontal, um iniciante pode cair de lado, como um bêbado sem equilíbrio numa bicicleta. Peter Lui, instrutor do clube e técnico do programa juvenil, passa muito tempo desenvolvendo a parte técnica e faz os jogadores praticarem o deslize sobre o gelo usando as vassouras na frente como guidões, antes de passarem para as pedras.

Entre os idosos, alguns lançam a pedra para trás como uma bola de boliche antes de golpeá-la e usam todos os tipos de técnicas de varredura: algumas improvisadas, outras uma concessão devido aos membros com artrite. Alguns dos jogadores mais velhos carregam cronômetros para registrar a velocidade, ou peso, da pedra, mas a maioria simplesmente observa.

"Muitas dessas mulheres não têm ideia do que o jogo se trata", disse Joyce Trimble, uma pequena senhora de 73 anos que também é técnica do programa juvenil. "Mas ainda assim é divertido."

Outro jogador de Chilliwack que leva o esporte a sério é Bernie Sparkes, 70 anos, um membro famoso do curling canadense com um recorde de 16 condecorações coração púrpura, não por feridas de guerra, mas por aparições no campeonato nacional. Quando ele quer examinar a disposição das pedras do outro lado do rinque, ele não desliza naquela posição de impulso sobre um pé ¿ às vezes ele corre.

"Bernie na verdade amoleceu um pouco", Renwick disse.

Nem todo jogador praticou o esporte a vida inteira. Barry Vandergreft, trabalhador ferroviário que estava sentado num banco lendo a história da Guerra dos Bôeres de Thomas Pakenham e de olho em seus três filhos que jogavam, aderiu ao esporte apenas recentemente. A família toda aderiu, ele disse, inspirada pelo entusiasmo do filho do meio, que não conseguia parar de assistir ao curling durante a Olimpíada de 2006.

"Gosto muito do elemento estratégico", Vandergreft disse, "e considero um bom esporte de família. Em relação ao hóquei, ele é barato."

Nash, a vovó do curling, disse: "não existe contato, as crianças não ficam se batendo. É um esporte que você pode praticar a vida toda."

Tradução de: Amy Traduções

"Sósia" de Sandra Bullock, Cheryl Bernard deixou o curling um esporte mais sexy
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Foto: AP
The New York Times
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