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Olimpíada 2016

Esgrimista que superou sequelas de Chernobyl diz que Brasil foi 'mundo de oportunidades'

29 abr 2016 - 07h39
(atualizado às 10h06)
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Hoje atleta da esgrima brasileira, Karina Lakerbai não havia nascido quando houve a fatídica explosão da usina nuclear de Chernobyl, em abril de 1986, há 30 anos. Ela veio ao mundo dois anos depois, em Mogilev, Belarus, a pelo menos 300 km de distância. Ainda assim, ela tem no corpo marcas do maior acidente nuclear da história.

Karina Lakerbai teve problemas respiratórios e ósseos por causa do acidente nuclear em Chernobyl
Karina Lakerbai teve problemas respiratórios e ósseos por causa do acidente nuclear em Chernobyl
Foto: Divulgação/BBC Brasil / BBC News Brasil

"Eu tenho osteocondromas (tumor ósseo, caracterizado por formação anômala em osso), é como se fossem ossinhos que crescem a mais...como um galho a mais no osso. São muitas, e muito grandes, em todas as partes do corpo. Me atrapalha principalmente os que estão nas articulações. Tive que fazer uma série de cirurgias por conta disso, para fazer raspagem óssea", contou ela à BBC Brasil.

E não foi só isso. Karina nasceu também com diversos problemas respiratórios em consequência do acidente nuclear. E os problemas de saúde acabaram influenciando seus pais em uma decisão drástica: a de mudar de país.

Uma oportunidade de emprego para a mãe, Valéria Lakerbai, fez com que o próximo destino da garota, aos seis anos, fosse o Brasil - que representou um "mundo de oportunidades" para sua família, como ela mesma descreve.

"Tive uma série de problemas respiratórios quando era menor. E quando minha mãe teve a chance de vir pra cá (São Paulo), ela decidiu vir para que eu pudesse viver em um lugar onde pudesse respirar melhor."

"Minha mãe era ginasta e o ex-técnico dela estava trabalhando com a seleção brasileira de ginástica. Aí ele teve uma oportunidade melhor e indicou minha mãe para substituí-lo. O Brasil representou um mundo de oportunidades para a minha família. Talvez minha saúde fosse bem pior se eu não tivesse vindo pra cá", afirmou.

Foto: Divulgação

Apesar de não ter vivido a tragédia, Karina cresceu ouvindo histórias de seus pais a respeito daqueles tempos "assustadores" da explosão. E, mesmo após 30 anos do acidente, ela conta que se sente angustiada de pensar em quantas pessoas precisaram "deixar a vida para trás" por causa do que aconteceu e em quantas não tiveram a mesma sorte e não conseguiram deixar a região.

"O acidente mudou a história de uma nação inteira, afetou muito a região. Milhares de pessoas tiveram que largar suas casas, deixar suas vidas para trás, como meus pais tiveram. Eu sinto uma angústia pelas pessoas que tiveram que ficar ali perto e não conseguiram se afastar", disse.

"Meus pais falam que foi assustador, porque no início eram poucas as notícias do que tinha acontecido. E mesmo depois, sabendo o que tinha acontecido, não mudou muito a conjuntura, porque não havia a possibilidade de sair dali. O contexto era de União Soviética, era difícil conseguir liberação deixar o país, as pessoas não tinham muito dinheiro sobrando, era complicado, não foram todos que conseguiram sair."

Foto: Divulgação

Vida no esporte

Apesar dos problemas de saúde, Karina acabou seguindo a vocação dos pais - ambos eram treinadores, a mãe de ginástica, e o pai de esgrima - e se dedicou ao esporte. A princípio, ela apostou na ginástica para acompanhar os passos da mãe, mas a estratégia não deu muito certo.

"Comecei a treinar ginástica, mas uns anos depois minha mãe me expulsou (risos). Eu tenho um biotipo mais pesado, e as ginastas precisam ser bem leves porque quando elas caem de alturas altas, elas não terão a mesma lesão de uma pessoa que tem peso comum. E eu me machucava muito por conta disso. Aí minha mãe me proibiu de treinar quando tinha 11 anos", conta.

Mas os tempos de adolescente "sedentária" não duraram muito. Karina conta que ficou "muito chata" sem o esporte e ouviu de sua mãe: "Você está muito chata, precisa fazer atividade física. Vai fazer esgrima com seu pai que pelo menos é de graça."

Alkhas Lakerbai, pai de Karina, dava treinos de esgrima em São Paulo e a garota começou a aprender o esporte - mas de início, admite que não gostou muito.

"Eu demorei um pouco pra entender a questão tática e técnica, que e muito importante. É um esporte difícil de entender. Demorei uns dois anos pra gostar. Mas aí comecei a ganhar, e eu gostava de ganhar, então fui gostando do esporte também, por consequência."

Aos 14 anos, porém, ela teve de dar uma pausa nos treinos para fazer uma cirurgia - justamente para corrigir o problema ósseo ligado à radiação vazada no acidente de Chernobyl. Aos 15, novamente teve de ser operada. Mas depois disso, conseguiu evoluir na modalidade e é hoje octacampeã brasileira e campeã dos Jogos Sul-Americanos de 2014 - ainda com seu pai como técnico.

A especialidade de Karian é o sabre e ela era uma das candidatas favoritas a disputar a Olimpíada do Rio, mas uma lesão no ombro a impede de competir no momento - a jovem naturalizada brasileira é número dois no ranking do país e a vaga para os Jogos deverá ficar com Marta Baeza.

Foto: Divulgação

Críticas

Praticante de um esporte pouco conhecida no Brasil, Karina tem esperanças de que a Olimpíada deste ano traga mais visibilidade para as modalidades que vão além do futebol.

"Acho que as pessoas terão a oportunidade de ver um grande evento, de aprender esportes diferentes, ainda que pela televisão. Acho que elas vão ter a chance de perceber que existe um mundo esportivo além do futebol", opinou.

A atleta - que também é socióloga por formação acadêmica - diz que a oportunidade de sediar os Jogos poderia ter sido melhor aproveitada para investir no esporte de base no país.

"A cultura esportiva do Brasil, das confederações, em todas as modalidades, é investir em dois ou três atletas com chances de medalha, do alto rendimento. Nem com a Olimpíada isso mudou. Deixaram a desejar justamente porque não souberam investir no esporte de base, para incentivar as crianças a praticarem o esporte", afirmou.

Ela diz que o país deveria seguir exemplos internacionais, de outros lugares que investem na cultura esportiva como um todo, incentivando desde a base, e defende também que haja uma melhor preparação do atleta para o futuro, após o fim da carreira.

"Não vejo as confederações tentando aprender com o que está sendo feito lá fora. Tivemos essa década esportiva, com muito mais investimento sendo feito no esporte, mas ficou no alto rendimento, não fizemos nada de diferente."

"Acho que precisávamos preparar melhor o atleta para o mercado de trabalho. Temos muitos ex-atletas que viram dirigentes depois do fim da carreira e isso é ótimo, porque é uma forma de absorver essas pessoas que já fizeram tanto pelo Brasil. Mas falta profissionalização. Se esse ex-atleta não entende de gestão esportiva, de captação de recursos, etc, não adianta, precisa haver um preparo."

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