O outro lado do olímpico Engenhão: asfalto virou 'maquiagem'
Algumas ruas do entorno do Engenhão integram o caminho da família olímpica – atletas e jornalistas do mundo todo vão passar por ali em agosto – e representam parte do ‘legado’ dos Jogos. Estão redesenhadas, com novas camadas de asfalto e calçadas refeitas. Mas a realidade no Engenho de Dentro, o bairro do estádio olímpico, é bem diferente. Do outro lado da estação ferroviária, por exemplo, o que se vê é a ausência do poder público até mesmo em serviços básicos, como a pavimentação das vias.
O lado ‘B’ do bairro olímpico não recebeu nenhum benefício por conta dos Jogos. A queixa de seus moradores registra uma lista de problemas crônicos que inclui, entre outros, a quantidade de buracos por onde passam automóveis e pedestres.
O Terra tem publicado desde a semana passada uma série de reportagens sobre mazelas que atingem o bairro olímpico, como a ausência de coleta regular de lixo, as valas com esgoto a céu aberto e a falta de água crônica em alguns locais do Engenho de Dentro.
Questionado pela reportagem do Terra, na quinta (12), sobre a existência de duas realidades no bairro, e da insatisfação de muitos moradores por causa disso, o prefeito Eduardo Paes reagiu com irritação e ironia. “Não existe lado ‘A’, lado ‘B’ no Engenho de Dentro. Quando a prefeitura tiver dinheiro, a gente faz mais um Engenhão do outro lado da estação e fica tudo bem.”
A falta de sintonia das autoridades com quem vive no local é flagrante e as críticas dos moradores são constantes. “Houve apenas uma maquiagem no Engenho de Dentro para os Jogos. E só maquiaram ali nas proximidades do Engenhão, com pequenas intervenções. Na grande extensão do bairro não se viu nenhuma melhoria, não se viu nada”, protesta o professor de história Allan da Silva Corrêa, 27 anos, administrador da página ‘Voz do Engenho de Dentro’ no Facebook.
Nascido e criado no bairro, Allan sabe de cor a ‘idade’ de algumas minicrateras que resistem a reparos mal feitos e se perpetuam pelo bairro. Na Rua Alberto Leite, ele aponta para um buraco que existe pelo menos desde 2008. O desleixo se estende por ruas como a Monsenhor Jerônimo, Pernambuco, ambas situadas a menos de um quilômetro do estádio olímpico, e tantas outras não contempladas com novas pavimentações.
“Perdemos uma grande oportunidade de melhorar a qualidade de vida no Engenho de Dentro e bairros próximos. Os Jogos Olímpicos não nos trouxeram nenhuma vantagem, ainda mais para quem vive do outro lado da linha do trem”, afirma Sérgio Luiz Leite, 46 anos, morador da Rua Pernambuco.
O contraste de um piso em perfeito estado, ao redor do Engenhão, com ruas sem calçamento na comunidade Camarista Méier, a única do Engenho de Dentro, expõe uma situação sem justificativa aparente. A cuidadora de idosos Elza Venâncio lamenta a precariedade da Rua União Vitória, por onde se dá o único acesso a várias casas do morro. “Quando chove, é difícil alguém sair de casa por aqui, porque algumas pedras rolam e as pessoas escorregam com a lama e a inclinação do terreno.”
João Batista de Lima, morador da Camarista há mais de 50 anos e dono de um bar no começo da Rua União Vitória, conta que já viu pequenos acidentes com quem tentava subir ou descer a pé por aquela rua. “O risco de uma queda é enorme. Muita gente se machuca. Uma pena que ninguém veja isso.” Indagado sobre eventuais benefícios do bairro com a Olimpíada, o comerciante abre um sorriso antes de responder. “Melhorou o quê? Nada, nadinha.”