O outro lado do olímpico Engenhão: falta água e sobra esgoto
Há casas no bairro do estádio olímpico sem água tratada há meio século
Pequenos bolsões d’água, sem nenhum tratamento, ligados a tubos plásticos improvisados no meio da mata, abastecem a maior parte de moradores do Morro Camarista Méier, o único do Engenho de Dentro, o bairro do coração da olimpíada do Rio - o Engenhão. Muitas crianças e idosos que não saem da comunidade bebem aquela água turva, utilizada também para cozinhar e lavar roupa.
Antes de encher baldes, garrafas e galões, e de atravessar terrenos encharcados de esgoto em canos que se rompem com um esbarrão, a água, represada, é refúgio de animais que vivem soltos por ali – cachorros, aves, camundongos.
Com o direito de o Rio sediar os Jogos, quem mora no Engenho de Dentro, na zona norte carioca, ouviu de políticos e de autoridades da cidade que o bairro olímpico seria contemplado com inúmeros benefícios. Na prática não foi isso que se viu. Muito pelo contrário. O Terra começou a publicar na terça-feira (dia 10) uma série de reportagens sobre o abandono do bairro que poderia ser uma das vitrines da olimpíada. Primeiro, sobre o lixo que se acumula pelas ruas do Engenho de Dentro.
Dona Rita Ferreira Lima, 67 anos, acreditou nas promessas e se sentiu orgulhosa ao saber, anos atrás, que seu bairro receberia milhares de turistas, atletas e jornalistas do mundo todo. Ela divide sua casa com vários netos no alto do Camarista Méier e imaginou o improvável. A realidade, porém, se impôs pelo caminho avesso. Hoje, dona Rita não esconde a frustração.
“Espero pela água aqui há mais de 50 anos. Se viesse a água, eu seria feliz. Mas não veio, de novo não veio. Ainda assim tenho esperança de que um dia ela chegue e que meus netos e bisnetos possam ver isso. Uma água tratada, que não nos faça mal.”
Sem opção, José Luís Conceição, 46 anos, caminha meia hora todo dia para pegar água de um daqueles reservatórios insalubres. Recorre a uma bica comunitária e volta pra casa indiferente a uma eventual mudança de sua rotina. “É suja mesmo; a maioria daqui bebe essa água; na minha casa a gente usa isso aqui (aponta para as garrafas plásticas cheias) pra cozinhar.”
Mais realista e, por isso, cético, ele jamais se deixou enganar pelos compromissos assumidos por políticos da cidade, que associavam os Jogos à melhoria do bairro. “A gente só existe na hora que esse pessoal vem pedir o nosso voto. Fora disso, ninguém quer saber da gente.”
Problemas com abastecimento de água no Engenho de Dentro não são restritos aos moradores do Camarista Méier. Se fazem presentes também em ruas planas, mais próximas ainda do Engenhão. Márcia Bernardo, 50 anos, conta que entre 2014 e 2015 ficou sem água por oito meses, em sua casa, na Rua Borja Reis – uma das principais do bairro. “Agora, a situação parece regularizada, mas a gente vive sempre de sobreaviso, sob incertezas.”
ESGOTO – Córregos de esgoto a céu aberto também compõem o cenário do bairro olímpico. São várias valas negras espalhadas por ruas e becos, mais notadamente no Camarista Méier. Moradores contam que quando começa a anoitecer, os ratos saem de seus esconderijos e tomam conta desses lugares. Entram na casa das pessoas, convivem com elas.
Na localidade conhecida como ‘Buraco Quente’, há um rio de esgoto que se avoluma com o lançamento direto dos detritos das residências. Só naquele espaço vivem mais de 100 pessoas, obrigadas a manter as janelas e portas fechadas para impedir uma invasão maior dos roedores.
CEDAE – A Assessoria de Imprensa da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), em resposta ao Terra, afirmou que “o bairro do Engenho de Dentro é ‘plenamente’ atendido pela Cedae”. Acrescentou que a companhia está colocando em ação um programa de saneamento nas comunidades pacificadas (no Camarista Méier há uma UPP – Unidade de Polícia Pacificadora) e que, com isso, a Cedae levará, “por meio de parceria com empresas", o serviço de água e esgoto para essa regiões.
De acordo com a Cedae, o Camarista Méier está inserido entre as comunidades dessa primeira etapa do projeto. A empresa informou ainda que “vem operando e realizando redimensionamento da elevatória, pressurização da rede para atender à comunidade, e adequação das redes de distribuição em diversas partes do Morro Camarista Méier”.
No comunicado, a Cedae se compromete a “continuar realizando ações para ampliar o abastecimento da comunidade, buscando atender a região até o programa de saneamento ser implantado”. No entanto, ela não estabelece um prazo para isso.