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O outro lado do olímpico Engenhão: interdições param bairro

20 mai 2016 - 09h46
(atualizado às 11h39)
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Muita gente que trabalha ou mora nos arredores do Engenhão vive uma expectativa frustrante com os Jogos. Em parte, isso se dá pela falta de habilidade das autoridades em estabelecer canais que as aproximem dos vizinhos do estádio olímpico. Isso evitaria por exemplo uma ação polêmica da Guarda Municipal, no dia 12 de maio, quando rebocou dezenas de carros de duas ruas (Dr Padilha e Das Oficinas) do quadrilátero do Engenhão. Na oportunidade, moradores reagiram e por pouco não houve um distúrbio.

“Tinham de distribuir folhetos para os moradores, bater de casa em casa. Ninguém aqui lê o Diário Oficial. Na noite do dia 11 colocaram placas nos postes alertando sobre a proibição do estacionamento. Mas várias pessoas, acostumadas a parar o carro ali há décadas, já haviam deixado seus automóveis no lugar de sempre”, reclama a dona de um bar na Dr Padilha, Iara Couto. “Aí, na hora do almoço do dia 12 chegaram os reboques e foi aquele alvoroço.”
“Tinham de distribuir folhetos para os moradores, bater de casa em casa. Ninguém aqui lê o Diário Oficial. Na noite do dia 11 colocaram placas nos postes alertando sobre a proibição do estacionamento. Mas várias pessoas, acostumadas a parar o carro ali há décadas, já haviam deixado seus automóveis no lugar de sempre”, reclama a dona de um bar na Dr Padilha, Iara Couto. “Aí, na hora do almoço do dia 12 chegaram os reboques e foi aquele alvoroço.”
Foto: Silvio Barsetti / Especial para Terra

O Terra vem publicando uma série de reportagens em que desnuda o ‘legado olímpico’ no bairro do Engenho de Dentro, onde fica o Engenhão,na zona norte da capital carioca. Os temas abordados até aqui tratam da falta regular de coleta de lixo, problemas com abastecimento de água e esgoto a céu aberto, ausência de pavimentação em ruas e calçadas e o estado de abandono de bens culturais na região.

Pacientes de hospital ficam sem táxi

Um planejamento mais adequado do poder público certamente daria um rumo diferente a um outro impasse - entre a prefeitura a uma cooperativa de 35 táxis que serve funcionários e pacientes do Hospital Memorial, na rua do principal acesso ao Engenhão – a José dos Reis. Os motoristas souberam há poucos dias que não vão poder manter o ponto em frente ao hospital durante a Olimpíada, em agosto, e a Paralimpíada, em setembro.

“Aqui tem muitos idosos que fazem fisioterapia e exames laboratoriais com frequência. Pelo que fomos informados, só vão poder circular na área os carros que levem passageiros em situação de emergência. Mas a demanda é infinitamente maior”, protesta Rodney Roberto Simões, um dos diretores da cooperativa. “A maioria dos nossos taxistas paga diárias que variam entre 180 e 220. Sem o nosso ganha-pão aqui em frente ao hospital por um mês e meio, há o risco de alguns perderem o emprego.”

Não são apenas os taxistas que anteveem dias difíceis. O guardador de automóveis, Alexander Ferreira, 36 anos, trabalha no local há 17 anos e, sem o movimento de carros, vai ficar quase 40 dias fora de atividade. “Tenho quatro filhos para criar e todo mês recebo as contas de luz, água e gás. Não sei, não tenho a menor ideia de como vou me virar”, lamenta, ainda com esperança de que haja uma solução para o seu caso.

 “A maioria dos nossos taxistas paga diárias que variam entre 180 e 220. Sem o nosso ganha-pão aqui em frente ao hospital por um mês e meio, há o risco de alguns perderem o emprego”, protesta Rodney Roberto Simões, um dos diretores da cooperativa de táxis que trabalha no bairro Engenho de Dentro
“A maioria dos nossos taxistas paga diárias que variam entre 180 e 220. Sem o nosso ganha-pão aqui em frente ao hospital por um mês e meio, há o risco de alguns perderem o emprego”, protesta Rodney Roberto Simões, um dos diretores da cooperativa de táxis que trabalha no bairro Engenho de Dentro
Foto: Silvio Barsetti / Especial para Terra

Reboques "surpresas"

Uma publicação no Diário Oficial do Município, datada de 10 de maio, informava que algumas vias do bairro do Engenho de Dentro teriam de estar livres para circulação de automóveis dos dias 11 ao 21, por causa de evento-texto de atletismo no Engenhão.

Não houve ilegalidade no ‘arrastão’ de carros rebocados na operação daquela dia. Mas, segundo os moradores, a Guarda Municipal deveria ter avisado os donos de veículos com antecedência. A Rua Dr. Padilha, por exemplo, é pouco movimentada e oferece há mais de dez anos uma de suas pistas para estacionamento.

“Tinham de distribuir folhetos para os moradores, bater de casa em casa. Ninguém aqui lê o Diário Oficial. Na noite do dia 11 colocaram placas nos postes alertando sobre a proibição do estacionamento. Mas várias pessoas, acostumadas a parar o carro ali há décadas, já haviam deixado seus automóveis no lugar de sempre”, reclama a dona de um bar na Dr Padilha, Iara Couto. “Aí, na hora do almoço do dia 12 chegaram os reboques e foi aquele alvoroço.”

Ela testemunhou o desespero de um portador de deficiência que não conseguiu evitar que o carro dele fosse rebocado. “O homem chorava muito, o carro era adaptado. Parava ali havia meses e foi pego de surpresa.”

Dona Iara e outros moradores da localidade contaram que funcionários da prefeitura distribuíram folhetos em maio para a convocação de um evento no entorno do Engenhão com a presença do prefeito Eduardo Paes. Esperavam, portanto, que fizessem o mesmo para anunciar as interdições.

Explicações das autoridades não convencem

Em resposta ao Terra, a Assessoria de Imprensa da Guarda Municipal esclareceu que a corporação é responsável pela fiscalização do trânsito e não pela sinalização das vias e que “a coerção às infrações deve ser realizada mediante o flagrante de irregularidade”. Informou ainda que as ações da Guarda Municipal ocorrem diariamente, “por meio de patrulhamento de rotina, solicitação de outros órgãos, operações especiais em locais com grande incidência de infrações ou por meio de denúncia dos cidadãos pela Central 1746”.

Já a CET-Rio (Companhia de Engenharia de Tráfego do Rio), também por meio de sua assessoria, informou que a subprefeitura local, “em conjunto com a CET-Rio”, promoveu uma reunião com moradores do Engenho de Dentro em 4 de maio para esclarecer as medidas que seriam adotadas nos períodos em que o estádio olímpico estivesse recebendo competições relacionadas aos Jogos.

“O local foi devida e intensamente sinalizado de modo que não houvesse dúvidas sobre proibições de estacionamento nos pontos estratégicos para o evento”, registra o texto enviado pela CET-Rio.

A reportagem do Terra acompanhou a reunião das autoridades com a comunidade em 4 de maio, num dos prédios anexos ao Engenhão. Na oportunidade, o diretor de Operações da CET-Rio, Joaquim Dinis, deixou claro que desconhecia a reivindicação dos taxistas do ponto em frente ao Hospital Memorial.

Ao ser indagado sobre o problema pelo vice-presidente da cooperativa de táxis, Antonino Neri de Oliveira, Joaquim disse apenas que a proibição de circulação de carros na área, durante os Jogos, atendia a uma exigência da segurança olímpica e que certamente haveria uma exceção para os casos de emergência.

A explicação desapontou Antonino. “O bem-estar da chamada família olímpica não pode ser mais importante que as necessidades de idosos e outras pessoas com dificuldades de locomoção que precisam vir sempre ao hospital.”

Foto: Getty Images
Fonte: Silvio Alves Barsetti
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