PUBLICIDADE

LANCE!

Diego Aguirre: 'Lamentavelmente no Brasil não acreditam nos treinadores'

26 jun 2015 - 07h56
Compartilhar
Exibir comentários

Longe de ser a primeira opção do presidente Vitorio Piffero, Diego Aguirre foi apresentado como treinador do Internacional em dezembro de 2014. O uruguaio chegou sob desconfiança e, logo nos primeiros meses de trabalho em 2015, sofreu com duras críticas. Torcedores, jornalistas e até mesmo dirigentes se mostravam insatisfeitos com o baixo rendimento do time, que demorou para engrenar no Campeonato Gaúcho e chegou até a temer a eliminação na fase de grupos da Copa Libertadores.

Internacional x The Strongest - Libertadores - Diego Aguirre
Internacional x The Strongest - Libertadores - Diego Aguirre
Foto: Vinicius Costa / AFP

Mas Aguirre deu a volta, chutou para longe o risco de demissão e calou as cornetas. Apostando no rodízio na equipe titular, o treinador conseguiu ter o trabalho compreendido pelos veteranos do elenco, acertou em cheio ao dar oportunidade para vários garotos da base, conquistou o título estadual em cima do arquirrival Grêmio e, de quebra, fez do Colorado o único brasileiro nas semifinais da competição sul-americana.

LANCE!: Muricy Ramalho, Marcelo Oliveira, Oswaldo de Oliveira, Vanderlei Luxemburgo, Doriva... Parece que a cada semana um treinador é demitido no Brasil. Isso te assusta?

Diego Aguirre: Não me assusta, mas me surpreende muito. Me surpreendente negativamente porque eu estou vendo que lamentavelmente no Brasil não se acredita nos treinadores.

LANCE!: No Uruguai é muito diferente?

Diego Aguirre: Acho que não tem lugar no mundo que tenha tanta cobrança como aqui no Brasil, um futebol que tem muitas trocas de treinadores. Não existe algo parecido no mundo. O futebol brasileiro precisa pensar em trabalhos a longo prazo. Ficar trocando toda hora é pior escolha. Os clubes ficam trocando direto, mas quem garante que isso vai dar certo? O novo treinador chega, não conhece os jogadores, não tem informações, não tem nada. Ficar trocando de treinador não é a solução. Às vezes faz parte, eu entendo, mas toda hora? Não pode.

LANCE!: Você sofreu muita pressão logo nos primeiros meses no Internacional...

Diego Aguirre: Uma pressão, vale ressaltar, sem tempo de apresentar nada...

LANCE!: Mas isso não te assustou? Te impactou?

Diego Aguirre: Não entendia, não entendia porque um treinador era cobrado de forma tão rápida. Não esperava isso, não aceitava... Não entendia o risco de ser mandado embora tão cedo. Não esperava por isso, de verdade. Tanta pressão, tanta cobrança. E tudo isso sem dar um mínimo de tempo, como assim?

LANCE!: Apesar de ser estrangeiro, você não tinha noção de que no Brasil a vida de um treinador era complicada?

Diego Aguirre: Sempre ouvi falar que o Brasil era famoso por trocar sempre de treinadores, que tem o recorde mundial de trocas, sem dúvida. Mas quando você vive isso de perto é diferente. De longe, às vezes, você não tem informação, não sabe o porquê. Agora, morando e trabalhando aqui, até acho que é normal algumas trocas de treinadores. Mas ainda acho que trocar tanto é errado, não pode ser assim.

LANCE!: E mesmo assim você resolveu se aventurar no futebol brasileiro...

Diego Aguirre: Sim, sim... Pelo desafio profissional, pelo que significava o Internacional como um time conhecido no mundo. Queria enfrentar esse desafio profissional, que para mim significava muito. Podia dar certo, podia não dar certo. Mas às vezes a gente tem que arriscar, tem que tentar. Não podia vir para cá pensando: "Não vou para o Brasil porque vão me mandar embora rápido". Eu vim por uma boa oportunidade, por uma possibilidade de trabalhar num futebol tão reconhecido e com tantas coisas boas.

LANCE!: Mas você temeu ser demitido?

Diego Aguirre: Se falava muito disso, era uma coisa que poderia até ter acontecido, mas não tomava como medo. Tomava como algo que poderia acontecer e que eu aceitaria. Mas nem de longe não entenderia. Com certeza eu não entenderia, não parecia normal e não acharia correto. Eu pedia: "Espera um pouco, vamos ver o que acontece".

LANCE!: Então a pressão não foi só da torcida, foi da diretoria também?

Diego Aguirre: Acho que todos os lados. Uma coisa leva a outra nos momentos difíceis.

LANCE!: Se você tivesse sido demitido, teria pensando em nunca mais treinar um clube no Brasil?

Diego Aguirre: Não, não... Nunca mais não. Não se pode falar nunca mais. Obviamente, ficaria triste e teria achado a minha demissão injusta. Mas não posso fechar a porta para um país com tantas coisas boas, com tantos times grandes e com um futebol com reconhecimento mundial. Se tivessem me demitido, talvez eu teria ficado aqui esperando alguma nova oportunidade.

LANCE!: Você sofreu com pressão e adaptação, mas conseguiu dar a volta por cima. Imaginava estar tranquilo agora?

Diego Aguirre: Eu vim ao Internacional para ter sucesso, isso sim. Não vim para o Brasil para ser demitido em um mês ou dois meses. Assinei contrato com o Inter acreditando num grande trabalho e em títulos. Quero marcar meu nome. O título do Campeonato Gaúcho foi bom, mas talvez não seja algo tão significativo como a Libertadores. A Libertadores é o nosso objetivo máximo.

LANCE!: Acha que a maioria da torcida aprova o seu trabalho no Internacional?

Diego Aguirre: A maioria está gostando. Também tem que ganhar para que continuem gostando, não? (risos). Temos um bom relacionamento, a torcida está apoiando. Eu sinto isso desde o primeiro dia.

LANCE!: Recentemente, o Jorge Sampaoli, treinador argentino da seleção do Chile, e o André Villas-Boas, técnico português do Zenit (RUS), falaram que só treinariam um clube do Brasil se o calendário fosse alterado. Você é estrangeiro e topou esse calendário...

Diego Aguirre: O calendário é horrível mesmo, precisa trocar logo.

LANCE!: Mas você aceitou trabalhar no Brasil mesmo assim, certo?

Diego Aguirre: Sim, eu aceitei o desafio sabendo de tudo isso, de todas as dificuldades. Mas isso não significa que o calendário não precisa mudar. Tem que mudar o calendário, tem que ter menos jogos. Infelizmente, eu não posso fazer nada. Eu tento resolver as coisas do Internacional, é o que eu posso fazer agora.

LANCE!: Uma das estratégias que você tem usado para lidar com o calendário ruim é o rodízio no time titular. O rodízio é uma filosofia de trabalho que ainda encontra resistência no Brasil?

Diego Aguirre: Não sei se encontra resistência. E também não é que eu gosto de fazer rodízio. Na verdade, acho que é necessário fazer rodízio quando se tem um jogo atrás do outro. Como que eu vou fazer para montar um time para jogar de três em três dias? Não tem outra maneira. Esse é o meu ponto de visto. O idea seria termos uma semana livre para trabalhar. Jogar todos os jogos com a mesma equipe seria impossível. E, se o Inter não tivesse feito rodízio, provavelmente a gente estaria fora da Libertadores. Acho que o Inter estaria fora da Libertadores se não tivéssemos jogado sempre com a mesma equipe.

Diego Aguirre tem contrato até o fim do ano com o Internacional (Charge: Mario Alberto)

LANCE!: No último jogo do Internacional na Libertadores, mais da metade do time titular era formado por jogadores da base: Alisson, William, Geferson, Rodrigo Dourado, Valdívia e Eduardo Sasha. Você sabe que isso é raríssimo no Brasil, não?

Diego Aguirre: Não é que eu gosto de jogar só com meninos... Eu dei a oportunidade e eles agarraram a chance. Joga comigo quem demonstra o melhor rendimento. Os garotos fizeram jogos muito bons e ganharam um lugar no time. Os meninos têm uma motivação muito grande para ganhar espaço.

LANCE!: Mas como está sendo lidar com tantos jovens jogadores no elenco?

Diego Aguirre: Está sendo muito legal, uma experiência incrível, espetacular. Eu sempre que posso parabenizo a categoria de base do Inter, que trabalha muito bem e que me dá uma chance de pegar os jogadores preparados. E eu gosto de trabalhar com jovens, fui técnico da seleção sub-20 do Uruguai por dois anos. O importante não é a idade, o mais importante é a qualidade, o comprometimento e a vontade de ajudar o Inter. Felizmente, os meninos estão fazendo tudo muito bem.

LANCE!: O grupo do Internacional tem muitos garotos, mas também tem diversos jogadores veteranos. E muitos deles acabam ficando na reserva...

Diego Aguirre: Os mais velhos são muito bons, são profissionais excelentes. E foram eles que deram suporte ao meu trabalho, foram eles que acreditaram em mim. Os meninos foram aparecendo aos poucos. Era importante que eles aceitassem o meu trabalho, são jogadores com experiência e eu estou muito agradecido a eles porque foram muito bons com a nossa proposta.

LANCE!: O futebol uruguaio é defensivo e muito organizado taticamente. Sentiu muita diferença para o tipo de jogo no Brasil?

Diego Aguirre: Não, não... Os jogadores do Internacional me aceitaram e me entenderam desde o primeiro dia. Eles trabalharam muito bem e se entregaram ao máximo. Então, não senti nenhum problema. Os meus jogadores entendem e tentam resolver o que nós pedimos, tentam ajudar, tentam fazer de tudo para que o trabalho dê certo.

LANCE!: Te incomodou ou ainda incomoda ouvir que o futebol do Uruguai é muito mais defensivo do que ofensivo?

Diego Aguirre: Não, até porque o Uruguai historicamente tem conseguido títulos importantes e reconhecimento mundial pelo estilo de jogo. Não é uma ofensa chamar o nosso futebol de defensivo. Ser defensivo faz parte do futebol, está dentro do regulamento. O Brasil, por exemplo, é mais ofensivo. Cada um tem a sua própria característica.

LANCE!: Você acredita que o futebol gaúcho, que também tem essa característica de ser mais defensivo, era o melhor lugar para começar a trabalhar no Brasil?

Diego Aguirre: Tinha que ser aqui. E tinha quer ser no Internacional, onde também trabalhei como jogador. Está tudo perfeito.

LANCE!: No Brasil, existe a famosa frase: "Treinador não ganha jogo, mas perde". Concorda?

Diego Aguirre: Acho que os jogadores são os principais protagonistas, mas o meu trabalho é importante também. E eu não falo só de mim, falo da minha comissão técnica.

LANCE!: Você tem demonstrado ser um técnico muito participativo nos jogos. Acha que isso ajudou a conquistar o carinho dos torcedores?

Diego Aguirre: Não sei. Eu sou parte do grupo e muitas vezes eu não penso no que eu faço em um momento de felicidade. Às vezes, com a emoção do jogo, um gol no último minuto... Fico feliz quando as coisas saem bem.

Lance!
Compartilhar
Publicidade
Publicidade