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"É hora de buscar nossa independência", diz presidente do Atlético-PR, sobre criação da liga

3 jul 2015 - 08h11
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O empresário Mário Celso Petraglia se tornou presidente do Atlético-PR por acaso, segundo ele mesmo conta. Após uma goleada sofrida pelo time, afirmou de cabeça quente para um repórter que se fosse necessário viraria presidente para salvar o clube. Um mês depois de sua afirmação ter sido publicada em um jornal, o então presidente Hussein Zraik deixou o cargo e Petraglia, então conselheiro, assumiu o clube.

Passados 20 anos, o fato é que o Atlético-PR se tornou um dos clubes brasileiros mais bem estruturados e com as finanças em ordem. O dirigente diz que seu objetivo como presidente foi investir em patrimônio, construindo um Centro de Treinamento que foi a casa da seleção espanhola na Copa-2014, e uma moderna arena que acaba de se tornar o primeiro estádio da América Latina a ter teto retrátil.

Prestes a se despedir do futebol, Petraglia quer deixar mais um legado: a liga de clubes. Nos bastidores, o dirigente está à frente das conversas que visam tornar os times independentes frente à gestão da CBF e diz que esse é o momento propício por conta da desmoralização tanto da entidade brasileira quanto da Fifa. Nesta entrevista, ele também fala de divisão de cotas de TV, da Globo, da MP 671 e do veto que impôs à imprensa em treinos e jogos do Atlético-PR.

CONFIRA O BATE-BOLA COM MÁRIO CELSO PETRAGLIA

(LANCE!) Muito se fala da criação da liga. Em que pé estão as conversas?

(Mário Celso Petraglia) Temos conversado muito, tanto com clubes da Série A quanto da B. Todos sabem que o momento é agora mas ficam apreensivos pela retaliação, pelas represálias, arbitragens. É só ver o que estão fazendo com Fluminense e Flamengo por conta da briga com a federação carioca. Aqui não disputamos o Paranaense porque não precisávamos mais disputar. Éramos roubados quase todos os anos. Por quê? Porque não compactuamos com o sistema falido, velho, superado da gestão não só da federação como de todo o futebol brasileiro. Há 50 anos, as federações ajudavam na organização em um país continental, pois não tinha comunicação. Mas hoje não serve para nada, só pra explorar os clubes.

Por que criar uma liga agora?

Momento mais propício e oportuno como esse nunca houve. Principalmente pela desmoralização do sistema como um todo, de Fifa e CBF. Todo mundo sabe como a Fifa é. Eu convivi aqui com eles no Mundial e é um bando, exigindo coisas de um país sem a menor necessidade, vendendo equipamentos só cadastrados por eles, máfia dos ingressos... Não adianta também querer consertar tudo, temos que ir lentamente. O momento agora, e que os clubes têm consciência disso, é de buscar a nossa independência.

Há muitos dirigentes que são contra a liga ou há um consenso?

Todos têm consciência que a hora é agora. À boca pequena, todos são favoráveis. Mas entre achar e fazer, infelizmente, a diferença é grande. Na reunião da CBF, quando o assunto foi comentado, o Sr. Eurico Miranda surgiu gritando “eu duvido que saia a liga neste país”. Se não sair este ano, se os clubes não se organizarem, eu encerro a discussão e dou por cumprida minha missão, pois não fará nunca mais. O presidente da CBF até ontem está preso! Que outro momento teremos como esse?

Na reunião da CBF, em junho, o senhor foi o único a colocar a liga para discussão?

Não fui o único, eu só perguntei ao presidente Del Nero como que ele via essa questão da liga nesse momento de desgaste, incertezas, pressão dos patrocinadores... E ele nem me respondeu, pois vai mexer no sistema de faturamento, de receita, de poder. Então ninguém quer mudar.

E quando ela voltará a ser discutida? Será este ano ainda?

Claro. Essa questão está só no começo mas tem que sair este ano. Mas há um momento muito importante que é a decisão da MP 671. De um lado ela fortaleceu os clubes, mas por outro lado tem o sistema de poder constituído, com bancada da bola, aqueles que não acreditam que haverá mudanças. Está todo mundo querendo, mas, como diz o ditado, gato escaldado tem medo de água fria. Quantas vezes já tentamos com CPI do Futebol, CPI da Nike, prisão deste e daquele, renúncia do Ricardo Teixeira, e tudo permaneceu do mesmo jeito? Só mudaram as figuras.

A mudança recente de dar mais poder aos clubes nas decisões das competições pode abafar a discussão da liga?

Da nossa parte não, da parte de vários clubes também não. Isso aí foi uma forma política de calar a boca liderada por clubes que estão com o chapéu na mão, como é o caso do Vasco. Por que os clubes não votam, não têm voz nas assembléias da CBF se eles falam que lá é a nossa casa? É a nossa casa mas não podemos votar. Só temos direito a voto indireto pelas federações, depois disso nada mais. Nem prestação de contas nós temos.

A saída é alterar o peso dos votos dos clubes nas federações?

Depois de 20 anos no futebol, minha opinião é fazer uma reforma na legislação do esporte brasileiro como um todo e principalmente no futebol. Não há a necessidade de reforma política, tributária e previdenciária para acompanhar o desenvolvimento do país? Então temos que ter uma reforma do desporto também.

Nessa reforma, como seria o modelo ideal para o futebol?

Não tem o que inventar, é só copiar dos grandes países. Uma coisa é acabar com a perpetuação dos dirigentes. Você conhece outro presidente do COB? Ninguém conhece. Você sabe alguma coisa que o João Havelange fez na vida a não ser presidente da CBF e da Fifa? Ninguém sabe também. Tem que mudar tudo, Lei Pelé, Estatuto do Torcedor, consolidação das leis... ou seja, modernizar o esporte e criar uma lei única para o desporto brasileiro. Ninguém sabe se o jogador de futebol é CLT ou não, se direito de imagem é salário ou não. Como pode tratar um atleta que ganha R$ 800 mil por mês igual a um operário que ganha salário mínimo? O país parou nesse aspecto.

Qual o melhor modelo para a divisão de cotas televisivas?

O clássico, mas primeiro temos que acabar com o cartel de 20 times, que antes eram 13, que tem preferências e privilégios. Se o clube está na Série A, ganha como Série A. Se cair, vai receber como time da Série B, e não ganhar mais que os outros só por interesse da TV. A divisão não é por marca. Tem que ser 50% dividido por todos, 25% por exposição, pois é justo que o clube que tem mais audiência ganhe mais, e os 25% restantes por performance e premiação. Aqui no Brasil, se investe em estrutura para ser campeão, como o Cruzeiro fez, e quando ganha leva apenas R$ 9 milhões de prêmio. Isso é um absurdo.

Precisou a polícia dos EUA atuar para provar os problemas no futebol brasileiro. Por que isso não foi denunciado antes?

Nós tentamos mudar em vários momentos. Já em 1997 trombei de frente com o sistema, tanto que derrubaram o Atlético-PR para a Série B para virar a mesa para o Fluminense. O futebol virou um grande negócio, com valores altíssimos em todo o mundo. E esses intermediários ganhando bilhões, um dinheiro que era para ser dos clubes.

Não dá para evitar isso?

Só com uma entidade representativa de classe com porte e pelo fair play entre clubes. Enquanto um clube pretende sobreviver explorando o outro, e não o negócio, não vai pra frente. É uma prática no Brasil um time tirar jogador bom do outro, e quem ganha com isso são os agentes, e não os clubes. Esperamos que chegue esse momento dos clubes se darem conta dessa realidade e façam o que tem que ser feito. Não adianta ficar chorando e esperando que alguém resolva. Aí vão para as reuniões mas não pensam no todo para aumentar o bolo, querem apenas o seu. Assim não há avanço. Não temos uma mesa para sentar. O Clube dos 13 que já era uma falácia, infelizmente acabou.

Por que o Clube dos 13 foi uma falácia?

O Clube dos 13 servia só para dividir o bolo da TV. Uma liga serve para tudo, para organizar, administrar, discutir, e não apenas para ter o “Cartel dos 13”.

O que você acha do Bom Senso?

Primeiro que os líderes são pessoas do bem e muito preparados. Temos diálogo, independentemente do time pois falo com o Alex (ex-jogador) normalmente. Há conflitos de interesse entre clube e atleta, mas tem que haver uma forma de ajustar. Estamos no século 21. O trabalho deles é de especialistas, então tem que ter uma legislação própria, uma visão do todo. Pois se não tiver clubes eles também não têm emprego. São as duas metades da laranja.

Em relação à MP 671, o que você mudaria no texto?

Como nossa situação de dívida fiscal é mais confortável, não entramos muito na discussão até para não dizerem que estamos contra ou a favor. Mas há alguns pontos que tenho insistido que conste no texto como, por exemplo, as contrapartidas. Não se pode fazer alguma coisa para não valer de novo. Esses clubes que se apropriaram desses valores de forma desonesta, pois é apropriação indébita, cresceram e melhoraram seus times em campo de maneira indevida. O governo está dando 20 anos e espero que paguem. Se não pagarem, e continuarem se beneficiando, o prejuízo é daqueles que pagaram corretamente.

O Atlético foi prejudicado por ter mantido as contas em dia?

Claro que fomos. Mas tudo bem, faz parte. O momento agora é de olhar para frente e aumentar o bolo. Somos a favor da rolagem da dívida mas com sanções, com cobranças sérias e penalizações. De dirigentes serem punidos, da possibilidade do Ministério Público intervir e fiscalizar. Mas aí não querem insubordinação. Outra coisa que querem excluir é o colégio eleitoral da CBF com integrantes das Séries A e B nas assembléias. Hoje, se elege um dirigente por quatro anos e depois não se sabe mais o que está acontecendo, quem negocia, o valor das cotas, valor de venda da TV, não sabe custo, de onde entra dinheiro e para onde vai. Só dão satisfações para as federações. E aí dão um cala-boca mensal e fica tudo por isso mesmo. Então por isso que há alguns pontos na MP 671 que me preocupei e estamos dando a nossa contribuição. Agora se vai passar ou não eu não sei, não estou acompanhando muito politicamente.

Você é a favor das sociedades empresariais?

Acho muito bom. O futuro dos clubes é se tornarem uma sociedade anônima desportiva para ter uma continuidade de poder e ação. Porque hoje, se muda a gestão e aí vem um louco e acaba com tudo, se sente dono da instituição. Os clubes têm que se preocupar com o seu futuro para não ficar vulnerável à incompetência e desonestidade de dirigentes.

Como ficou o imbróglio em relação aos custos da Arena?

Tivemos um acordo de investimento muito bem planejado dividido entre clube, prefeitura e estado. Mas a liberação da primeira parcela do BNDES demorou 15 meses e elevou os custos em 30%. Agora, temos que resolver de alguma forma, se não for de maneira política será judicial. O custo a mais é de R$ 90 milhões onde o estado e a prefeitura têm que assumir R$ 30 milhões cada. Até o momento, nós que estamos pagando a parte deles. Dos R$ 60 milhões que eles tinham que acertar, nós já pagamos R$ 20 milhões.

Você impôs limites ao trabalho da imprensa, por quê?

O veto é para as rádios. Se pagarem eles podem tudo, de graça nada. Tem que adquirir os direitos. Mas rádio é um meio que acabou, as rádios esportivas estão na reta final. Ninguém mais ouve futebol em rádio, hoje é tudo TV. Se eu pudesse também cobraria dos jornais impressos, pois vendem com as nossas matérias.

Pontos corridos ou mata-mata?

Eu sou extremamente progressista, eu olho para a frente, não olho para trás. E voltar o mata-mata é um retrocesso, me nego a discutir.

Mas tem dirigente que é a favor.

Acho que não. É que a Globo é a favor então alguns dizem isso. Mas futebol na TV aberta vai acabar, terá apenas em canais pagos. No mundo todo já é assim. Isso ocorre aqui ainda por causa da Globo, que construiu um império e tem os seus interesses.

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