PUBLICIDADE

LANCE!

'O Brasil é uma piada', diz Nelsinho Piquet, em entrevista ao LANCE!

18 ago 2015 - 08h32
Compartilhar
Exibir comentários

Nelsinho Piquet fala pouco, mas diz muito. Dono de frases curtas, o piloto brasileiro não economiza em externar o que pensa, ainda mais porque, aos trinta anos, vive o auge de sua carreira automobilística. Campeão da temporada inaugural da Fórmula E, o brasiliense já se prepara para o segundo ano na categoria. Apesar de alguns problemas na pré-temporada em Donington Park (GBR), com seu Nextev TCR, o corredor se mostra confiante na busca pelo bicampeonato.

Nelsinho Piquet comemora título da Fórmula E em Londres
Nelsinho Piquet comemora título da Fórmula E em Londres
Foto: Divulgação / FIA Formula E

Sobre as polêmicas da vida, Nelsinho não se esquiva. Apesar das ressalvas, fala abertamente do acidente proposital em Cingapura, em 2008, quando estava na Renault, e a relação com Flavio Briatore, então chefe da escuderia em seus conturbados anos de Fórmula 1. Crítico, o piloto não deixa passar batido o atual momento do Brasil. “Uma piada” é como descreve o local onde cresceu por conta da cultura nacional da corrupção, como ele mesmo afirma. Essas e outras opiniões foram dadas pelo campeão da Fórmula E ao L!. Confira:

LANCE!: Com o título da Fórmula E, você acha que está vivendo o melhor ano da sua carreira como profissional?

Nelsinho Piquet: É difícil falar, não pode se basear só pelo resultado. Tem várias outras coisas. Tive a maioria dos anos bons, mas quando ganha o campeonato, tem mais visibilidade e é mais comentado. Na Nascar, fui bem, tive um 2012 excelente. É relativo. Não dá para dizer que foi o melhor ano.

L!: Qual foi a importância do título da Fórmula E para você?

NP: Foi bom para mostrar minha capacidade, fazia tempo que não tinha oportunidade de mostrar isso. Participei de categorias complicadas, com pilotos experientes. Foi bom para mostrar para chefe de equipe, patrocinadores... A mídia no Brasil só mete o pau, ou só lembra de você quando ganha. É diferente de todos os lugares do mundo onde corri.

L!: Em uma competição em que todos os carros são elétricos e praticamente iguais, qual foi o diferencial da sua equipe para conquistar o título?

NP: Pelos carros serem iguais, deu espaço para equipes menores mostrarem potencial. Foi uma boa amostra do que a gente conseguiu demonstrar com carros iguais. Se conseguir trabalhar bem junto e for esperto, você consegue concentrar esforço e vencer corridas.

L!: Seu último título havia sido a Fórmula 3 Britânica em 2004. Tirou um peso das costas?

NP: Um pouco disso. Mas de um peso que coloco em mim mesmo. Como qualquer piloto, qualquer profissional, sempre quero ganhar. Depois de vencer um campeonato assim, é só ficar feliz.

L!: O que você espera para a próxima temporada?

NP: Tenho contrato de longo tempo com a minha equipe, a China Racing, na Fórmula E. Vou continuar. Minha prioridade é a Fórmula E. O que não for atrapalhar, dá pra fazer em paralelo. Não posso adivinhar se vou conseguir o bicampeonato, você entra na pista e ganha a corrida. Se a gente vai ter uma equipe competitiva, sei lá, espero que a gente esteja melhor do que a temporada passada.

L!: Como você enxerga o momento do automobilismo brasileiro?

NP: Tem a Stock Car, a única categoria no Brasil, que é super inflacionada, rola muito dinheiro na categoria. Se comparar com a DTM ou qualquer categoria de turismo mundial, é igual ou mais cara, não dá para entender como e o porquê. Espero que não seja uma bolha, não quebre um dia e caia. Com certeza, tem muita gente fazendo dinheiro, é uma coisa da cultura brasileira, todo mundo tentando fazer o máximo de dinheiro possível, assim como nosso governo. É impossível controlar isso. Tem a Fórmula 3 muita fraca. Tem a Renault, que não tem qualidade boa. Dá pra ter futuro na Stock Car – a única coisa que tem –, ou dá pra correr na Europa de fórmula.

L!: Na GP2, o único brasileiro é o André Negrão, que não está bem. O Felipe Massa é favorecido por um bom carro na Fórmula 1, mas está atrás do companheiro de equipe, Valtteri Bottas. O Felipe Nasr tem algumas dificuldades com a Sauber. Atualmente, você vê algum piloto brasileiro em melhor momento que você?

NP: Não gosto de comparar. A Fórmula 1 é totalmente diferente, você nunca vai achar que a Fórmula E pode ser comparada. Em certo ponto, é o início de um campeonato, daqui dois anos, quando a categoria começar a ficar mais séria, vão dar mais valor. São categorias diferentes, cada uma tem seus méritos. Não acho que a categoria que eu esteja seja muito influente. Não dão muita credibilidade, porque acabou de começar. O (Felipe) Nasr está começando agora. O Massa teve anos bons, mas atualmente está em uma sequência ruim. Nenhum piloto só tem ano bom. Pelo resultado, talvez sim, eu seja o melhor.

L!: Falando em brasileiros, o Bruno Senna segurou o Sébastien Buemi, seu principal adversário na luta pelo título da Fórmula E, na última prova e te ajudou a ser campeão. O que você sentiu quando ficou sabendo disso?

NP: Estava vendo, estava atrás. Foi um erro do Buemi que deu essa situação. Ele errou, rodou. E o Bruno não teve obrigação de deixar passar, apesar de ele estar disputando o campeonato. O Bruno deve ter pensado: “Ele rodou, agora vou deixar passar?”. O Senna foi muito bem e eu aproveitei a situação.

L!: Você falou com ele depois?

NP: Disse: “Parabéns, boa corrida, continue assim”. Nos damos bem. Não temos amizade, mas nos respeitamos. Uma vez por semana conversamos.

L!: O que seu pai falou sobre a ajuda do sobrinho de Ayrton Senna?

NP: Meu pai não é de conversar falando sobre baboseira. Ele só me falou: “Parabéns! A gente se fala no Brasil”. Ele não é tão direto, não tem muito papo furado. Meu pai não se envolve, faz as coisas dele. Nos falamos uma vez a cada três semanas, mas é em termos de alguns negócios. Sobre corrida, ele fala pouco.

L!: Você sente que o sobrenome Piquet pesa?

NP: Nunca pesou. Eu sempre me cobrei muito mais do que os jornalistas ou os fãs, nunca tive esse problema. Sempre me cobrei muito, porque nunca aceitei não ganhar, errar, estar atrás. Sempre fui igual a qualquer outro piloto, que está sempre querendo ganhar.

L!: Já com o Lucas di Grassi, a relação ruim entre vocês é clara pelas trocas de farpas pela imprensa, principalmente após ele ter dito que você o bloqueou na corrida de Mônaco. O que acontece entre vocês?

NP: Não acontece nada. Tive um problema na classificação em Mônaco. Tem gente para ser amigo, tem gente que se dá bem e tem gente que não se mistura. Não vou com a cara dele. Não preciso conhecer alguém para ter uma ideia. Quer dizer, talvez precise, mas percebi muito rapidamente que eu não me envolveria muito com ele. Não tenho nada em comum com ele.

L!: Como surgiu essa rivalidade?

NP: A gente nunca teve disputa, ele sempre andava atrás, e agora andou na frente. Competimos, porque ele estava em equipe boa. Nunca se destacou muito. Fiquei chateado com o que aconteceu em Mônaco, como qualquer piloto ficaria. 

L!: Você correu na GP2, Fórmula 1, Nascar, Stock Car, Indy Lights, Fórmula E... Qual é a sua categoria preferida?

NP: A Nascar. A categoria mais difícil para o piloto, sem dúvida. É a categoria que depende mais do piloto que qualquer outra. O corredor é que mais faz a diferença.

L!: A Fórmula E premia o melhor piloto, já que os carros são praticamente iguais. Na Fórmula 1, pelo o que vemos, o carro é muito mais importante do que o piloto. É o caso de McLaren e Fernando Alonso, que fazem uma temporada ruim. Você acha que a F-1 é injusta?

NP: Aquilo é uma competição de automobilismo, não de pilotos. Quando chega ao ponto dos carros ficarem muito diferentes, se tornam apenas carros. Infelizmente, a Fórmula 1 é assim. Não vou dizer que o piloto tem zero influência. Nos anos 70, 80, eles faziam mais diferença na ajuda e no desenvolvimento do carro. Se não tivesse um piloto inteligente, que entendesse da mecânica do carro e como melhorar, o desenvolvimento poderia demorar ou ser mais rápido. Hoje, não interessa quem pilota.

L!: Você disputou a Fórmula 1 em 2008 e 2009, defendendo a Renault. Como você analisa seus anos na categoria?

NP: A Renault estava uma b... Fiz um pódio, Fernando Alonso ficou em quinto no Mundial, e eu, em 12º. Assim que a Bridgestone (fornecedora de pneus) chegou, piorou muito. O carro não era bom o suficiente. Em 2008 entrou Alonso, mas não mudou nada. São as circunstâncias. O empresário (Flavio Briatore, que também era o chefe de equipe da Renault) não ajudava muito, tinha um companheiro de equipe muito bom. Precisava ter alguém para me ajudar moralmente, estava sozinho, com 21 anos. Foram anos difíceis. Obviamente, seria melhor se eu estivesse na melhor equipe. Você tinha como companheiro o melhor do mundo (Fernando Alonso) e um empresário duro com você, que te metia em coisas ruins. Passado é passado e bola para frente. Não fico remoendo o que acontece.

L!: O seu grande momento foi o segundo lugar no GP da Alemanha, em 2008?

NP: Em termos de resultado, sim. Demos sorte e funcionou. Subir ao pódio na Fórmula 1 é igual subir em qualquer lugar, não tem muita diferença. O segundo lugar é o segundo lugar. Queria mesmo ter ficado em primeiro, mas não deu.

L!: No GP de Cingapura, em 2008, você bateu propositalmente para beneficiar seu companheiro de equipe, Fernando Alonso, a pedido do Flavio Briatore, então chefe da Renault. Anos depois, você assumiu o ocorrido. Você se arrepende desse acontecido?

NP: Não olho para trás. Tento amadurecer. Obviamente que você com trinta, quarenta anos, tem outra maturidade do que quando tinha vinte. Então, olha para trás e se arrepende. Como vai ter cabeça naquela época? Só quando amadurece e aprende. Se eu soubesse que a escola era importante quando eu tinha quinze anos, não ficaria matando aula para paquerar as meninas. É difícil falar que a gente não pode entrar nessas. Faltou alguém para me dar um pouco de conselho. Na hora, assim, não tem como fazer essas coisas. Faltava um empresário e maturidade. Faltava alguém do meu lado.

L!: Esse dia ainda te persegue?

NP: Não. De todos os jornalistas, os únicos que falam sobre isso são os brasileiros. É coisa da nossa cultura. O mundo inteiro consegue falar de outras coisas, não tocar no assunto. Entendo que algo aconteceu, sei que eu era o cara que estava envolvido. Não tem muito o que falar. Mas a única hora que volta isso é quando os jornalistas me perguntam.

L!: O que você sente quando vê o acidente de novo?

NP: Não costumo ver o acidente no Youtube. Sei lá, não vejo. Não é uma coisa que tenho no background. Não sei a última vez que vi.

L!: Na corrida seguinte de Cingapura, você conseguiu o quarto lugar no Japão, a sua segunda melhor colocação na Fórmula 1. Como foi aquela corrida para você? Aconteceu algo de diferente?

NP: Foi uma corrida normal. Não lembro muito bem. Foi uma prova boa, por algum motivo nosso carro estava melhor. Não estava mais confiante, mesmo porque a confiança não te leva de décimo a quarto no grid. Tem carro que se comporta melhor em uma pista do que em outras.

L!: Você reencontrou o Flavio Briatore alguma vez?

NP: Nos vimos de novo várias vezes. Em algumas corridas no grid da Fórmula E, ele estava lá em diversas ocasiões. Eu o chamei para tomar café, mas ele não quis. Claro que estou sendo sarcástico. Vou falar o que com ele?

L!: Como você recebeu as críticas vindas dele na época, ainda mais sobre sua intimidade?

NP: Não tem o que falar, não tem o que pensar. Todo mundo sabe o que ele é. Vai ser preso agora por não pagar imposto, todo mundo sabe o que ele é. Ele é um nada, um cara com ego gigante. Em algum ponto, ele deve ter sido bom empresário. Se ele está onde está, é porque fez alguma coisa.

L!: Você deseja voltar futuramente para Fórmula 1?

NP: Não sonho com isso, nem penso nisso. Faço o que está aparecendo. Se aparecer DTM, estou dentro. Gosto de pilotar qualquer coisa. Se for uma situação boa, interessante, que valha a pena, eu aceito.

L!: Você já recebeu propostas para voltar para a categoria?

NP: Precisa ter um cheque de dez milhões para correr na Fórmula 1. É injusto, mas, bom, é a crise da economia no momento. Na minha época, quando um piloto pagava para correr, eram dois milhões no máximo. O Banco do Brasil está enchendo o Felipe Nasr de dinheiro, não entendo o porquê.

L!: Você já recebeu patrocínio do governo?

NP: Nunca quis me meter com coisa governamental, é tudo corrupto. O mundo inteiro zoa o Brasil, qualquer notícia o mundo zoa. Lógico que companheiros e o pessoal da equipe comentam sobre as notícias de corrupção. Em qualquer lugar todo mundo sabe que o Brasil é uma piada. O pessoal rouba dinheiro como se fosse bala. É o Brasil, infelizmente. Adoro meu país, a cultura, a música, a comida, mas, infelizmente, não posso falar muito da política, apesar de entender pouco. Meus amigos mesmo, alguns do Banco Central, que me contam.

L!: O que você está achando da temporada atual da Fórmula 1?

NP: Não estou acompanhando. Vejo só às vezes o resultado pelo computador. Todo mundo sabe que o (Lewis) Hamilton vai ganhar antes da corrida começar. Como piloto, não tenho muito o que ver. Nenhum piloto gosta de acompanhar.

L!: O que ainda falta na sua vida profissional?

NP: Nada. Só quero correr, estou feliz, quero fazer minhas amizades. Quero continuar correndo por muitos anos. O importante é ter uma carreira prolongada, de maneira saudável, uma carreira que seja legal.

Lance!
Compartilhar
Publicidade
Publicidade