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Repleto de bizarrices, Paulistão feminino reflete abandono

4 jul 2015 - 07h35
(atualizado às 11h11)
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Neste domingo a bola rola para a final da Copa do Mundo feminina de futebol, entre Estados Unidos e Japão, no Canadá. Paralelamente, o Campeonato Paulista (principal estadual da categoria) acontece aos trancos e barrancos. Oficialmente, a Federação Paulista (FPF) considera o torneio como amador. “Amador”, no entanto, é apelido carinhoso para uma competição disputada sob condições tão precárias.

Campeonato Paulista Feminino 2015 tem muitas histórias que mostram problemas da modalidade
Campeonato Paulista Feminino 2015 tem muitas histórias que mostram problemas da modalidade
Foto: ivulgação

De acordo com súmulas (confirmadas via dirigentes, técnicos e até jogadoras ao LANCE!), há ausência de auxiliar-técnico, preparador físico e até médico em algumas partidas. Redes de gol rasgadas são registradas aos montes. Atraso no início de jogos, vestiários sem chuveiros e estádios sem energia elétrica também marcam presença.

"Eu me assustei muito. Na minha primeira passagem, isso (atenção das federações aos campeonatos) era realizado de maneira muito boa, fazíamos jogos em estádios. Hoje jogamos em campos menos estruturados. Em contrapartida nos deu ânimo para brigar para recolocar o futebol feminino onde ele não poderia deixar de estar. Ele tem de ter a mesma importância do masculino", afirmou Cléo Prado, diretora de futebol feminino do São Paulo, clube que reativou o time feminino em 2015.

O São Paulo, graças à sua infraestrutura, ainda pode se gabar. Clubes de menor expressão sofrem ainda mais para dar sobrevida às jogadoras. O América de São Manuel é caso emblemático. Sem recursos, se viu obrigado a abandonar o Estadual.

"Temos um elenco de 16 ou 17 jogadoras, mas a maioria não pode jogar aos fins de semana. Elas não ganham nem mil reais no futebol, então precisam trabalhar em outras coisas. Algumas são professoras, trabalham em posto de gasolina, hospital. A Prefeitura ajuda com logística, médico em jogos, essas coisas, mas financeiramente não", disse Edson Castro, técnico do América.

A CBF, cobrada pela Fifa para aumentar investimento no futebol feminino, promoveu no primeiro semestre de 2015 a Seleção Permanente, reunindo 27 jogadoras para treinarem em Teresópolis e se preparar exclusivamente para a Copa do Mundo e os Jogos Pan-Americanos.

Tal medida não foi vista com bons olhos pelos clubes nacionais. Emily Lima, técnica do São José EC (atual campeão mundial), ex-jogadora e ex-treinadora das categorias sub-15 e sub-17 da Seleção Brasileira, lamentou a desigualdade na categoria.

"Tiraram completamente brilho e importância da modalidade no Brasil e se preocuparam só com a Seleção. Atletas de nível de Seleção saíram dos clubes", lamentou Emily.

"Lutamos para provar que somos uma realidade, mas o discurso é sempre outro. O lado B da vitrine é diferente. O estoque é que tem que ser olhado. Futebol feminino é isso, meu chapa", completou Edson Castro.

AS BIZARRICES DO PAULISTÃO FEMININO

Time incompleto

Logo na primeira rodada, o América de São Manuel entrou em campo com apenas oito jogadoras. Duas se lesionaram e o jogo precisou ser encerrado.

E a bandeirinha?

Pela segunda rodada, antes do jogo Centro Olímpico x São José, o árbitro identificou redes dos gols soltas e falta de bandeiras de escanteio. As redes foram presas, mas só três bandeirinhas foram colocadas.

Bolas diferentes

Jogo São José x São Paulo, pela terceira rodada, teve bolas de duas empresas diferentes.

Cronômetro errado

Duelo entre São José e Taubaté foi encerrado aos 42 minutos da etapa final por causa de um problema no cronômetro. Após alerta dos auxiliares, o jogo foi retomado dois minutos depois.

Cadê o adversário?

O duelo entre Guarani e Ferroviária não aconteceu. Árbitros chegaram ao CT do Guarani às 13h e fizeram vistoria no estádio (grama alta, sem demarcações, sem redes, sem bandeiras, vestiários trancados e funcionário pintando o banco de reservas). Ferroviária chegou às 14h10. Guarani não compareceu, pois havia enviado ofício à FPF pedindo para jogar em Águas de Lindóia. A FPF, por sua vez, não acatou o pedido pois o clube demorou a se manifestar. Ferroviária venceu por W.O..

Irrigação maluca

O sistema de irrigação foi ligado durante partida entre Ferroviária e Francana. Jogo foi paralisado três minutos.

Ônibus quebrado

Ônibus do Guarani quebrou, e só 11 jogadoras conseguiram chegar, de van, à partida contra o XV de Piracicaba. O juiz relatou 40 minutos de atraso. O clube alega “só” 20 minutos.

CAMPEÃO MUNDIAL SOFREU DESMANCHE

Um dos clubes mais prejudicados com a criação da Seleção Permanente foi o São José EC. A equipe, em 2014, foi campeã da Libertadores e do Mundial de Clubes. Não à toa, oito de suas jogadoras foram convocadas pela CBF para os treinamentos em Teresópolis no começo de 2015. A treinadora Emily Lima chegou ao clube com a missão de reformular o elenco.

"É reformulação total. Saíram dez jogadoras da equipe atual campeã do mundo. É bastante complicado, mas acredito que agora no segundo semestre vamos estar melhor preparadas. O primeiro semestre foi mais de adaptação, até com as novas atletas que chegaram. Agora vamos consolidar o trabalho", afirmou a técnica, dona da segunda melhor campanha do Grupo 2 do Paulistão, à frente do Santos, por exemplo.

Emily era treinadora das categorias de base da Seleção quando a ideia de criar uma seleção permanente veio à tona. Ela garante ter sido contra desde o início:

"Eu sugeri para eles que, já que queriam trabalhar com as atletas no Brasil (tinham medo das jogadoras irem para clubes do exterior), trouxessem as atletas de fora (casos de Marta e Bia) e a própria CBF bancasse essas atletas nos clubes, em atividade", comentou.

"Penso que eles (comissão técnica da Seleção) não utilizam tantas jogadoras nos treinos. Se não houvesse a Seleção Permanente, elas estariam jogando nos clubes, todas estariam em ritmo de jogo. E não só treinando. É lógico que tem o lado positivo deles... Com a Seleção Permanente, eles trabalham da maneira que acham correta, o que poderia não acontecer nos clubes. O aspecto positivo deles é ter o grupo com mais tempo de entrosamento", completou.

Ex-jogadora, Emily viveu seu auge na década de 90. Desde então, a Seleção Brasileira viveu, basicamente, de duas gerações, comandadas por Sissi e Marta. Dentro de alguns anos, veteranas como Formiga, Cristiane e a própria Marta se aposentarão. O Brasil está pronto para se despedir de tal geração?

"Hoje não. Com a entrada do Marco Aurélio Cunha com a ideia de colocar o futebol feminino em atividade nas escolas, nas universidades, vai ajudar bastante. O trabalho da CBF como trabalho de base sozinho não vai ajudar muita coisa. Precisamos de base nos clubes. A CBF tinha de se reunir com o Ministério do Esporte e fortalecer a base dos clubes. Hoje, de imediato, saindo essa geração, vejo um quadro delicado e preocupante", disse.

SÃO PAULO E SANTOS VOLTAM À ATIVA

Em meio a equipes “desconhecidas” e outras em decadência, o Campeonato Paulista feminino tem como destaques clubes de expressão nacional. São Paulo e Santos estão fazendo bonito no Estadual: respectivamente, primeiro e terceiro colocados no Grupo 2.

O Tricolor do Morumbi reativou o time feminino em 2015 e, em parceria com a Prefeitura de Barueri, não tem nenhum gasto. Na década de 90, Sissi e Katia Cilene brilhavam com a camisa do São Paulo.

"No futebol feminino, independente de ter camisa para se ter um bom trabalho. Há clubes aí que fazem trabalho tão profissional quanto o nosso", falou Cléo Prado, diretora da modalidade no clube, lembrando São José, Audax e Ferroviária, por exemplo.

O Santos (que já contou até com a camisa 10 Marta no passado) reativou seu time feminino com a gestão de Modesto Roma Júnior.

"Vejo um momento de crescimento do futebol feminino e acho que vai evoluir muito com o apoio de clubes como Santos e São Paulo", disse Natane, lateral santista.

'MURO DAS LAMENTAÇÕES'

Marco Aurelio Cunha, conselheiro vitalício do São Paulo, assumiu o cargo de diretor de futebol feminino da CBF em maio. O dirigente defendeu a Seleção Permanente como medida paliativa. Ademais, ele reclamou daqueles que supostamente criticam a modalidade e "nada fazem" para melhorá-la. 

"A Seleção Permanente é uma necessidade para a gente, não é o melhor num contexto amplo, mas foi a alternativa que vimos para poder ter algumas atletas aqui no Brasil reunidas de uma forma mais frequente em alto nível de treinamento. Nossos clubes perdem potencial, é verdade. Mas pelo menos as atletas estão treinando próximo de nós. Se não houvesse a Seleção Permanente, teríamos perdido jogadoras para o exterior como aconteceu com a Bia e a Marta (jogam na Coreia e na Suécia)", afirmou.

"Assumi esse cargo pois acredito que é viável incentivar o futebol feminino, me entusiasmo falando sobre isso. Mas a gente só ouve crítica, é um “muro das lamentações” o futebol feminino. Muita gente se queixa e pouca gente faz. Heroínas do passado reclamam de reconhecimento, quem organiza competições reclama de falta de ajuda...", completou.

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