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Lutas Olímpicas

Israelense, judoca lembra adeus a Brasil e adaptação à nova nação

22 fev 2014 - 13h12
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<p>Camila Minakawa decidiu deixar a Seleção Brasileira e competir por Israel</p>
Camila Minakawa decidiu deixar a Seleção Brasileira e competir por Israel
Foto: Arquivo Pessoal

Camila Minakawa era uma das judocas mais promissoras da Seleção Brasileira. Em 2012, a paulista chegou a fazer parte da equipe de apoio que auxiliou na preparação dos atletas que disputaram a Olimpíada de Londres. Atualmente, entretanto, a judoca defende outra bandeira. Há quase um ano, Camila, 23 anos, optou por trocar Brasil por Israel, nação em que vive, busca adaptação e enfrenta alguns "perrengues".

De origem japonesa e judaica, Camila cresceu em meio ao judô (seu pai, Edison, é árbitro internacional, e sua mãe, Miriam, dá aulas no clube Hebraica) e optou por assumir a nacionalidade israelense após convite do treinador Shany Hershko. Isto significou se distanciar da família e dar adeus ao Brasil.

"Por ter lutado pela Seleção, você assina um documento que nunca mais vai poder competir pelo Brasil. Foi chocante, mas hoje em dia é estranho pensar. Estou tão acostumada com a ideia de ser israelense e lutar por Israel que a mudança foi completa já", disse Camila em entrevista ao Terra.

Hoje ela mora em Netanya, cidade litorânea de Israel em que treina a seleção de judô. Após quase um ano no país, a atleta já fala um pouco de hebraico e se acostumou a problemas, como ter chegar cedo aos aeroportos do país quando viaja com a equipe nacional, já que, como se mudou há pouco tempo, não deveria sair tanto.

"No primeiro ano, teoricamente, a pessoa não pode sair. Um cidadão normal não pode sair, então sempre me faziam perguntas", contou Camila. "Como já falo hebraico, não me enchem tanto o saco", disse a judoca, sobre sua situação atualmente.

Confira a seguir a entrevista com Camila Minakawa:

Terra - Como está sua vida em Israel? Está completamente adaptada?

Camila Minakawa -

Em março vai fazer um ano que estou aqui. Agora que eu estou me adaptando mais. Foi uma mudança bem grande. Mudei sozinha, meus pais ficaram no Brasil. Sem contar a cultura diferente, a língua. Agora estou conseguindo me virar um pouquinho com hebraico, que é bem difícil. Não tem nenhuma relação com o português, o inglês ou qualquer outra língua latina. Agora depois de um ano estou me adaptando. Já estou me sentindo em casa. Moro eu e um dos meninos do judô, o Or Sasson, dividimos um apartamento. Conheci-o de competições. Nos primeiros dois meses fiquei morando no centro de treinamento e nós dois estávamos procurando um lugar para morar. Agora estamos morando juntos há quase dez meses. Falo que ele é meu irmão, é o mais próximo que tenho de família aqui.

Camila Minakawa foi com a Seleção à Olimpíada de Londres e participou da equipe de treinos
Camila Minakawa foi com a Seleção à Olimpíada de Londres e participou da equipe de treinos
Foto: Allan Farina / Terra

Terra - Já domina o idioma ou sabe só algumas palavras?

Camila Minakawa -

Quando cheguei não sabia nada, não estudava em colégio judaico. Logo que decidi vir, minha mãe encontrou uma professora para pelo menos saber as letras, não chegar aqui perdida. Mesmo assim não funcionou muito (risos). Foi um pouco difícil, um choque. As meninas falam em inglês, mas quando sentam pra comer, falam em hebraico. Elas me ajudaram bastante, me ajudaram a aprender na marra. Agora estou conseguindo me virar, faço compras, falo em supermercado.

Terra - Fala um pouco sobre Netanya. É uma cidade tranquila?

Camila Minakawa -

É praia. Tudo aqui é perto, moro a vinte minutos de Tel Aviv. Netanya é uma cidade menor, de praia, mas é bem tranquila para viver. Estou acostumada a morar em São Paulo, aqui é uma calmaria. Não tem trânsito, é bem tranquilo. O bairro em que a gente mora é praticamente só casa, moramos a cinco minutos da praia. Para quem morava em São Paulo, é como se mudar para o interior. A gente treina em um instituto chamado Wingate, que também é uma faculdade. É onde alguns dos esportes das seleções de Israel treinam. Como centro de referência de esporte, é um dos mais fortes.

Terra - Você já passou por alguma situação complicada em Israel por conta de segurança? Algum problema no aeroporto ou em um posto de controle do exército?

Camila Minakawa - 

Já. Como eu não falava hebraico, para sair do país sempre era complicado. A equipe sempre tinha que chegar meia hora antes por minha causa. O passaporte é diferente pra quem faz a Aliá ("subida" na tradução literal, movimento que caracteriza a mudança de judeus de outros países a Israel). No primeiro ano, teoricamente, a pessoa não pode sair. Um cidadão normal não pode sair, então sempre me faziam perguntas. É outra situação, outra realidade. Não tem violência de rua aqui, mas tem o perigo sempre meio iminente de guerra. E é difícil ter mistura de judeu com japonês. Não é uma característica comum. O povo japonês é uma comunidade bem fechada, assim como a judaica. Como já falo hebraico, não me enchem tanto o saco.

Tendência?
Getty Images

Camila não é a única judoca nascida no Brasil que compete por outros países. Durante o Mundial do Rio de Janeiro, outros seis atletas viveram a mesma situação: Nacif Elias (Líbano), Taciana Lima (Guiné-Bissau), Sergio Pessoa (Canadá), Hernan Birbier (Argentina) e Moacir Mendes (Uruguai).

Os motivos para as naturalizações vão de atletas que cresceram já em outros países, como Pessoa (acima), a ofertas de projetos olímpicos, como o caso de Camila. Para a Confederação Brasileira de Judô (CBJ), entretanto, isto não deve ser considerado como uma tendência.

"Outras modalidades vivem isso. O tênis de mesa mundial é um campeonato chinês. Não acredito que o judô chegue a isso, mas acredito que possa ter um ou outro atleta que siga esse caminho. Não tenho sido procurado como algo que preocupe a federação", explica o coordenador técnico Ney Wilson Silva.

Terra - Quais foram seus principais motivos para decidir trocar Brasil por Israel?

Camila Minakawa -

Na realidade eu tenho essa relação com Israel bem antiga. Em 2005 eu joguei os Jogos Macabeus (evento esportivo que envolve países com comunidades judaicas), então já conhecia técnicos, as meninas, e por ser um país muito pequeno, as mesmas pessoas que estavam naquela época foram se mantendo. Comecei a viajar no Junior pelo circuito europeu e ia encontrando. Fui treinar duas vezes a convite da Federação de Israel. Até o final de 2011, eu lutei no -63 kg, depois baixei e fui para a Seleção Brasileira lutar em Moscou no -57 kg. O -63 kg em Israel é muito forte. Tinha uma menina que foi a única israelense Londres e hoje é campeã mundial, a Yarden Gerbi. Como eu tinha baixado de peso, o treinador (Shany Hershko) veio, conversou comigo e me perguntou se eu já tinha pensado em me mudar para Israel. Se eu tivesse pensado um ano e meio atrás, eu falava "imagina se eu ia mudar do Brasil". Aí ele veio, conversou comigo, o tempo foi passando, amadureci a ideia, ele manteve o contato. Aí no final de 2012 ele convidou minha mãe e eu para conhecer a estrutura as condições que eu realmente ia ter. Aí eu vim, me ofereceram bolsa de estudo, condições que para um atleta vejo ideal. Tem fisioterapia, psicólogo, nutricionista...

Desde o começo o treinador dizia que estava apostando em mim. O que me marcou muito foi quando ele perguntou o que eu faria se fosse uma jogadora de futebol ou de basquete com convite de jogar fora. Às vezes, por um sonho, um ideal, tem que abrir mão de algumas coisas. Sem contar que em uma mudança eu tenho a experiência de morar sozinha, longe da família, o que está sendo bem interessante. Não só como atleta, como pessoa, está sendo bem engrandecedor.

Querendo ou não, por ter lutado pela Seleção, você assina um documento que nunca mais vai poder competir pelo Brasil. Foi chocante, mas hoje em dia é estranho pensar. Estou tão acostumada com a ideia de ser israelense e lutar por Israel que a mudança foi completa já.

Terra - Durante o Mundial você chegou a comentar sobre a diferença de condições entre os dois países, mas o judô brasileiro é bastante elogiado por conta da sua estrutura. Você viu alguma diferença realmente significativa na estrutura esportiva?

Camila Minakawa -

Teve uma diferença, porque no Brasil as pessoas treinam cada um em seu clube. Tem alguns encontros durante o ano em que a gente usa a estrutura da Confederação, mas normalmente a rotina é treinar em seu clube. Aqui a seleção treina a semana inteira junto. Eles fazem uma divisão, claro, a campeã mundial não tem as mesmas condições que a menina que é juvenil e acabou de entrar. Eles dividem, mas todos os atletas que têm resultado têm direito a fisioterapia, nutricionista, fisiologista, tudo o que for necessário para a  vida de um atleta profissional. Tudo no mesmo lugar. Na Hebraica não tinha outros atletas de seleção. Aqui treino só com mulheres, então tem uma gama de meninas com resultados de alto nível. Então vejo que foi uma mudança positiva.

Terra - Você tinha uma concorrência muito forte no seu peso no Brasil. O Brasil tem duas atletas no top 10 do ranking mundial, a Ketleyn Quadros e a Rafaela Silva. Isso contribuiu para sua decisão de competir por Israel?

"Estou tão acostumada com a ideia de ser israelense e lutar por Israel que a mudança foi completa já", disse Camila
"Estou tão acostumada com a ideia de ser israelense e lutar por Israel que a mudança foi completa já", disse Camila
Foto: Arquivo Pessoal

Camila Minakawa -

Ajudou. Eu sabia que no Brasil para eu ter uma chance de participar e ir a uma Olimpíada, ou mesmo um Campeonato Mundial, seria difícil. O meu objetivo, além de estar na Olimpíada, é estar nos grandes eventos de judô, e eu sabia que no Brasil ia ser difícil. Pela posição que as duas estão, sabia que a oportunidade para poder ir e ter resultado, ia ser difícil. Isso acabou também ajudando.

Terra - O seu pai faz parte da história do judô brasileiro pelo trabalho como árbitro. Como foi a conversa com ele quando você decidiu deixar de competir pelo Brasil?

Camila Minakawa -

Eu achei que ia ser mais difícil, porque desde pequena quem ensinou judô foram minha mãe e meu pai. Eu até achei que ele fosse ficar um pouco decepcionado por estar querendo sair e treinar com outra pessoa, mas foi o contrário. Ele me apoiou desde o começo, desde que eu falei sério para ele. Ele me apoiou e como sempre acabou embarcando comigo no sonho. Não teve vaidade nenhuma, me apoiou e achou que mudança ia ser boa para mim. Podia ser que eu viesse, não me adaptasse e não teria volta. Como ele é arbitro, de vez em quando a gente acaba se encontrando, então a gente torce para se encontrar.

Terra - Como foi para você lutar no Brasil e depois enfrentar uma brasileira, como quando você enfrentou a Ketleyn Quadros no GP de Almaty?

Camila Minakawa -

No Mundial eu fiquei muito animada, porque foi a primeira vez que voltei para o Brasil. Pensei até que ia ser estranho, as pessoas do judô me conhecem, achei que ia ter algum preconceito por ter saído. Foi pelo contrário. Senti que estavam torcendo por mim assim como estavam torcendo pelos brasileiros. Tinha uma energia, uma sensação muito boa de lutar no Brasil. Não me senti como uma estrangeira, uma rejeitada. Senti que as pessoas estavam felizes por mim. E quando se luta contra brasileira vou te falar que é normal. Assim como estou lutando em eventos internacionais, já lutava em eventos nacionais. O meu relacionamento com as meninas da Seleção ainda é muito bom. Elas me apoiam. Cada um tem direito a suas escolhas e de correr atrás daquilo que acredita. Eu mantenho contato, quase todas as semanas a gente se fala, continua a mesma coisa.

Fonte: Terra
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