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História do surfista cego que encarou Pipeline inspira documentário

10 nov 2012 - 10h40
(atualizado às 10h50)
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Cleide Klock
Direto de Honolulu (Havaí)

Quem já tentou se equilibrar em cima de uma prancha sabe o que significa ao pé da letra a arte do surfe: equilíbrio, concentração, agilidade e o olho na onda para conseguir encará-la no instante exato. Mas, um brasileiro tem mostrado ao mundo que esse olho atento pode ser substituído pela força de vontade, pela coragem de enfrentar desafios e por um relacionamento de confiança com o próprio oceano: Derek Rabelo, um capixaba de 20 anos, deficiente visual, faz no mar o que muitos jamais arriscariam. Praticando surfe há apenas três anos, no início de 2012 ele deslizou nas temidas ondas de Pipeline, no Havaí. A história de Derek inspirou o documentário Além da Visão, dirigido por dois cariocas que moram no Havaí, Bruno Lemos e Luiz Werneck, com previsão de lançamento para maio de 2013.

No primeiro encontro, os cineastas tinham a ideia de fazer um pequeno vídeo de oito minutos. Depois, o projeto cresceu para 20 minutos e agora o filme deve ter 70 minutos de produção. "No início era para ser apenas a história do Derek, mas começamos a ver que teria que ser a história dele como deficiente visual. As dificuldades que ele tem os outros cegos também têm. E notamos que nós que enxergamos estamos muito distantes da realidade do deficiente visual", diz o diretor Luiz Werneck.

"Por isso fomos conversar com músicos, para saber como é o ouvido humano, o que isso influencia no nosso dia a dia, entrevistamos o Evandro Mesquita (que é músico e surfista), o Gabriel Pensador, músicos da orquestra sinfônica de Honolulu, outras pessoas famosas e fãs anônimos do Derek que viam ele na rua para também ouvir a perspectiva do povo", completa o também diretor Bruno Lemos. O documentário reúne depoimentos feitos no Brasil e também nos Estados Unidos, além de todas as imagens feitas em Pipeline, em fevereiro.

No Havaí, o brasileiro foi a sensação da imprensa local, que destacou a coragem do garoto brasileiro cego que encarou uma das ondas mais perigosas do planeta. O destaque foi registrado como o do primeiro deficiente visual a deslizar numa prancha nessa tão temida parte do oceano: cheia de corais e cavernas no fundo, que faz vítimas a cada temporada. "Eu moro aqui há 20 anos e o lugar que menos surfo é em Pipeline. Primeiro porque tem muita gente e também porque sei que é um lugar que é raso, você se machuca, quebra a prancha. Então, a onda que o Derek pegou (de aproximadamente dois metros) eu acredito que não seja muito fácil, talvez eu mesmo não tenha pego uma onda tão boa ou tão grande quanto a que ele pegou aqui", diz Bruno Lemos. Nas entrevistas que estão no trailer do filme é possível ver outros depoimentos sobre como é vista Pipeline por surfistas profissionais e de ondas grandes. "Pipeline é simplesmente a onda mais casca grossa do mundo", resumiu César Oliveira.

História de Derek virou documentário (Foto: Divulgação)

História do surfista Derek Rabelo inspira documentário
História do surfista Derek Rabelo inspira documentário
Foto: Divulgação
Um pouco mais de Derek

O próprio nome do jovem capixaba traçou o seu destino. Ele ganhou o nome de Derek porque. no ano em que nasceu, o havaiano Derek Ho despontava pelas ondas e pódios do mundo. Em 1993, Ho foi campeão mundial. O pai de Derek, Ernesto Rabelo, sempre acompanhou o esporte e pratica até hoje. Porém, a grande surpresa ocorreu no nascimento: ele tinha glaucoma congênito. Passou por três cirurgias, a primeira aos 21 dias de vida, mas não foi possível fazê-lo enxergar.

Mesmo "no escuro" nada impede Derek de iluminar sua vida com emoções. "Eu ando de bicicleta, de patins, skate, vou para a academia. Agora comecei a fazer faculdade de Educação Física, estou na primeira fase e escolhi essa carreira porque acho que tem muito a ver com minha vida de esportista", conta ele. que junto com seu treinador Fábio Maru viaja todos os dias 60 km para chegar até a universidade.

Quanto a experiência em Pipeline, ele diz apenas que é "indescritível". E, ao contrário de nós que sempre queremos descrever as cores e formas do lugar, ele fala no poder dos outros sentidos, no próprio sentir, que muitas vezes nem lembramos que existe. "Quando a gente chega no Havaí, consegue perceber que o ar é mais puro. Quando pisa na areia, sente o quanto as praias são preservadas. A 'vibe' é diferente".

E pergunto: falam tanto do perigo daqui, das mortes que acontecem a cada ano, não ficou com medo? "Acima do medo vem o respeito pelo mar e sou confiante, deixo o medo de lado e vou pela fé. Eu dentro da água me sinto em casa, no meu quarto", fala ele pelo skype. Ao fundo, não param de chegar mensagens em áudio de amigos que deixam recados para ele nas redes sociais. É assim, com um software que lê o que está na tela, que Derek surfa também pela internet.

O desafio é em dupla e os fãs são profissionais

Outra peça-chave dessa história é o treinador Fábio Maru, que é também quem entra sempre na água com Derek e o leva até o final da arrebentação. Dono de uma escola de surfe em Guarapari (ES), conta que há três anos um dos seus funcionários veio correndo avisá-lo que um aluno 'que tinha um problema' queria ter aulas.

"No começo pensei que estavam de sacanagem comigo. Como que um cara cego queria pegar onda? Quando cheguei lá vi o Derek já mexendo nas pranchas e parafinas, todo agitado. Falei com ele, de primeira achei que era uma loucura, mas parei para pensar e cheguei à conclusão que o máximo que poderia acontecer era eu não conseguir ensiná-lo", conta Maru.

A partir daí, ele começou a desenvolver técnicas de tato e linguagem para que Derek aprendesse a surfar. "Antes disso, não tinha contato com outro deficiente visual, foi tudo muito novo. Até hoje todo dia é um desafio e uma troca de conhecimento, eu aprendo muito mais com ele que ele comigo. Com ele aprendi que o surfe é mais que esporte, é inclusão social , alegria. Foi através do surfe que ele fez mais amizades, a alegria que viver hoje também é o resultado da prática do esporte".

Derek já surfou com alguns dos nomes mais importantes da elite mundial, como Kelly Slater, Carlos Burle, Makua Rothman, Jackson André, Mineirinho e Gabriel Medina. Derek Ho também participa do documentário. Todos viraram fãs de carteirinha de Derek, o brasileiro.

Os sonhos de Derek e Maru agora também se misturam. Os dois pretendem - e treinam para isso - para um dia ir à Indonésia surfar. Ou ir mais além. "Estamos treinando com o Carlos Burle para quem sabe fazer um tow-in (quando se usa o reboque de um jet-ski para chegar na onda) em Jaws", disse Maru. Jaws é conhecido como um dos locais de maiores ondas do mundo, que podem chegar a 21 metros de altura, em Maui, também no Havaí.

Ainda existe a vontade de ir para as Olimpíadas e tantos outros desejos. "Se eu começar a falar para você dos meus sonhos, não vou parar mais. Tenho mais de 100, fácil", conta Derek. Um dos projetos à curto prazo é voltar para Pipeline no final deste ano para surfar durante a última etapa do campeonato mundial.

"A gente está bolando um final para o documentário que tem que ser emocionante, estamos tentando trazer com o Derek e também os pais dele para Pipeline", comenta Bruno Lemos. Mas, tanto para essa vinda quanto para a finalização do filme, Derek e os diretores estão ainda em busca de patrocínio.

Derek encarou algumas das ondas mais difíceis do mundo (Foto: Divulgação)

Fonte: Especial para Terra
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