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Presidente do Palmeiras: fizemos lição que falta ao governo

16 fev 2016 - 09h00
(atualizado às 10h25)
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Paulo Nobre: Minha renda fixa sempre foi o fundo Verde, do gestor palmeirense Luis Stuhlberger
Paulo Nobre: Minha renda fixa sempre foi o fundo Verde, do gestor palmeirense Luis Stuhlberger
Foto: Cesar Greco/Ag. Palmeiras/Divulgação / O Financista

“A frase que vai marcar a minha gestão é: ‘A maior malandragem no futebol é ser honesto’, porque assim você acaba atraindo um monte de outros negócios.” A afirmação é do presidente do Palmeiras, Paulo Nobre, que contou a O Financista como suas raízes como investidor agressivo no mercado financeiro contribuíram para que o clube que administra hoje possua a camisa mais valiosa do futebol brasileiro.

Presente no clube desde 1983, quando virou sócio, Nobre se dedica totalmente ao Palmeiras e está em seu segundo e último mandato como presidente. Além da experiência com ações, ele passou também pelo automobilismo como piloto de rali e, é claro, pela arquibancada, fazendo parte até de torcida organizada. “A parte legal do dirigente é a que você vê de um iceberg fora d’agua. Os 90% que estão dentro e você não vê são a parte do dia a dia do dirigente”, disse Nobre, durante a conversa ocorrida na Academia de Futebol da Sociedade Esportiva Palmeiras, no início de fevereiro.

Quando questionado sobre a situação do Palmeiras quando assumiu  — o time em frangalhos e na segunda divisão pela segunda vez em dez anos —, Nobre não fala de números. “Nem melhor nem pior. Eu sabia que a situação era péssima e não fiquei tentando fazer juízos de valores. De que adianta?”.

Os anos de 2013 e 2014 foram de implantação de conceitos empresariais e ajuste nos gastos. Um remédio difícil de engolir que desagradou a torcida. “Todo trabalho que foi feito em 2013 e 2014 foi um remédio muito amargo. É o que a gente tanto cobra do governo federal.” Lição de casa que envolveu empréstimos de seu próprio bolso para bancar algumas despesas do clube. “Era para pagar conta de luz, conta de água, o dia a dia, salário de jogadores. Era para o Palmeiras não parar.”

Sob tal contexto, Nobre não se preocupa em entrar para história com um grande mandato. “Você só vai ser reconhecido no presente se você tiver sucesso esportivo. Mas não se preocupe com isso, faça o melhor possível e dê condições para o time ganhar. Se ganhar, ótimo; se não ganhar, ótimo também. Por que se você fez a lição de casa e não ganhar esse ano, vai ganhar ano que vem. Não tem como. Água mole em pedra dura...”

Mesmo assim, o presidente palmeirense ressalta a volatilidade do futebol. “Por mais volátil que seja o mercado das empresas, ela é irrelevante perto da volatilidade do futebol”, afirma. “Um time que deve R$ 160 milhões consegue vender um garoto da base por 40 milhões de euros. Pronto, recuperou tudo. Como avaliar essa volatilidade? Pode surgir um rapaz de custo zero e você vendê-lo por R$ 160, R$ 170, R$ 200 milhões. Acontece no meio do futebol. Isso é o imponderável.”

Durante a conversa, o presidente do Palmeiras falou sobre sua vida como investidor, o apetite por risco e adrenalina, e revelou que o fundo Verde, sua "a renda fixa", gerido pelo renomado Luis Stuhlberger, se chama assim devido ao clube de coração do gestor.

Veja, a seguir, a conversa de O Financista com Paulo Nobre:

O Financista: Como era a situação do Palmeiras quando o senhor assumiu a cadeira de presidente e como está o Palmeiras hoje? De onde veio a vontade de ser presidente do clube?

Paulo Nobre: A vontade de ser presidente eu tenho desde que eu me conheço por gente. Eu queria ser jogador de futebol e depois ser presidente do clube. Jogador de futebol percebi que não tinha condição na adolescência e entrei para política do clube na primeira oportunidade que o estatuto me permitiu. Virei conselheiro. A verdade é que é muito gostoso ser torcedor e é muito chato ser dirigente. O torcedor só vê a parte do iceberg fora d’agua. Os 90% que estão dentro d’agua são a parte do dia a dia do dirigente.

Se o Palmeiras estivesse bem, a coisa mais gostosa seria estar na arquibancada torcendo e curtindo o time. O problema é que, ao lado de um grupo, notamos que a administração do Palmeiras tinha parado no século 20. Não entrou no século 21. O Palmeiras começou a patinar e sempre dentro do mesmo modelo. Um modelo que talvez nos anos 1970 fosse top de linha, nos anos 1990 não fosse mais tão bom, e no século 21 era uma coisa totalmente arcaica. O Palmeiras experimentou dois rebaixamentos em dez anos. Um clube centenário, o maior vencedor de títulos nacionais da história.

Percebemos que quem tentou fazer diferente fez num populismo que quebrou o clube. Há pessoas que vendem uma imagem para o mercado de serem pessoas super avançadas, inovadoras e quando têm a oportunidade de presidir o Palmeiras só criaram uma bolha irreal. Adiantaram receitas de gestões futuras para criar um Palmeiras irreal. Se fosse campeão, teria que pagar essa conta um dia. Mas nem a certeza de ser campeão existe. Além do Palmeiras não ser campeão, entrou em um círculo vicioso. Deve, toma dinheiro emprestado, deve mais, toma mais... e o mercado é cruel. Precifica um mau pagador de maneira muito voraz.

O Financista: Palavras não pagam dívidas.

Nobre: Com certeza não. E no mercado do futebol normalmente as dívidas não são honradas. O próximo presidente diz que a dívida não é dele e não vai pagar. Esquece que é presidente de um clube, e quem tomou a dívida foi o clube, não a pessoa física. As pessoas acabam olhando muito para o próprio mandato, querendo entrar para história a qualquer preço, e esquecem do clube. Ainda há gente tão obtusa que acredita que uma caixa d’agua que jorra mais água do que entra não vai secar. Claro que vai.

Tentamos a primeira eleição para presidente em 2011. Avisamos que não íamos seguir a mesma receita: a pessoa loteia completamente a diretoria para conseguir votos e se eleger. Depois fica completamente amarrado, algemado aos compromissos políticos. Entra um médico no jurídico, um advogado no financeiro e assim por diante. E onde fica o clube nessa história toda?

O Financista: Parece um pouco com Brasília...

Nobre: Nem me fale... Em 2011 eu não prometi nada para ninguém. As pessoas diziam que éramos muito novos, uma freira no prostíbulo. Falavam que é um mundo louco e estávamos querendo ser mais realistas do que o rei. Eu tinha um grupo coeso que não estava longe de ser a maioria do conselho, mas me apoiava. Uma andorinha só não faz verão no meio do futebol.

Tivemos quase cem votos, enquanto o candidato da situação conseguiu 21, e o vencedor levou mais de 150 votos com apoio dos grandes cardeais do clube. Mais uma vez desânimo? De jeito nenhum. Continuamos defendendo a bandeira de fazer uma política diferente. Aquela diretoria era uma torre de babel. Mesmo ganhando um título, foi um desastre. Levou o Palmeiras para segunda divisão pela segunda vez.

Em 2013, finalmente, nos elegemos para fazer diferente. Mas não é um diferente aleatório, do tipo, se eles foram para esquerda nós vamos para direita. A situação financeira do clube era péssima e, administrativamente, o clube era uma bagunça completa. Para se ter uma ideia, o sistema operacional do Palmeiras era o DOS. Se quisesse achar meu nome na lista de sócios e colocasse Paulo Nobre, você não achava. Se colocasse Paulo Almeida Nobre também não porque meu nome é Paulo "DE" Almeida Nobre. Era exatamente assim.

Vencemos a eleição sem negociar nenhum cargo. Tentamos pegar as melhores pessoas para ocuparem as diretorias. E realmente o quadro era caótico. O Palmeiras tinha 75% das receitas do ano adiantadas e gastas por gestões anteriores. Tivemos só 25% das receitas de 2013. Em 2014, o quadro era um pouco melhor, eles tinham gasto somente 30% das receitas - tive 70% para trabalhar. Ou seja, no meu primeiro mandato, eu não tive dinheiro de um mandato. Detalhe: 25% não é dinheiro full. É um pouco de janeiro a dezembro.

Clube de futebol tem fama de mal pagador. Nenhum banco gosta de dar empréstimo a três tipos de instituições: igreja, hospital e time de futebol popular. O risco de imagem é gigantesco. Grandes bancos não trabalham com time de futebol. Tomamos de bancos menores que pegam esse filão que não está sendo abraçado pelos bancos grandes. Colocam taxas muito altas, uma vez que são os únicos a trabalhar com clube de futebol. No começo da minha gestão era em torno de 200%, 300% do CDI. Absolutamente impagável. É como as pessoas que entram no cartão de crédito, e começam a gerar uma bola de neve tão gigantesca que não ganham o suficiente para conseguir pagar.

Em 2013 o Palmeiras estava na segunda divisão, sem dinheiro e disputando uma Libertadores da América. E a torcida falava o que? É obrigação ganhar a Libertadores. Mas pelo amor de Deus. Eu era de torcida organizada 20, 30 anos atrás... Em 2014 era o ano do centenário do Palmeiras. Traçamos metas. Qual era o grande objetivo para 2013? Subir para primeira divisão. Não existia hipótese de em 2014 o Palmeiras estar na segunda divisão.

Não tinha dinheiro para pagar conta de luz, conta de água, porteiro e o elenco. E era impossível tomar dinheiro no mercado, o rombo ficaria impossível de ser pago. O Palmeiras não tinha mais nenhuma garantia para dar. Todos os imóveis já eram garantia de alguma coisa. Foi quando eu comecei a tomar dinheiro no meu nome. Qual é o risco de o banco acionar o Paulo Nobre? Nenhum. Eu tinha garantias reais, que eram uma parte acionária, e eu comecei a tomar dinheiro em meu nome, e repassar nas mesmas condições que o mercado fazia. Tomava dinheiro praticamente na metade do custo que o Palmeiras tomava, a 100%, 110% do CDI. Algumas coisas eram pré-fixadas, se a Selic subisse ficava até abaixo do CDI na curva.

Depois a minha equipe financeira particular questionou o fato de eu tomar em meu nome e emprestar ao Palmeiras, do ponto de vista do fee [taxa] que ficava para as instituições financeiras. Passei a emprestar direto para o Palmeiras, sem intermediários. Fizemos tudo para baratear. Comecei a financiar o que faltava no dia a dia do clube para o Palmeiras não parar. Voltamos para a primeira divisão em 2013, sem susto nenhum, com seis rodadas de antecedência. 

Em 2014, éramos um dos protagonistas do Campeonato Paulista. Mas as coisas são muito voláteis no futebol. Fico chateado quando vejo alguns institutos do mercado financeiro, que não entendem uma vírgula de futebol, dando palpite em qual time é melhor se investir ou não. Por mais volátil que seja o mercado das empresas, essa volatilidade é irrelevante perto da volatilidade do futebol. O Palmeiras perdeu a semifinal do Paulista para o Ituano, começou o Campeonato Brasileiro mal e quase caiu para a segunda divisão. Simultaneamente, um time que deve R$ 160 milhões consegue vender um garoto da base por 40 milhões de euros. Pronto, recuperou tudo. Como avaliar essa volatilidade? Pode surgir um rapaz de custo zero e você vendê-lo por R$ 160, R$ 170, R$ 200 milhões. Acontece no meio do futebol. Isso é o imponderável.

Foi um final do ano em 2014 que eu não desejo para o meu pior inimigo. Eu morri um pouco por dentro, por tudo que estava acontecendo, vendo a areia escapando pelos dedos e não há o que fazer, por mais que você se dedicasse. Mas isso é o futebol. Você vai do céu ao inferno muito rápido, mas você sai do inferno muito rápido também.

Conseguimos não cair para a segunda divisão. Eu só tinha uma certeza: meu próximo mandato será completamente diferente. Simplesmente porque eu não adiantei um real sequer do próximo mandato, com respeito ao próximo presidente e em respeito à Sociedade Esportiva Palmeiras. Não sabia se eu ia ganhar a reeleição, mas o próximo ia beber água limpa. Financiei todas a dívidas de curto prazo do Palmeiras e alonguei a perder de vista. Isso significa que agora o Palmeiras passou a nadar em dinheiro e a ficar um time muito rico? Não, o Palmeiras é gigante, mas financeiramente ainda vive uma situação muito complicada. Só que quando você não tem dívida de curto prazo, só de médio e longo prazo, você consegue fazer uma coisa: planejar o futuro.

O trabalho feito em 2013 e 2014 foi um remédio muito amargo. É o que a gente tanto cobra do governo federal. Tem que fazer a lição de casa. O Palmeiras nada mais fez do que a lição de casa. É super natural que o torcedor não goste. O torcedor quer ser campeão todo ano, não tem compromisso com administração. Isso que é gostoso de ser torcedor. Obviamente eu passei a ser odiado no final de 2014. Mas da mesma maneira que você não pode se emocionar com os aplausos, não pode se abater com as vaias.

A história talvez um dia faça justiça. Você só vai ter justiça no presente se a bola entrar. Trabalhando sério e dando condições, uma hora pega na trave e sai, outra hora pega na trave e entra. Em um próximo mandato, se você continuar com a mesma política, começa a subir. E foi o que aconteceu. Trouxemos o Alexandre Mattos como diretor de futebol, um profissional jovem no mercado, mas bicampeão no Cruzeiro.

Veio para cá e começamos a montar um time em 2015. O círculo vicioso começou a mudar para um círculo virtuoso. Os patrocinadores mesmo com esses relatórios desaconselhando investir no Palmeiras, vieram. Veio a Prevent Senior, a Crefisa e a FAM (Faculdade das Américas). Isso deu um poder de fogo interessante para o Palmeiras. Conseguimos fazer algumas contratações de início de ano que fizeram o sócio-torcedor Avanti bombar.

No ano passado, o sócio-torcedor passou a corresponder a dois patrocínios máster. Combustível é dinheiro no futebol. Pegamos o sócio-torcedor no começo de 2013, creio que com oito mil sócios. Chegamos ao fim de janeiro de 2015 com 90 mil sócios. O que eu tentei conscientizar o palmeirense é: seja sócio-torcedor. Participe dessa reconstrução do Palmeiras. Aqui o dinheiro é 100% investido no futebol. Dinheiro não é para dirigente trocar de carro nem fazer viagem.

Eu que sou do mercado financeiro e estou acostumado com grandes números, mas eu me assusto todos os dias. Só no futebol um salário de R$ 20 mil é salário de pinga.

Além do sócio-torcedor, o palmeirense estava ansioso para voltar a jogar em casa. A relação que o palmeirense tem com o Palestra Itália, hoje Allianz Parque, é uma relação de família e a casa para família é uma coisa sagrada. O palmeirense nunca morou de aluguel, sempre teve casa própria.

Tudo isso fez com que o Palmeiras tivesse condições de já devolver o dinheiro que havia sido aportado. Para a devolução do dinheiro, eu criei duas regras básicas. Primeiro, correção por 100% do CDI. Ou seja, CDI careca. O Palmeiras passou a tomar dinheiro que nem banco. Banco toma CDI para emprestar CDI mais alguma coisa. Então o Palmeiras começou a tomar com CDI “careca”. Em nenhum lugar o Palmeiras conseguiria tomar um dinheiro tão barato assim.

Em segundo lugar, o Palmeiras não pode, em hipótese alguma, gastar mais de 10% de suas receitas anuais para devolver o dinheiro. Em um ano no qual a Selic cresça muito, talvez 10% das receitas não cubra nem a correção total do principal. Tudo bem, não importa, aumenta um pouco o principal, paga-se e alonga-se a dívida.

O que eu não queria era que um gestor futuro tivesse que tomar dinheiro no mercado para pagar esse negócio. É factível o Palmeiras devolver tudo isso sem susto, sem problema. Em 2015 já começou a devolver. Conseguimos também o sucesso esportivo com o Palmeiras andando com as próprias pernas [o clube foi campeão da Copa do Brasil]. Mas uma coisa é fato: estamos bebendo agua limpa hoje. Em quanto tempo eu acho que esse dinheiro vai voltar? De oito a 20 anos, 25 anos.

O Financista: Quais foram os conceitos que o senhor trouxe do meio empresarial, do mercado financeiro, para o dia a dia do clube? E como conciliar a visão de curto prazo do torcedor com o planejamento de longo prazo?

Nobre: Eu sempre falo que eu sou torcedor e eu estou presidente. O torcedor nunca morre dentro de você, mas você tem que saber co-habitar o mesmo corpo do torcedor. O presidente precisa ser uma pessoa fria para tomar as decisões, não pode ser emocional. E o torcedor é 100% paixão.

Às vezes me irritava muito quando se propunha alguma coisa e escutava “isso não funciona aqui, isso não dá certo”. Por que não dá certo? É impossível colocar o sistema SAP em um time de futebol? Hoje o Palmeiras tem o SAP. Hoje não tem mais jeitinho, tudo transparente. Aí o mercado olha com outros olhos, com mais confiança. Foi fácil instalar o SAP? Não é em lugar nenhum. Porque seria fácil aqui? Foi difícil como em qualquer outro lugar.

Há conceitos do mundo, fora dessa ilha que é o futebol, que você pode trazer para dentro. Quando você traz um carro de fora do Brasil, é preciso "aclimatizar" ou “tropicalizar” o veículo. Alguns conceitos de fora você precisa “futebolizar”. A meritocracia foi uma coisa que vem da minha experiência profissional.

Para mim, quem não tem competência não se estabelece. Quem é bom tem lugar sempre. Quebrar paradigmas do tipo “quem não é palmeirense não pode trabalhar aqui”. Mas por quê? Eu pergunto que time torce o goleiro, o centroavante ou o técnico? Eu quero que ele faça gol, eu quero que o outro defenda e que o outro arme um bom time. Um profissional para trabalhar no Palmeiras pode torcer para o time que quiser desde que seja bom. Também profissionalizamos as diretorias-chave, como financeiro, jurídico, futebol, para pessoas que vão respirar aquele departamento e vão ser cobradas por isso. O cara é profissional, está lá para dar resultado e tem a obrigação de se dedicar full time ao Palmeiras. Essa foi uma das coisas que fizemos: profissionalizar para poder cobrar.

Também tem a produtividade. Eu sei que eu fui uma chacota quando eu vim em 2013 com esse conceito de produtividade. Mas eu acreditava muito nisso. É claro que não é um conceito só meu. Foi discutido com um grupo de pessoas.

Eu encontrei muito contrato assim: o sujeito é reserva. Se ele jogar dez partidas como titular, o salário dele pula 30%. Tudo bem. Mas se depois ele volta a ser reserva, o salário cai 30%? Não. Então ele fica com salário mais alto. De repente, um garoto da base começa a ser titular, enquanto aquele sujeito reserva ganha muito mais do que o titular. Eu tenho que aumentar o salário do que é titular agora. Acabamos com isso. Agora uma parte do salário é fixa de, normalmente, 80%. 20% ganha-se conforme o número de jogos que jogar, ou se entrar. O que aconteceu? Todo mundo quer jogar todo jogo porque sabe que se jogar vai ganhar um pouco mais.

O bicho é uma coisa que só existe dentro do futebol. Eu brinco muito. Sabe por que pagamos salário no futebol? Para o jogador perder o jogo. Porque se ele ganhar tem que pagar um bicho extra a cada jogo. Outro conceito que fizemos: o bicho é baixo, só que a premiação em caso de vitória no campeonato, ou de atingir objetivo de alcançar uma Libertadores, compensa tudo.

Você não consegue cortar completamente o bicho. É uma coisa cultural. O jogador ganha R$ 300 mil por mês, mas se você não der o “querequequé” do bicho, que às vezes, é mil reais, eles ficam loucos. Então continua existindo o bicho, só que é pequeno e a premiação no final é gorda. E eu desconto todos os bichos que eles ganharam ao longo do campeonato da premiação final.

Um empresário que veio do mercado financeiro falou o que eu acho que é a frase que vai marcar a minha gestão: “A maior malandragem no futebol é ser honesto, porque você acaba atraindo um monte de outros negócios”. Ser “malandrão” é dar um passo para frente e dois, três para trás depois.

O Financista: Na década de 1990, muitos clubes fizeram contratos grandes de patrocínio que acabaram se desfazendo no meio do caminho, não funcionando a longo prazo. Hoje o Palmeiras tem a fama de ser o time que mais contrata. A parceria com a Crefisa representa uma nova “era Parmalat”?

Nobre: Dada a relação que existe entre o Palmeiras e o Grupo Crefisa [Crefisa e Faculdade das Américas], se eles aumentaram ainda mais o patrocínio neste ano é porque eles estão satisfeitos. O senhor José Roberto Lamacchia (dono da Crefisa) é muito palmeirense, mas ele sempre foi e nunca tinha investido no Palmeiras. E não é por que ele é meu amigo porque no primeiro mandato ele também não investiu. Ele viu o trabalho sério que estávamos fazendo e falou: ‘agora quero associar minha marca ao Palmeiras’.

O que vai acabar naturalmente acontecendo? Se ficarem muito tempo no clube, o clube vai ficar durante muito tempo muito forte, gerando a era Crefisa. Não adianta só ganhar tudo em 2016 e eles irem embora em 2017. A Parmalat ficou dez anos no Palmeiras. Se eles ficarem dez anos, eu não tenho dúvida nenhuma que vai rolar a era Crefisa. E o palmeirense vai lembrar da era Crefisa com o mesmo ou até com mais carinho do que lembra da era Parmalat.

O Financista: Grandes jogadores...

Nobre: Não é só grandes jogadores. O grande jogador um dia não foi grande. Você precisa ter jogadores que te deem retorno em campo. É claro que ídolos são importantes. Mas o jogador que dá retorno em campo começa a se tornar ídolo. É preciso estar sempre disputando títulos. Não vai ganhar todos, mas um time grande como o Palmeiras, para marcar uma era, precisa estar em muitas finais e ganhando grande parte delas. E um clube com a nossa competência e a o aporte financeiro da Crefisa chegará a isso. No primeiro ano da Crefisa e da FAM no Palmeiras chegamos a duas finais de três campeonatos e ganhamos uma delas. Isso já é uma amostra do que pode vir a acontecer. Assim o torcedor se empolga mais em ser sócio-torcedor. 

O Financista: O senhor ainda atua no mercado financeiro? A rotina hoje é 100% Palmeiras?

Nobre: Toda a minha vida particular é administrada por uma equipe. E desde janeiro de 2013 eu vivo full time no Palmeiras todos os dias. Chego aqui umas 11h, mas não saio antes de 23h. Mas eu começo a trabalhar desde a hora que acordo por conta do celular, reunião, enfim. Estamos falando de 14, 15 horas por dia. E jogo virou trabalho. Eu tento tirar o sábado para descansar e nunca tive tanto prazer em voltar para casa. É uma dádiva voltar para casa, brincar com cachorros, essa coisa normal do dia a dia.

Minha vida social acabou. Você perde completamente o anonimato. Ou a pessoa vem querer tirar uma foto, pedir um autógrafo ou te xingar. Nunca tive uma experiência desagradável, mas tento me poupar. Não almoço ou janto fora de casa a não ser duas vezes por mês para resolver questões do Palmeiras. Cinema, etc? Esquece. Recebo meus amigos em casa quando dá tempo, em feriado. Eu moro em um sítio.

Eu até sei quanto está o dólar porque tenho dívidas em dólar aqui no Palmeiras, mas não sei como está a Bolsa. Há pessoas tomando conta dos meus negócios. Sou uma pessoa muito agressiva no mercado financeiro. Eu sempre investi em Bolsa. Tenho apetite ao risco. Como estou fora, quem está tomando conta fez o mais “papai e mamãe” possível. Nunca tinha chegado perto da renda fixa...

Eu sempre brinquei que a minha renda fixa sempre foi o fundo Verde [do renomado gestor Luis Stuhlberger]. Eu o conheci e falei isso na mesa com ele.

O Financista: Ele é palmeirense?

Nobre: Palmeirense doente. O fundo se chama Verde por causa do Palmeiras.

Bom, eu adorava investir em opções, termo. Cheguei a operar muito forte. Sempre gostei de risco. Depois de envelhecer para o futebol, virei piloto de rali e cheguei a correr na Fórmula 1 do rali mundial, que é o WRC. Sempre gostei de adrenalina. Mas nunca tive tanta adrenalina como vivo aqui no Palmeiras.

O Financista: Último ano de mandato qual a expectativa?

Nobre: Eu não posso ser candidato porque já me reelegi uma vez. Não tenho a menor intenção de me perpetuar no Palmeiras. O Palmeiras tem que andar independentemente de quem for o presidente. Gostaria de fazer meu sucessor para ter uma garantia de que todas as sementes que foram plantadas não sequem no futuro. Gostaria de ver alguém que entende essa maneira de administrar e dê continuidade a ela.

O Financista: Qual foi o seu maior mérito na gestão do clube?

Nobre: Saber separar o lado emocional do lado racional foi condição sine qua non para poder ser presidente. Ser presidente torcedor é meter os pés pelas mãos. E arrebenta o clube. Isso foi condição básica. Acho que meu maior mérito foi ter conseguido me cercar de pessoas tanto profissionais quanto estatutárias que tivessem competência para fazer essa virada no Palmeiras. De um time falido na segunda divisão para um time que ganhou mais um torneio nacional em 2015. Meu mérito foi ter enxergado e me cercado de pessoas.

Todos trabalharam muito e se doaram. Eu fico aqui o dia todo, consegui profissionalmente colocar alguém para tomar conta dos meus negócios, mas muitas pessoas ralam o dia todo, chegam aqui 18h e ficam comigo até meia-noite. Uma pessoa dessas está se doando tanto quanto ou mais do que eu.

Sou muito grato a um grande grupo que me ajudou a fazer essa transformação no Palmeiras. É um time.

O Financista: Este ano teve início a Primeira Liga. Para o futuro próximo seria bom ao Palmeiras, inclusive em termos financeiros, participar do campeonato?

Nobre: Virou moda falar de liga. O Palmeiras não tem o menor preconceito e receio em debater e discutir uma liga. Mas o Palmeiras não vai entrar no oba-oba de modismo. Uma liga é uma moeda com cara e coroa. As pessoas às vezes só olham para um lado e não veem todo o ônus atrelado. Se é melhor financeiramente? Ninguém sabe. Pode ser muito melhor, pode ser que não, pode ser que seja mais ou menos a mesma coisa. Por isso precisa ser muito debatido. Acho legal e interessante a iniciativa. Vamos tirar lições disso.

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