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Jogos Inverno 2010

Patinadores trocam nacionalidade em busca de novos parceiros

28 jan 2010 - 14h46
(atualizado às 14h52)
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Christopher Clarey

Ela tem 20 anos e vive em Richmond, Virgínia. Ele tem 24 e vive em Whitby, Ontário. Juntos, representam a Grécia como dupla no circuito profissional de patinação artística.

A globalização da patinação, tal como exemplificada por Jessica Crenshaw e seu parceiro, Chad Tsagris, foi exibido com todo o vigor no Campeonato Europeu disputado em Tallinn na semana passada.

Embora país de origem e nacionalidade no passado fossem fatores determinantes, mudanças nas regras e a intensificação na transferência de talentos entre diferentes países vêm resultando em misturas cada vez mais exóticas, nos pódios de medalhas e fora deles. Das 16 duplas que se classificaram para as provas de patinação livre na semana passada, seis eram formadas por patinadores que começaram suas carreiras defendendo outras nações. Das 26 equipes na prova de coreografia original, nove estavam na mesma situação.

Havia franceses patinando pela Itália; ucranianos representando a Bulgária e a Alemanha; e um britânico nascido no Canadá integrando a equipe francesa.

Também havia Yuko Kavaguti, que representava o Japão em provas de simples na patinação artística e usava o sobrenome Kawaguchi antes de se naturalizar russa e de ter seu sobrenome transliterado com base na documentação oficial fornecida pela Rússia.

"Praticamente qualquer coisa se tornou possível", disse Rocky Marvel, ex-treinador de duplas dos Estados Unidos e hoje responsável pelo treinamento de Crenshaw e Tsagris, que acontece em Mt. Laurel, Nova Jersey.

A União Internacional de Patinação requer que apenas um membro de uma dupla ou equipe que representa um país porte o passaporte dessa nação. A fim de ampliar o universo de concorrentes e permitir que patinadores encontrem parceiros com mais facilidade em disciplinas que estavam perdendo praticantes e relevância, as regras de nacionalidade e cidadania foram alteradas em 2006. Os patinadores que mudem de equipe depois de representar um país precisam agora ficar apenas um ano de fora das competições oficiais da União, quando trocam de equipe, ante dois, anteriormente. A regra de um ano só se aplica caso a equipe anterior concorde com a liberação do atleta.

"Foi preciso fazê-lo a fim de salvar o esporte", disse David King, um esquiador britânico de duplas que compete em parceria não com uma estrangeira, mas com a compatriota Stacey Kemp. "A verdade é que não havia muitas equipes participando. Alguns anos atrás, havia apenas 11 ou 12 países europeus nas disputas. Por isso, precisaram mudar um pouco as regras. Este ano, tivemos 21 equipes europeias na competição, e isso é excelente. Ajuda o esporte a melhorar. Viajar se tornou muito fácil, hoje em dia. Não faz sentido que as equipes sejam formadas por pessoas de apenas um país".

Em outros esportes, como o tênis, os jogadores de duplas que joguem com um parceiro de outra nacionalidade no circuito internacional usualmente não enfrentam problemas para encontrar um compatriota com quem jogar, nas competições olímpicas. Mas as duplas e equipes de patinação artística em geral requerem anos de treinamento combinado para que cheguem à elite do esporte. Kavaguti saiu do Japão em 1999 para treinar com a renomada Tamara Moskvina, uma técnica russa de duplas radicada em Nova Jersey. A patinadora representou os Estados Unidos, por algum tempo, com um parceiro americano, antes de se transferir à Rússia, com Moskvina, em 2003. Ela terminou por renunciar à cidadania japonesa, de forma a que pudesse concorrer em companhia de Aleksandr Smirnov nas provas do mais alto nível, entre as quais as olímpicas.

"É estranho precisar de visto para voltar ao meu país", disse Kavaguti, a primeira patinadora de elite nascida em outro país a integrar a equipe russa.

Mas depois de seus dez anos de esforço, a pequenina mas voluntariosa Kavaguti conquistou sua primeira grande recompensa, na semana passada. Ela e Smirnov superaram Aliona Savchenko e Robin Szolkowy, da Alemanha, que haviam conquistado os três títulos europeus anteriores e os dois últimos mundiais.

Muitos dos patinadores que mudaram de país o fizeram porque não haviam conseguido encontrar parceiros em seus países.

"Para as meninas que competem em duplas, existem cem patinadoras para cada homem que deseje uma parceira", disse Crenshaw. "Conseguir encontrar um parceiro e participar do Campeonato Europeu e do Mundial é na verdade quase um milagre".

O quase milagre de Crenshaw foi tornado possível pelo fato de que o pai de Tsagris é grego.

Caitlin Mallory, 22 anos, estudante de neurociências na Universidade de Michigan, não conseguiu encontrar um parceiro americano, e por isso compete pela Estônia, em dupla com Kristjan Rand. "É maravilhoso contar com o apoio de um país", disse Mallory, "mas no dia a dia dos treinamentos, você trabalha sozinha com o seu parceiro".

Mallory e Rand, que conquistaram um 13° posto no Campeonato Europeu, conseguiram se qualificar para a Olimpíada de Vancouver, na seletiva do ano passado. Mas devido a leis estonianas que proíbem a dupla cidadania, Mallory teria de renunciar à sua cidadania americana para competir.

A patinadora diz que não estava ciente das restrições estonianas de cidadania ao formar dupla com Rand, mas diz que não se preocupou com a questão, em parte porque duvidava de que pudesse chegar tão cedo a uma Olimpíada. Mallory afirma que inicialmente pensou em abandonar a cidadania americana, ainda que esteja apenas em sua quarta visita à Estônia e não fale bem o idioma. Mas disse ter mudado de ideia quando a documentação requerida chegou aos Estados Unidos, onde ela e Rand treinam, no ano passado.

"Foi uma decisão muito, muito difícil", disse. "Quando tive de tomá-la, no mês passado, consultei meus pais e alguns advogados, para tentar definir o que representaria para mim, em termos logísticos, estudar em Michigan e poder continuar treinando nos Estados Unidos, e chegamos à conclusão de que isso seria sacrifício demais por uma competição".

O prêmio de consolação foi o prazer de competir nas provas europeias diante da torcida de sua equipe, na Estônia. Não era exatamente a torcida que ela imaginava quando menina, em Berkeley, Califórnia, mas a patinação artística moderna sempre foi repleta de surpresas.

O apresentador havia acabado de concluir sua entrevista com a nova dupla de campeões europeus, e os patinadores russos agradeceram a plateia.

"Spasiba", disse Smirnov.

"Arigato", disse Kavaguti.

Tradução de Paulo Migliacci

Patinação artística sobrevive com troca de regras
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Foto: Getty Images
The New York Times
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