PUBLICIDADE
Logo do São Caetano

São Caetano

Favoritar Time

Rigidez pós-Serginho deixou atacante entre cruz e espada

27 out 2014 - 08h33
Compartilhar
Exibir comentários

No início de 2005, a memória e o choque pela morte do zagueiro Serginho, ocorrida em outubro do ano anterior, ainda estavam bem vivos no mundo do futebol brasileiro. Os exames da pré-temporada tiveram rigidez aumentada e ganharam atenção da mídia e dos clubes, após a grande punição imposta ao São Caetano pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) pela tragédia com o defensor. Quem “sofreu” com isso foi um companheiro de Serginho, que estava no gramado do fatídico 27 de outubro no Morumbi e que foi um dos que mais chorou em campo com o episódio: Fabrício Carvalho, atacante que teve um problema no coração diagnosticado em exames.

Por um lado, o centroavante, que vivia o ápice de sua carreira, pode ter se beneficiado da comoção pós-Serginho e evitado, com a rigidez imposta no futebol após a morte do companheiro (“fiz exames que acho que nenhum jogador do mundo fez”) , uma tragédia envolvendo si mesmo. Por outro, o jogador teve o problema cardíaco, que era bem diferente do de Serginho, explorado pela imprensa e viu a carreira ser paralisada por dois anos.

“Acabaram que associando o meu problema ao dele, coisa que não tinha nada a ver. O meu problema era bem mais simples do que o diagnosticado no Serginho. mas na época, pelo momento, eu estava em evidência e foi um prato cheio para as pessoas”, comentou ao Terra Fabrício Carvalho.

Fabrício Carvalho foi um dos grandes nomes do São Caetano no início da década
Fabrício Carvalho foi um dos grandes nomes do São Caetano no início da década
Foto: Djalma Vassão / Gazeta Press

O problema diagnosticado em Fabrício Carvalho após exames no HCor era uma alteração cardíaca ocasionada por uma gripe forte. Bem diferente do de Serginho, que já havia nascido com a falha no coração, como explica o Dr. Nabil Ghorayeb, especialista em cardiologia do esporte e que participou do tratamento e do diagnóstico de Fabrício.

“O Fabrício Carvalho veio logo depois, causou muita complicação. Nós do HCor fizemos uma avaliação do time do São Caetano e encontramos pequenas alterações no Fabricio. As alterações poderiam ter sido causadas por uma gripe e decidimos em uma junta médica que ele deveria ficar afastado por 6 meses e refazer os exames. Não tinha nada a ver (com o Serginho). A doença do Serginho ele nasceu com ela e o Fabrício Carvalho teve azar de pegar essa doença em uma virose forte. Ás vezes não cura, mas por sorte ele teve uma inflamação que foi curada por conta da própria evolução da doença”, disse ao Terra.

No fim das contas, o atacante não ficaria afastado por apenas seis meses, mas sim dois anos. O problema de Fabrício Carvalho usado com sensacionalismo pela mídia despejou um preconceito contra o jogador no mundo do futebol, que só foi curado com o tempo. Ainda em sua volta, pelo Goiás, o jogador apenas fez testes por longos meses, com um aparelho monitorador no braço e um desfibrilador à beira do campo pronto para ser usado.

“Hoje em dia já está esquecido, graças a Deus estou atuando há sete anos. Na época teve bastante preconceito, muitos clubes estavam com receio. Eu fui no Santos e o médico não quis nem me examinar. O Luxemburgo era o treinador, fui até a clínica e o médico não quis nem me examinar, falou que meu caso era com o dr. Nabil em São Paulo”, lamenta até hoje Fabrício.

Fabrício Carvalho teve diagnosticado problema no coração quando vivia o auge
Fabrício Carvalho teve diagnosticado problema no coração quando vivia o auge
Foto: Djalma Vassão / Gazeta Press
Veja a entrevista do Terra com Fabrício Carvalho:

Terra: Na época, descobriu-se que já era sabido que havia uma irregularidade no coração de Serginho. O grupo inteiro sabia? Quando ele caiu no gramado, vocês já imaginavam o pior?

Fabrício Carvalho: Na verdade eu não posso dizer se havia um problema sério. O que posso te falar é que o Serginho tinha feito um exame antes daquele jogo, na semana que antecedia, e haviam dito que estava tudo ok. Depois veio à tona e acabou que saindo na imprensa que os dirigentes do São Caetano sabiam do pequeno risco. Foi um baque maior ainda, da forma que foi conduzido o caso depois. Foi algo assustador pra todos nós. a gente viu tudo aquilo de perto, depois ficou o dilema se ele tinha um problema ou não.

Terra: Antes de ser diagnosticada a falha em seu coração em 2005, os exames sempre foram normais?

Fabrício Carvalho: No inicio de 2005 eu fiz o exame e deu a alteração. Eu fiquei praticamente dois anos inativo. Para mim foi terrível, estive ali perto de tudo que aconteceu com o Serginho e de repente o médico diz que você estava com um problema. Chocou bastante, mas é algo que eu lembro como uma experiência forte que Deus colocou na minha vida e quero compartilhar essa experiência. Eu devo ter servido de alerta para muitos jogadores, já tive em contato com muitos deles. O próprio Everton (Costa, do Vasco da Gama, que teve problema cardíaco neste ano) pude mandar uma mensagem. Quem passa por isso sabe que é uma coisa bastante complicada.

Eu fui persistente. Na vida eu sou de muita persistência, valentia. Da forma que estava sendo, ainda mais na época que aconteceu com o Serginho, era muito recente. E infelizmente acabou acontecendo comigo nessa época. Estavam todos muito receosos, isso me complicou bastante. É algo que faz parte da minha história, de superação, persistência e paciência.

<p>Fabrício Carvalho teve boa passagem pela Ferroviária</p>
Fabrício Carvalho teve boa passagem pela Ferroviária
Foto: Alessandro Bocchi / Divulgação
Terra: Como foi o tratamento para voltar ao gramado?

Fabrício Carvalho: Na realidade, a gente não passa por tratamento nenhum. As pessoas até se assustam quando a gente fala. Só fiz exames o tempo todo e até hoje não souberam me dizer o que era o problema. Nunca tive um sintoma, nada disso, para provocar o que estava dando no meu exame. Mas eu fiquei calmo. Na época estava em evidência o Caso Serginho e outros casos, os médicos ficaram com receio, mas não culpo nenhum deles. Na época não entendi, a vida toda jogando futebol e você é diagnosticado com um problema. Mas é algo superado, em um momento que foi desgastante para mim porque estava no ponto alto da minha carreira. Foi uma experiência dolorosa, mas eu tive forças para superar. Me alegra estar firme, apesar de 35 anos e já encerrando a carreira, tenho muita lenha para queimar ainda.

Terra: Acha que o futebol ficou mais rígido com questões médicas após a morte de Serginho?

Fabrício Carvalho: A questão das ambulâncias, dos aparelhos que levam junto com eles, como desfibrilador. A ambulância tinha que ligar para o socorrista trazer. Hoje tem ambulância, exigência mesmo, acho que isso é importantíssimo para casos mais extremos como o Serginho. Penso eu que se tivesse atendido mais rápido poderia ter se evitado. Tem também todo esse amparo médico nos clubes até nos treinos, isso é importante. Hoje os clubes menores em todos os jogos exigem ambulância nos estádios, os clubes exigem um desfibrilador. Esse tipo de coisa não tinha. Passou a ter depois dos casos, como o Serginho e outros menos badalados.

Terra: Fica triste por essas mudanças só serem feitas após a tragédia com um amigo seu?

Fabrício Carvalho: Infelizmente é assim no nosso Pais, não só na questão futebol. Espera acontecer o pior para tomar providências. Foi um legado que o Serginho deixou, estão dando mais providências, estrutura melhor. Espero também que possa se atentar para o calendário, muitos jogos seguidos, pouco tempo de descanso e isso também prejudica a saúde do atleta. É um desgaste absurdo viagens e jogos. Vai perdendo a qualidade do futebol, nosso musculo tem limite. Tem que tomar precaução e as pessoas não se apegam a isso. A gente bate na mesma tecla do calendário e não muda, é uma cultura amaldiçoada.

Último clube de Fabrício Carvalho foi a Cabofriense
Último clube de Fabrício Carvalho foi a Cabofriense
Foto: Djalma Vassão / Gazeta Press
Terra: O Bom Senso FC luta bastante por essas questões que você citou. Você tem contato com eles, até para passar sua experiência?

Fabrício Carvalho: Eu conheço pessoas que estão envolvidas, o Paulo André que está encabeçando. Espero que isso melhore, para poder preservar a saúde física e mental dos atletas e treinadores, o próprio Muricy passou por isso. É uma pressão absurda e as pessoas não entendem que quem está correndo dentro de campo é um pai de família. A questão do salário deve influenciar na cabeça dos torcedores, vão para o campo xingar e isso prejudica nossa saúde.

Terra: Se você tivesse sido diagnosticado um ano antes, acredita que poderia ter ocorrido a mesma coisa do que aconteceu com o Serginho? Ou você acha que o caso Serginho deixou seu caso com um superprotecionismo?

Fabrício Carvalho: Os exames que fazem hoje não faziam antigamente. Eu fiz exames que acho que nenhum jogador do mundo fez. Os médicos fizeram exames mais detalhados por causa do que aconteceu, do choque. Eu fiz exames muito detalhados, mas para mim tive uma experiência mesmo, para minha carreira profissional não somou nada, me prejudicou muito. Muitos clubes na época estavam interessados em me contratar e isso prejudicou. Mas é importante ter esses cuidados com os atletas.

Só que acabaram que associando o meu problema ao dele, coisa que não tinha nada a ver. O meu problema era bem mais simples do que o diagnosticado no Serginho, mas eu estava em evidência e foi um prato cheio para as pessoas. Mas também o São Caetano deu todo o tratamento para mim na parte financeira, não me deixou na mão e isso acabou servindo de ajuda ao São Caetano. Porque se descobrisse com o Serginho teriam feito a mesma coisa. 

<p>Fabrício Carvalho vivia o auge em 2004 como um dos destaques do São Caetano</p>
Fabrício Carvalho vivia o auge em 2004 como um dos destaques do São Caetano
Foto: AFP
Terra: Você teve medo na volta aos treinos e ao gramado?

Fabrício Carvalho: Quando fui para o Goiás, fiquei só fazendo exames, testes físicos com aparelhos me monitorando. Então foi todo um cuidado especifico que tiveram comigo. O médico Sérgio Rassi (médico do Goiás especialista em cardiologia esportiva) foi uma pessoa que teve muita coragem e ousadia. Nenhum médico queria me liberar e ele me tratou como ser humano.

Terra: Após a volta, você teve atuações de destaque na Ferroviária e também agora na Cabofriense. Você acredita que sofre ou sofreu preconceito dos clubes por ter tido problemas no coração? Acredita que algumas equipes têm receio de te contratar por isso?

Fabrício Carvalho: Hoje em dia já está esquecido, graças a Deus estou atuando há sete anos. Na época teve bastante, estava bastante complicado, muitos clubes estavam com receio. Eu fui no Santos e o médico não quis nem me examinar. O Luxemburgo era o treinador, fui até a clínica e ele não quis nem me examinar, falou que meu caso era com o Doutor Nabli em São Paulo. Aí me direcionaram para outro estado, que não estava evidente meu caso, e graças a Deus pude voltar amparado, não voltar de qualquer forma. Fui avaliado pelo doutor Sérgio Rassi e ele viu que eu não tinha problema em jogar. Na época tinha muito preconceito, mas agora Fabrico entrando em campo e marcando gol não tem problema nenhum (risos).

Terra: Você quase acertou com o Botafogo, mas foi prejudicado pelo time carioca. Atualmente você segue procurando clube? Já há negociações para o ano que vem?

Fabrício Carvalho: A situação com o Botafogo me atrapalhou, inclusive tenho a proposta no meu e-mail até hoje como recordação. Lá foi um livramento de Deus, estar sob pressão e sem receber, já passei por isso. Mas o Botafogo me atrapalhou muito, estava tudo certo e aí decidem que não querem me contratar. Muitos clubes estavam me ligando na época, o Sampaio Corrêa. Soltaram na imprensa e eu só fui afirmando que estava tudo acordado, mas infelizmente me atrapalharam muito, mas alguns empresários já estão começando a me ligar, estou treinando por conta, quero retornar e retornar bem novamente. 

A linha do tempo da morte do zagueiro Serginho A linha do tempo da morte do zagueiro Serginho

Fonte: Terra
Compartilhar
Publicidade
Publicidade