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TCU e MPF cobram acesso a contratos olímpicos e orçamento do Comitê Rio 2016

4 set 2015 - 06h56
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A menos de um ano das Olimpíadas do Rio, tanto o Tribunal de Contas da União (TCU) quanto o Ministério Público Federal (MPF) cobram acesso a projetos e contratos e se mostram apreensivos com a falta de transparência dos organizadores e o risco de que o governo federal arque com mais despesas olímpicas em caso de deficit do orçamento do Comitê Rio 2016.

A menos de um ano dos Jogos, órgãos cobram acesso a projetos, contratos e orçamentos e alertam para uso de verbas federais nos preparativos.
A menos de um ano dos Jogos, órgãos cobram acesso a projetos, contratos e orçamentos e alertam para uso de verbas federais nos preparativos.
Foto: Divulgação/BBC Brasil

Em entrevistas à BBC Brasil, o ministro Augusto Nardes, destacado pelo TCU para fiscalizar as contas e o legado dos Jogos, e o procurador da República Leandro Mitidieri, do Grupo de Trabalho de Olimpíadas do MPF, cobraram respeito ao corpo de leis que exige prestação de contas detalhada à sociedade sobre os gastos olímpicos, sancionado após o Rio ter sido selecionado como cidade-sede.

Uma delas, a Lei Federal 12.035/2009, deixa claro, no artigo 15º, que "fica autorizada a destinação de recursos para cobrir eventuais deficits operacionais do Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016" - exprimindo na legislação o compromisso do governo brasileiro com o Comitê Olímpico Internacional (COI).

A reportagem também ouviu especialistas e entrou em contato com o Ministério do Esporte, Comitê Rio 2016, Prefeitura do Rio, Empresa Olímpica Municipal (EOM) e Autoridade Pública Olímpica (APO), responsáveis diretos pela organização da Olimpíada, cujo orçamento total atualizado é de R$ 38,7 bilhões.

O total é dividido em três frentes orçamentárias: Comitê Rio 2016 (verbas privadas, estimadas em R$ 7,4 bilhões), Matriz de Responsabilidades (gastos com as instalações olímpicas, orçados em R$ 6,67 bilhões) e o plano de legado (com as obras de infraestrutura prometidas ao COI, no valor de R$ 24,6 bilhões).

Transparência e gastos públicos

Para o ministro do TCU, os órgãos de controle não estão tendo acesso a dados importantes, como contratos e projetos executivos. "A falta de transparência é algo que nos preocupa. Estou cobrando mais governança dos Jogos, possibilitando melhor monitoramento dos gastos. Cobrei isso do Nuzman (Carlos Arthur, presidente do Comitê Rio 2016 e do Comitê Olímpico Brasileiro) recentemente durante uma reunião de mais de uma hora em Brasília", disse Augusto Nardes.

Como maior exemplo de despesa originalmente prevista como do Comitê Rio 2016 e absorvida pelo governo federal, o ministro destacou o esquema de segurança das Olimpíadas. Somente o Ministério da Justiça já destinou R$ 350 milhões para investimentos na área.

"A segurança dos Jogos não era para ser paga pela União. Isso não está sendo cumprido", disse Nardes, questionando a ausência de um legado numa área crucial para o Rio. "Vamos ter as Forças Armadas, de acordo com o plano do governo federal, mas deveríamos ter uma política permanente de segurança que ficasse como legado para o Estado", indicou.

Já o procurador da República Leandro Mitidieri relembra que as obras olímpicas ocorrem sob RDC (Regime Diferenciado de Contratação), o que dinamiza as licitações, mas, na prática, também diminui as exigências do processo.

"Com o RDC você tem uma certa liberdade na elaboração dos projetos, o que nos preocupa. Além disso, como há chance de injeção de recurso federal em caso de deficits, os órgãos de controle têm que acompanhar desde já, e não só no final, ou quando esses orçamentos forem extrapolados", indica.

'Contabilidade paralela'

Ainda no final de agosto, na terceira atualização da Matriz de Responsabilidades (lançada em fevereiro de 2014, de forma incompleta, e com quatro anos de atraso), a APO divulgou que o custo das arenas olímpicas aumentou em R$ 70 milhões e, no mesmo dia, o jornal apontou que gastos da ordem de R$ 409 milhões não constam em nenhuma das três frentes orçamentárias dos Jogos.

Entre os itens omitidos estão as indenizações para moradores da Vila Autódromo, favela localizada ao lado do Parque Olímpico atualmente em processo de remoção, instalação de arquibancadas temporárias durante os Jogos e móveis para a Vila dos Atletas, dentre outros.

Questionado sobre o assunto em entrevista coletiva, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), admitiu uma "contabilidade paralela", de gastos não computados de forma oficial.

"É óbvio que há custos marginais que vou deixar a critério de vocês. Quem quiser fazer contabilidade paralela faz. Não vou discutir com quem entende de outra maneira. Os governos fizeram um critério que é o oficial. Quem quiser fazer paralelo, pode fazer", disse aos jornalistas.

Paes também afirmou que os contratos das obras dos Jogos seriam disponibilizados num site de transparência olímpica da Prefeitura. O site www.transparenciaolimpica.com.br, no entanto, está fora do ar.

Questionados pela BBC Brasil sobre o assunto, EOM, APO e a Prefeitura do Rio disseram não terem mais nada a acrescentar além do que Paes já havia dito.

Ao avaliar as declarações do prefeito, o procurador da República Leandro Mitidieri diz que "é óbvio que não poderia haver contabilidade paralela alguma. Estamos extremamente preocupados".

Ofício e Lei de Acesso à Informação

A BBC Brasil teve acesso a um ofício do Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal endereçado a Joaquim Monteiro de Carvalho, presidente da Empresa Olímpica Municipal (EOM), datado de 4 de agosto, exigindo a apresentação dos editais, projetos básicos e projetos executivos das obras do Complexo Esportivo de Deodoro e do Parque Olímpico da Barra.

Consultada pela reportagem, a EOM disse tratar-se de "procedimento de rotina" e que "forneceria os documentos dentro do prazo".

O procurador da República Leandro Mitidieri, que assina o ofício, deixa claro que a exigência teve de ser formalizada justamente porque os órgãos de controle não tiveram acesso aos dados em suas fiscalizações de rotina, e que os documentos ainda não foram recebidos.

"Ainda não é uma medida judicial, e acredito que os documentos serão fornecidos à Procuradoria da República. Caso isso não ocorra, configura-se um crime previsto na lei de organização do Ministério Público, além de uma improbidade administrativa", explica.

Em reportagem recente, o portal de notícias UOL indicou ter entrado com 12 pedidos de documentos referentes a obras olímpicas por meio da Lei de Acesso à Informação, mas depois de um ano a Prefeitura do Rio ainda não forneceu os dados.

Para Luiz Moncau, professor da FGV/Rio especialista no tema, a lei foi claramente desrespeitada.

"Há uma grande oportunidade de fazer diferente, em termos de transparência e condução dos processos referentes aos Jogos, que pelo que tem sido relatado não está sendo bem aproveitada. A transparência é uma segurança para o próprio poder público, mostrando eficiência e organização. Mas não é isso que estamos vendo", avalia.

Já o pesquisador da área de planejamento urbano Renato Cosentino, do IPPUR/UFRJ, critica a qualidade das informações. "Além da ausência de dados, a qualidade da informação que é de fato apresentada é muito ruim, o que também é grave. Vemos uma tentativa de inflar o investimento privado nos Jogos quando se fala em orçamento, e as análises mostraram que esta parcela é inferior ao que está sendo divulgado", diz.

Comitê Rio 2016

Mantidas em sigilo, as estimativas de gastos do Comitê Rio 2016 financiados por recursos privados são cruciais para as contas públicas, já que o governo brasileiro assumiu o compromisso com o COI de assumir responsabilidades do comitê caso necessário - o que já ocorreu com a segurança.

Em seu último relatório de auditoria, o TCU fez uma série de recomendações dirigidas ao comitê, entre elas a criação de um Fundo de Contingência dos Jogos, e pediu que o orçamento e relatórios periódicos passassem a ser publicados em seu site.

"A demora na finalização da definição sobre as responsabilidades que serão assumidas pelos governos, em substituição ao pagamento de subsídio, pode acarretar prejuízos aos cofres públicos, uma vez que a experiência demonstra que, quanto mais próximos dos eventos, mais dispendiosas são as contratações pelo poder público", diz o relatório.

O documento cita ainda "limitações enfrentadas pelos servidores do tribunal" durante a fiscalização.

Questionado pela BBC Brasil, o Comitê Rio 2016 declarou que, "ao contrário dos entes públicos, é financiado por recursos privados e por isso não tem a obrigação de prestar contas e publicar seu orçamento" e que "não trabalha com a hipótese de extrapolar seu orçamento".

Já o presidente do Comitê Rio 2016, Carlos Arthur Nuzman, ao ser indagado sobre o assunto pela BBC Brasil em Londres, no início da semana, disse que há cláusulas de confidencialidade com parceiros privados que impedem a publicação de todos os contratos e que as contas serão feitas ao término da Olimpíada.

"Tem alguns contratos que têm confidencialidade de patrocinadores, e as companhias têm que ser respeitadas. Vamos terminar os Jogos e fazer a prestação de contas total da parte que diz respeito ao Comitê Organizador. (Sobre) os demais, cada um fala por si", disse.

Consultado pela BBC Brasil, o Ministério do Esporte negou que o governo possa gradualmente arcar com despesas do comitê.

"Não há absorção gradual de custos por parte dos governos. Desde o período da candidatura, as partes decidiram que as responsabilidades seriam sempre negociadas e definidas em comum acordo, com intuito de se chegar a soluções de gestão mais eficazes, desde que respeitados os parâmetros da boa governança. O que se procura é agilidade nos processos e otimização de gastos públicos. Essa forma de gestão tem propiciado equilíbrio de contas entre o orçamento governamental e o orçamento do comitê organizador".

Sobre as críticas dos órgãos cuja missão é justamente zelar pela boa utilização dos recursos públicos federais, o Ministério do Esporte respondeu que "não existe, no Brasil, projeto tão transparente como a organização dos Jogos Olímpicos de 2016".

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