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Grand Slam

Tri de Guga em R. Garros faz 10 anos; relembre momento dramático

10 jun 2011 - 08h57
(atualizado em 13/12/2011 às 12h41)
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Felipe de Queiroz

Poucos milímetros separaram o número 1 do mundo Gustavo Kuerten, 24 anos, de uma eliminação precoce em Roland Garros em 2001. Era manhã de segunda-feira, 4 de junho, quando o jovem e desconhecido Michael Russell, 23 anos e 122 do mundo, teve nas mãos a bola de sua vida. Cuidadosamente, o americano sacou no match point a seu favor quando liderava em 5/3 no terceiro set da partida contra Guga, pelas oitavas de final do Aberto da França.

O match point não encerrou o confronto, mas entrou para a história. Em um dos pontos mais longos da partida, 49 segundos e 26 trocas de bola, Russell chegou perto da vitória quando Guga mandou uma bola de direita caprichosamente em cima da linha de base. A precisão do brasileiro desconcertou o americano, que perdeu o controle do ponto e do duelo, virando presa fácil para o brasileiro, que fechou a partida em cinco sets (parciais de 3/6, 4/6, 7/6 (7/1), 6/3 e 6/1).

Ao final, o brasileiro, em êxtase, desenhou com a raquete um coração na quadra Phillipe Chatrier e ajoelhou em agradecimento ao publico francês, que vibrava com a virada mais espetacular da competição naquele ano. "É uma pena que temos juízes, porque eu teria chamado essa bola fora", brincou Russell, depois da partida.

"O jogo contra o Russell foi o turning point do torneio para Guga naquele ano", opina, dez anos depois, o jornalista Chiquinho Leite Moreira, que cobriu o torneio. "Quando o Guga bateu a bola, ele imaginou que ela tinha saído e até chegou a desistir do ponto, mas, de repente, a bola foi dentro e o Guga prometeu para si mesmo que não perderia de jeito nenhum aquele jogo".

Virada heroica dá confiança

Depois da vitória, Guga rumou para conquistar seu terceiro troféu em Roland Garros. "Foi bem diferente de 1997 (ano em que conquistou Roland Garros pela primeira vez) quando cada vitória era um sonho. Em 2001, já era esperado. Ele (Guga) sabia que podia vencer qualquer um", lembra Rafael Kuerten, irmão de Guga, ao lado de Larri Passos, o maior companheiro de Guga em suas conquistas em Paris. "Depois que ele virou contra o Russell, sabíamos que dificilmente o título escaparia", completa Rafael, em entrevista ao Terra.

Para Fernando Meligeni, colega de Guga no circuito da ATP por anos, os triunfos do brasileiro em Roland Garros, em especial esse contra Russell, refletem a capacidade que o ex-tenista tinha de crescer em momentos decisivos. "Não havia naquela época grande superioridade de um tenista sobre o outro. O que o Guga tinha de diferente era uma capacidade excepcional de jogar bem nos pontos e nos jogos importantes".

Mais que jogar bem os pontos importantes, Guga jogava seu melhor tênis em Roland Garros. "Ele trabalhava para ter o pico de seu desempenho na temporada em Roland Garros", lembra Chiquinho. Toda a preparação para o torneio era diferente, inclusive a hospedagem. "A gente não ficava nos grandes hotéis oferecidos pela organização do torneio. O Guga gostava de ficar em uma ambiente mais familiar, longe da badalação", lembra Rafael.

Guga, ao contrário das grandes estrelas, se hospedava perto na periferia de Paris, no Hotel Mont Blanc, um pequeno estabelecimento próximo à estação de metrô Porte de Versailles e nas redondezas do complexo de Roland Garros. "Eu ia para Roland Garros a pé. O Guga só não ia porque era impossível para ele andar nas ruas de Paris".

O Mont Blanc era extensão da casa de Guga, que almoçava todos os dias no mesmo restaurante italiano, cujo o dono, inclusive, foi um dos convidados de Guga para a final. Tudo isso, somado ao ambiente da cidade de Paris traziam a tona o melhor do tênis de Guga. Apelidado de "Picasso" do saibro por um de seus maiores rivais, o russo Yevgeny Kafelnikov, Guga tinha em Roland Garros seu ateliê, e em Paris, sua inspiração.

Guga, inspirado, derrotou grandes adversários naquela campanha, como o próprio Kafelnikov, e os espanhóis Juan Carlos Ferrero e Alex Corretja, na final.

A Consagração

O brasileiro foi o primeiro número 1 do mundo a vencer em Roland Garros desde Jim Courier, em 1992, e o primeiro campeão a defender seu troféu desde o espanhol Sergui Bruguera, em 1994.

A vitória contra Corretja, mesmo em quatro sets, foi uma das contundentes do brasileiro em sua carreira. "Ele começou nervoso, mas quando o jogo engrenou ele passou a dominar. Nós sabíamos que ele venceria com certeza", diz Rafael, sobre a partida que terminou com um inapelável "pneu" (6/7 (0/7), 7/5, 6/2 e 6/0) e acabou por consagrar Guga como um dos maiores nomes do esporte brasileiro.

"O Sampras diz no livro dele que antes havia jogadores ofensivos, de saque e voleio, e jogadores defensivos, de fundo de quadra. O Guga foi o primeiro jogador agressivo de fundo de quadra, porque ele buscava sempre as linhas, ao contrário do Borg, por exemplo, que jogava sempre a um palmo do fundo", diz Chiquinho, argumentando que Guga teria sido um divisor de águas no tênis mundial.

Meligeni discorda que Guga tenha sido precursor de uma nova maneira de jogar tênis, mas admite que ele foi um dos mais temíveis que enfrentou. "Ele tinha golpes excelentes, tanto na esquerda quando na direita. E, se ele estivesse em seu dia, as chances de derrotá-lo eram mínimas. Mas não era um revolucionário".

Após o final da partida contra Corretja ("Jeu, set et Match", sentenciou o juiz de cadeira), Guga sucumbiu à emoção e, saboreando segundo a segundo a glória do tri, o catarinense saudou os quatro cantos da Philippe Chatrier e repetiu a cena do jogo contra Russell, marcando um coração na saibro com sua raquete.

Poucos minutos depois do final do jogo, a imagem de Guga deitado na quadra sob o coração já corria o mundo, ilustrando manchetes de exaltação ao brasileiro. "Kuerten transforma saibro vermelho em ouro", dizia o New York Times; "Kuerten completa caso de amor com a França", destacava o The Independent, da Inglaterra; "Kuerten entrega seu coração a Paris", completava o também britânico The Guardian.

Guga pode não ter sido um revolucionário, mas foi o mais carismático tenista de sua geração. O tri em Roland Garros provou isso. Com a vitória, Guga gravou sua marca na quadra central de Roland Garros e na história.

Guga deita na quadra após conquista em Roland Garros
Guga deita na quadra após conquista em Roland Garros
Foto: AFP
Fonte: Terra
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