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Yamasaki abre o coração: de malandro e caminhoneiro a árbitro do UFC

31 jan 2013 - 09h04
(atualizado às 09h26)
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Conhecido por desenhar um coração com as mãos quando está no octógono do UFC, Mario Yamasaki provou que o gesto feito diante de dois homens prontos para trocarem socos e pontapés não é mero marketing pessoal. O mais famoso árbitro brasileiro de MMA visitou a redação da Gazeta Esportiva.net e mostrou-se bastante dócil durante uma conversa de mais de uma hora de duração.

A trajetória profissional repleta de desafios amansou Yamasaki. Nascido em uma família com tradição no judô, o descendente de japoneses aprendeu que "malandragem é bonito" na juventude. Regenerado, decidiu se mudar para os Estados Unidos, onde trabalhou como garçom, gerente de hotel e até caminhoneiro antes de se estabilizar como um pioneiro professor de jiu-jitsu brasileiro.

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Neste trecho da longa entrevista que concedeu, Mario Yamasaki abriu o coração para contar como o malandro e caminhoneiro transformou-se em um consagrado árbitro do UFC. O sucesso profissional foi tamanho que já encoraja os filhos Sofia, de nove anos, e Lucas, de cinco, a também trabalharem com MMA. A família até deixou os Estados Unidos e voltou a morar no Brasil (em Alphaville, bairro de Barueri), interessada nos negócios que a expansão do esporte pode proporcionar.Gazeta Esportiva.net: Há uma pergunta que não pode faltar para quem te entrevista...

Mario Yamasaki: Sobre o coração (risos)?

GE.net: É claro. Por que você começou a fazer o gesto?

Yamasaki:Eu não tinha um sinal específico no começo. Um dia, meus filhos pediram que eu fizesse alguma coisa para eles quando arbitrasse no UFC. Quando estava lá em cima do octógono, nem me lembro em qual luta, tive a ideia de desenhar o coração. Pegou.

GE.net: Pegou, mesmo em um esporte de artes marciais...

Yamasaki: Gerou uma mídia negativa e uma positiva. Os homens falaram que era coisa de bicha, e as meninas acharam muito bonitinho. Como deu essa repercussão, não parei mais de fazer. Só mudei o gesto quando o Sócrates morreu (o árbitro é corintiano fanático). Naquele dia, preferi erguer a mão para o alto para homenageá-lo. Uma vez, também fiz um xis para um amigo.

GE.net: Você contou que o coração começou porque os seus filhos te acompanham no UFC. Eles gostam de ter um pai famoso em um esporte de lutas?

Yamasaki: Minha filha gosta um pouco mais. Ela sente essas coisas de celebridade, de as amigas terem curiosidade e tudo o mais. O meu filho se incomoda. Quando as pessoas vêm tirar fotos, ele até sai de perto. Mas os dois já sabem que sou um cara que aparece na televisão e aprenderam a conviver com isso. Levei os meninos várias vezes para assistir ao UFC.

GE.net: Eles se empolgam com as lutas?

Yamasaki: Eles dormem. Os eventos são longos, cansativos. É um programa chato para eles, apesar de ser familiar. Os dois também gostam de futebol. Já até os levei para entrar em campo com o time do Corinthians em um jogo contra o Palmeiras. Infelizmente, estádios de futebol são violentos, ao contrário do que acontece no MMA, e a gente não pode ir com tanta frequência.

GE.net: Seu filho será lutador?

Yamasaki: Esta é uma pergunta que todo mundo me faz. Eu não sei. Dependerá dele. Não forço nada, mas ele vai crescer neste meio, assim como aconteceu comigo. Sempre estive no corner do meu irmão, no corner do meu primo... Somos técnicos e lutadores de artes marciais, e não apenas uma família. É claro que fico mais nervoso como treinador do que se estivesse lutando, mas isso vai fazer parte se for a escolha do meu filho.

GE.net: Vamos falar sobre as suas escolhas profissionais, então. Nascido em uma família de judocas, você chegou a pensar em seguir alguma carreira fora dos esportes de luta?

Yamasaki: A luta está aqui (o árbitro bate na veia do seu braço direito)! Não tenho como fugir disso. Cresci no meio. Lutar é como se alimentar de arroz e feijão para mim. Consigo destrinchar uma técnica de forma muito mais rápida do que uma pessoa comum. Mas, sinceramente, nunca achei que essa seria a minha profissão. Pensei em ser médico, advogado e até delegado - todo mundo no Brasil queria delegar para ter poder.

GE.net: Imagino que olhar a história de seu pai e de seu avô te influenciava a abrir mão das profissões liberais.

Yamasaki: Sem dúvida. Meus avôs são japoneses e vieram para o Brasil por volta de 1925. Foram para Lins, interior de São Paulo, onde tinham um sítio. Depois, já na capital, eles investiram em um bar. Naquela época, não havia tanto judô aqui. Existiam apenas as facções Ono e Ogawa. Meu pai e meu tio (Shigueru e Shigueto) contam até hoje contam que tinham que andar muito, uns 7 km, para ir treinar em um celeiro de palha, de onde subia muito pó. Eles começaram com uns nove anos, ganharam a faixa preta muito jovens e começaram a competir. Em meados da década de 1960, abriram a primeira academia no Paraíso. Os dois pegaram um nicho em que ninguém havia investido ainda, o ensino para crianças. Assim, transformaram a Yamasaki Judô na maior academia do Brasil em competições infantis. Mas japonês sempre prioriza o estudo. Meu pai se formou contabilista e largou as suas academias para estudar Direito, virando advogado.

GE.net: Quando você fez o caminho inverso do seu pai, desistindo do desejo de cursar Direito e ser delegado para se dedicar às artes marciais?

Yamasaki: Meu pai e meu tio tinham umas 14 academias em São Paulo, e com uns três anos de idade, eu já era levado para o tatame para brincar. É o mesmo que faço com os meus filhos hoje, sem forçar nada. Acaba sendo uma coisa natural. Aos 15 anos, comecei a dar aulas de judô no Colégio Assunção, na Rua Pamplona. A madre não queria me deixar ser professor porque eu era muito novo, mas o meu pai disse que ela podia confiar. Passei sete anos ensinando judô ali. Com 24, fui para os Estados Unidos. Sempre tive esse sonho. Acho que todo mundo deveria vivenciar a experiência de morar em outro país.

GE.net: Como foi a viagem?

Yamasaki: Fui sozinho, com US$ 1.000 no bolso, sem saber falar inglês. Queria tentar abrir uma academia de jiu-jitsu lá. Como não conseguia me comunicar, eu tinha que fazer algumas demonstrações da luta para os clientes. Eles achavam a coisa um pouco brutal e paravam de frequentar.GE.net: Você sofreu preconceito por ser lutador de jiu-jitsu?

Yamasaki: Muito. Éramos taxados de marginais, de brigadores, de pitbulls. Até concordo que já houve muita rixa entre academias e, no começo do vale-tudo, os lutadores tinham aquela coisa de mostrar que o jiu-jitsu era a arte mais eficaz que existe. Ainda bem que isso foi lapidado com o tempo. De vale-tudo, passamos ao MMA, as artes marciais mistas, um esporte com crescimento relâmpago.

GE.net: Seu pai praticava judô em uma época em que o esporte não era tão difundido no Brasil. Também não havia certo preconceito?

Yamasaki: O judô era mais aceito. Os problemas que o meu pai teve foram por causa da Segunda Guerra. Como o Japão estava do lado da Alemanha, o povo jogava pedra nos japoneses aqui. Nossas famílias só podiam ter colheres em casa. Os policiais, então, furavam os forros de lençóis que serviam de teto para ver se encontravam garfos e facas escondidos. Isso era complicado. Como lutador de judô, eu só sofri preconceito justamente quando fiz a transição para o jiu-jitsu (risos). O meu pessoal do judô deixou de gostar de mim por isso, e o do jiu-jitsu não me aceitou por eu ter vindo da outra arte. Fiquei em cima do muro. Mas isso também me ajudou a corrigir algumas falhas do jiu-jitsu, trazendo um pouco da filosofia do judô.

GE.net: Como assim?

Yamasaki: No primeiro Pan-americano de jiu-jitsu de que participei, estavam Carlson Gracie, Rickson Gracie e Carlos Gracie quebrando a cabeça para montar as chaves do campeonato. Eles não tinham nem ideia de como fazer. Era uma bagunça. Cheguei para eles e falei: "Tenho a solução da vida de vocês: vamos montar as chaves como no judô!". Eles ficaram loucos: "Você não sabe nada! Some daqui!". Umas três horas depois, os Gracie me chamaram. Mostrei como se fazia o sorteio, colocando cabeças de chave, sem discussão nem roubo. Isso é usado pelo jiu-jitsu até hoje.

GE.net: Você precisou de três horas para superar a desconfiança dos Gracie. Quanto tempo foi necessário para convencer os norte-americanos que tinham receio de praticar jiu-jitsu em sua academia?

Yamasaki: Bastante (risos). Tive que sair de lá e começar a fazer outras coisas. Fui garçom, gerente de hotel, dirigi caminhão para ganhar dinheiro...

VEJA O VÍDEO: YAMASAKI FALA SOBRE PASSADO DE "MALANDRO"

GE.net: Tudo isso morando sozinho?

Yamasaki: Comecei morando sozinho, depois com pessoas. Foi importante para eu aprender outra cultura e crescer como homem. No Brasil, eu havia aprendido que malandragem é bonito. Isso não funciona nos Estados Unidos. Lá, se você dá a sua palavra, tem que cumprir.

GE.net: Aconteceu algum episódio que fez a sua ficha cair nos Estados Unidos?

Yamasaki: A ficha já havia caído no Brasil. Quando eu tinha 18 anos, dava nó em pingo d’água. Só fazia rolo, e a minha vida ia para baixo, repleta de energias negativas. As pessoas me cobravam, e eu dava um nó aqui e outro ali. Vendia o almoço para pagar a janta. Um dia, cheguei para o meu melhor amigo e falei: "Esnar, vamos parar com essa loucura que é as nossas vidas, pagar todas as pessoas que a gente enrolou e ver o que acontece". Tive rolos com caiaque, com chapéu de rodeio... Quando ia entregar as coisas de volta, todo mundo se surpreendia e ficava contente. A partir daí, continuei fazendo apenas o bem, ao contrário do meu amigo. Eu subi, dei uma guinada, e ele teve vários problemas de saúde. Quando fui para os Estados Unidos, as coisas melhoraram ainda mais, pois lá eu só fazia o bem mesmo.

GE.net: Você ainda mantém contato com esse amigo?

Yamasaki: Sim. Hoje, ele mudou. É o Esnar Ribeiro. Mora em São José do Rio Preto e trabalha com televisão, sendo um dos pioneiros do rodeio do Brasil. É um cara que considero como meu irmão. O Esnar chegou até a fazer arte marcial comigo, mas o negócio dele sempre foi boi. Aquelas coisas ruins que fizemos juntos ficaram para trás. Tenho muita energia positiva hoje: falo com as pessoas, brinco e não guardo mágoas. A filosofia do judô, com a sua história milenar de respeito, serve para me ajudar com a disciplina e o equilíbrio no dia a dia.

GE.net: Como um lutador de judô e jiu-jitsu, desacreditado como professor no princípio de sua estadia, virou árbitro de MMA?

Yamasaki: Já vamos chegar lá. Quando apareceu o UFC na televisão pela primeira vez, eu falei: "Putz! Está aí a minha chance de recomeçar como professor de arte marcial!". Lá dos Estados Unidos, liguei para o meu pai me ajudar. Eu até já sabia onde investir. Na época, eu trabalhava como garçom em um hotel. Não tinha muito dinheiro, mas andava de carro e ia buscar uma namorada grega, cabeleireira, no trabalho dela. Ao lado do salão onde ela atendia, havia uma academia de karatê.

GE.net: Foi nesta academia em que você voltou a dar aulas de jiu-jitsu?

Yamasaki: Sim. Quando surgiu o UFC, falei para o professor de karatê: "Sabe essa coisa que aparece na televisão? Eu sei fazer. Quero alugar aquele espaço nos fundos da academia, onde estão uns pesos velhos, para dar aulas". Ele falou que não tinha interesse, que estava sossegado, mas eu insisti muito. Até que um dia, o cara me disse: "Você me encheu tanto o saco, que pode alugar, mas vai ter que limpar tudo". O lugar tinha só uns 80 metros. Eu limpei, mas não possuía dinheiro nem sequer para comprar o tatame. Meu pai me ajudou, eu fiz 1.000 panfletos para distribuir nas ruas, pendurar nos carros...

GE.net: Deu certo?

Yamasaki: Abri as portas em um dia 10 de novembro, e vieram oito pessoas. Quatro delas eram meus amigos e outras quatro foram atraídas pelos panfletos. Começou assim. Dei uma americanizada no jiu-jitsu, fiz uma coisa um pouquinho mais leve e comecei a cobrar US$ 50 por mês. Eu lembro que aumentei a clientela para 35 alunos, mas não conseguia assumir tudo aquilo. Propus uma sociedade ao professor de karatê, que estava com 100 alunos e não quis. Ele faliu depois de um ano.

GE.net: Você teve de mudar a sua academia de lugar?

Yamasaki: Eu estava no Brasil quando recebi a notícia. Fui correndo para os Estados Unidos e consegui arrumar um lugar, na verdade era uma garagem de 120 m², para usar. Foi o primeiro espaço que aluguei sozinho, com o meu próprio dinheiro. Reformei o local em menos de cinco dias. Lá, encontrei um antigo patrão meu, que virou amigo. Ele falou que eu precisava de um computador para divulgar o negócio. Respondi que não tinha dinheiro nem sabia mexer nessas coisas. Mas ele me levou a uma loja, fez um cheque de US$ 1.200 e me deu a máquina de presente, além de me ensinar a manusear. Foi aí que descobri a internet.

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GE.net: Mudou a sua vida?

Yamasaki: E como! Quando fui checar meu e-mail, havia mais de 1.600 mensagens de gente que nem sabia o que era jiu-jitsu. Subi para 150 alunos em menos de dois meses! Só que cometi um erro: muita gente metia o pau, então comecei a brigar na internet. Aprendi aí que fogueira sem lenha se apaga. Deixei de responder essas mensagens e guardei só as coisas boas.

GE.net: Como o UFC aparece na sua história de vida?

Yamasaki: A minha academia aumentou bastante. Cheguei ate 800 alunos e montei até uma filial. Aí, o meu irmão trabalhava em uma academia do Brasil, que queria trazer os atletas do UFC para cá. Ele me ligou para eu tentar entrar em contato com os caras. Eu não sabia nem como começar. Por coincidência, saí da minha academia naquele dia e vi um panfleto jogado no chão. Recolhi para jogar no lixo, e estava escrito lá: "Dan Severn, campeão UFC, dará autógrafos na Virgínia".

GE.net: Que sorte!

Yamasaki: Fui encontrá-lo na sessão de autógrafos. Como não havia muita gente na fila, consegui falar com ele. Contei a minha história, e o Dan disse que estava com tempo, que queria ir até a minha academia. Ele dirigiu até lá. Quando chegamos, os meus alunos nem acreditavam. Falei para o Dan que queria levar os lutadores do UFC para o Brasil. Trouxemos cinco atletas para cá: Dan Severn, Geysa, Gary Goodridge, Brian Johnson e uma menina gigante que treinava com eles. Ficamos uma semana no Hotel Casagrande, no Guarujá, só fazendo festa. Era água fresca e comida boa. Eles não conheciam nada do Brasil, e adoraram o passeio. Na época, a marca Bad Boy estava começando a investir no esporte aqui. Levei os lutadores para uma loja, e cada um saiu com duas sacolonas gigantes de roupas. Eles devem ter aqueles produtos até hoje (risos).

GE.net: A viagem foi um sucesso, então?

Yamasaki: Eles gostaram tanto que me convidaram para assistir a um evento de lutas em Birmingham, Alabama, em 1996. Na luta decisiva, o Don Frye derrotou o Tank Abbott. Foi uma loucura para mim, um fã que estava li no meio dos lutadores. Lembro que o Tank Abbott era um cara muito doidão, que saía brigando na rua com a equipe do Frank Shamrock. Depois de ver tudo isso, tentei comprar um pôster do UFC para pendurar na minha academia. Uma mulher falou que não vendiam lá e me aconselhou a pedir para um senhor. Eu estava tomando uma cervejinha, já meio alegre, e fui conversar com o cara. Ele me deu um cartão.

GE.net: E...?

Yamasaki: E, em 1997, o meu irmão me ligou de novo dizendo que a academia dele queria trazer um evento do UFC para o Brasil. Para a minha surpresa, fui ver aquele cartão que estava esquecido na minha academia e li: "Bob Meyrowitz, presidente do UFC". Liguei para ele e expliquei: "Meu nome é Mario Yamasaki, sou brasileiro, tenho uma academia de jiu-jitsu na Virgínia e quero levar vocês para o Brasil". Ele respondeu: "Vou para lá em duas semanas, e você vem comigo!". Mas eu não tinha dinheiro nem para comprar a minha passagem. Tentei fazer alguém pagar, não consegui e voltei a telefonar para o Meyrowitz para explicar que eu não poderia ir junto. O cara começou a me xingar: Você tem que ir, seu...". Por sorte, a academia do meu irmão pagou o meu voo no final das contas.

GE.net: Por que o Meyrowitz se encantou com você a ponto de exigir a sua presença no Brasil?

Yamasaki: Eu também não sabia. No avião, ao lado de Walid Ismail, de Vitor Belfort, dos Gracie, perguntei para ele: "Bob, por que você me escolheu? Não sou ninguém. Ninguém me conhece". Ele falou: "Filho, recebo 350 ligações de brasileiros querendo levar o UFC para o Brasil todos os dias. No dia e na hora em que eu estava pensando no Brasil, você foi o primeiro a ligar. Você é o cara da sorte".

VEJA O VÍDEO: YAMASAKI REVELA ARMAÇÕES NO MMA

GE.net: Você acredito em destino? É religioso? Porque as coisas para você acontecem por acaso, através de um panfleto achado na rua, de um cartão esquecido no bolso, de um telefonema na hora certa...

Yamasaki: Acredito em destino. A vida te dá várias opções e basta você abrir as portas de algumas delas e seguir em frente. Sou religioso porque nasci católico, mas não sigo mais, não vou para a igreja. A minha filosofia é fazer o bem para as pessoas. A minha igreja é a minha casa e o meu corpo. Não preciso estar em uma igreja para provar que sou fiel ou que posso ajudar as pessoas. Gosto mais até da igreja ortodoxa do que da católica. É um pouquinho melhor, menos corrupta, menos cheia de...

GE.net: Como você ajudou as pessoas do UFC naquele primeiro evento no Brasil?

Yamasaki: Fizemos o evento aos trancos e barrancos no ginásio da Portuguesa, com uma estrutura bem pior do que a de hoje. Lembro que a gente até tinha medo de o Tank Abbott vencer o Pedro Rizzo. Se isso acontecesse, certamente o pessoal ia invadir o octógono. No fim, deu tudo certo. O Pedro nocauteou o Tank, e ficou tudo bem.

GE.net: Foi a partir deste UFC em São Paulo que você pediu para o "Big" John McCarthy para seguir a carreira dele como árbitro?

Yamasaki: Isso mesmo. Ali, conheci todo mundo que trabalhava no UFC. Cheguei até o John McCarthy, que é uma excelente pessoa, e perguntei por que ele era o único árbitro do UFC. Ele disse que estava procurando alguém para ajudá-lo. "Estou aqui!", avisei. Eles me puseram para arbitrar a primeira luta de dois brasileiros, combates de Fabiano Iha contra LaVerne Clark, Wanderley Silva e Tony Pertarra... Não parei mais depois disso.GE.net: Você não pensou em entrar no UFC como lutador? Apesar de sua família também ter tradição na arbitragem...

Yamasaki: Eu queria lutar, mas os Gracie não deixavam. Eles dominavam tudo na época. O UFC era só deles. E a gente tem tradição em arbitragem, sim. O meu pai e o meu tio eram os únicos árbitros nacionais que podiam ministrar cursos no Brasil, e eles levavam seus filhos como cobaias para ver faltas, essas coisas. Começamos a aprender a mecânica dos movimentos, a retidão. Mas é claro que seria histórico se eu tivesse sido lutador do UFC. Mesmo assim, faço parte do começo do MMA. Daqui a 200 anos, quando olharem para trás, verão que o meu nome aparece no comecinho da árvore genealógica do esporte. Além disso, a minha academia de jiu-jitsu nos Estados Unidos foi a primeira da área de Nova York até a Flórida.

GE.net: Outros personagens do UFC, como o locutor Bruce Buffer, o repórter Joe Rogan, o cutman Jacob "Stitch" e até o presidente Dana White, já integram este "comecinho de árvore genealógica". Como é a relação entre vocês?

Yamasaki: Só não ficamos mais amigos porque eu morava em Washington e hoje estou no Brasil, enquanto eles vivem na Califórnia. Mas trabalhamos juntos há mais de 15 anos, então existe uma boa relação, sim. O Bruce Buffer, por exemplo, é gente finíssima. A gente sai para jantar, tomar cerveja. Quando viajamos para outros países, passamos mais tempo juntos. Também vou aos shows de comédia do Joe Rogan sempre que posso. Já as chegadas do Dana White e dos Fertitta ao comando do UFC foi muito boa para nós. No começo, tivemos um pouco de medo, mas todos sempre nos trataram com educação. Eram fãs do esporte e investiram dinheiro na hora certa, fazendo tudo explodir. O Dana também é uma excelente pessoa, prestativa.

GE.net: Esse time do UFC ganhará mais árbitros brasileiros?

Yamasaki: Eles já estão procurando mais gente, até para realizar a nossa versão do reality show Tuf, por ser mais barato com gente daqui. Temos bons profissionais aqui, que só precisam ser um pouquinho lapidados. Dou cursos para novos árbitros. O pré-requisito é ser faixa preta ou marrom de alguma arte marcial. Concentração também é essencial. Quando vou arbitrar, não gosto de aparecer muito no dia anterior à luta. No Brasil, isso até me desconcentrou um pouco. Passei a ser mais paparicado. Prefiro ficar quieto dentro do meu quarto, comendo bem e ingerindo muito líquido. Ao entrar no octógono, bloqueio tudo o que está fora.

GE.net: Com mais eventos realizados no Brasil, você já não começou a ouvir aquele tradicional grito de estádios de futebol: "Ei, juiz, vá tomar..."?

Yamasaki: Ainda não (risos). Mas não duvido que logo vá começar. A torcida brasileira é a melhor e mais calorosa do mundo. Falo isso porque já presenciei eventos nos Estados Unidos, no Canadá, no Japão, na Europa... É excelente arbitrar aqui. Parece que você está dentro de um coliseu. O pessoal do UFC não acreditou quando fomos ao Rio de Janeiro. O Bruce Buffer ficou impressionado porque todo o público sabia a fala dele. Eles não tinham ideia da paixão do brasileiro pelo MMA. Se tivesse feito aquele UFC Rio dentro do Maracanã, teria lotado.

GE.net: Qual é o futuro do MMA no Brasil? O esporte vai continuar crescendo?

Yamasaki: Neste ano, pintarão vários eventos no Brasil. A coisa vai até transbordar, pois muita gente está querendo pegar o barco. Em 2014, os aventureiros se quebram e permanecem os fortes, com investimentos pesados das grandes empresas.

GE.net: E você?

Yamasaki: Eu continuo com os fortes (risos)! Estamos aí para o que der e vier.

NA GE.NET, YAMASAKI RECORDA DECEPÇÃO OLÍMPICA DO PRIMO

Mario Yamasaki se entreteve com o arquivo de A Gazeta Esportiva. As páginas dos jornais continham muitas lembranças do primo do árbitro do UFC: o judoca ligeiro Shigueto Yamasaki Júnior, que se frustrou nas Olimpíadas de Barcelona, em 1992. Enquanto tirava fotografias do acervo, o profissional recordou a história de decepção:

"Meu pai nunca me forçou a nada: a ser lutador, a ir para as Olimpíadas. Meu prime foi, mas perdeu parte de sua infância para alcançar o objetivo. Eu não queria isso para mim. Preferi aproveitar a minha vida. Sempre fui bom, ganhei campeonatos paulistas e regionais, mas nunca fui um atleta de ponta porque não abria mão de certas coisas para ir à Seleção Brasileira de judô. Já o meu primo foi para a Europa, ganhou de todo mundo, levou título sul-americano, venceu nos Estados Unidos... Era o cara que conquistaria a medalha de ouro para o Brasil em 1992. Naquela época, a gente ganhava poucas medalhas olímpicas. A pressão sobre ele foi muito forte. Nos Jogos, todas as emissoras foram à casa dele para filmar a família. Ele não aguentou, mas saiu de Barcelona aliviado. Meu pai, que estava lá como árbitro, ficou no corner dele quando houve a segunda derrota. Meu primo disse logo depois: ‘Tio, saiu um caminhão das minhas costas’. Aquilo foi um baque para ele. Depois disso, o meu primo deu uma desandada de dois anos, fazendo festas e bagunça, e nunca mais competiu. Hoje, graças a Deus, ele voltou a dar aulas, é evangélico e faz ações sociais com o judô. Ele até me dá treinos umas duas ou três vezes por semana. Mas eu dava um pau nele no tatame (risos)".

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