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Autor de dossiê rechaça unificação do Rio-São Paulo: "não tem chance"

30 dez 2010 - 09h25
(atualizado às 13h05)
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Diego Garcia
Direto de Santos

O Robertão foi, junto com a Taça Brasil, um dos torneios homologados ao Campeonato Brasileiro, mas pouca gente sabe que também foi um sucessor do Torneio Rio-São Paulo. Por isso, clubes como a Portuguesa, bicampeã do certame regional, já se mexem nos bastidores para conquistar o reconhecimento nacional dessa competição - fato que o historiador Odir Cunha, autor do dossiê da unificação, classificou como "sem chances".

"A reivindicação da Portuguesa, assim como de qualquer vencedor do Rio-São Paulo, não tem qualquer chance de ser aprovada pela CBF", afirmou o jornalista, em contato com o Terra. Odir Cunha foi o responsável pelo documento entregue à CBF que culminou na equivalência dos títulos brasileiros desde 1959.

O Torneio Rio-São Paulo teve sua primeira edição em 1933, em campeonato conquistado pelo Palestra Itália (antigo Palmeiras). Posteriormente, voltou a acontecer em 1950, com o título do Corinthians, e não parou mais (exceção a 1956, em que só clubes paulistas participaram e o São Paulo acabou campeão - esta edição não é contabilizada).

A partir de 54, ganhou a denominação de Torneio Roberto Gomes Pedrosa - em homenagem ao goleiro Pedrosa, da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1934 - e foi disputado anualmente até 1966, ano em que o Cruzeiro venceu a Taça Brasil e questionou a soberania do eixo Rio-São Paulo.

"O Cruzeiro assombrou o País ao derrotar o Santos de forma inapelável na final da Taça Brasil (6 a 2 e 3 a 2), chegou a ser chamado de 'melhor time do mundo' pelo cronista Nelson Rodrigues e forçou a inclusão do futebol de Minas Gerais - alavancado pela construção do Mineirão - no Torneio Rio-São Paulo, que se ampliou, daí o nome 'Robertão'", declarou Odir Cunha.

Em 1967, ainda ingressaram no certame times do Rio Grande do Sul e Paraná, dando um caráter nacional à competição pela primeira vez. O sucesso do "Rio-São Paulo ampliado" acabou resultando no Campeonato Nacional de Clubes, organizado pela CBD (Confederação Brasileira de Desportos), vencido em 1971 pelo Atlético-MG.

Confira abaixo, na íntegra, a entrevista com Odir Cunha sobre o Torneio Rio-São Paulo e o Torneio Roberto Gomes Pedrosa (Robertão):

Terra - A Portuguesa já se mexe para brigar pela unificação do Rio-São Paulo. Por que o Torneio Roberto Gomes Pedrosa não pode ter homologados todos os seus campeões desde sua primeira realização com tal alcunha, em 1954, e até às edições pioneiras, com início no título do Palestra Itália em 1933?

Odir Cunha - Sim, a Portuguesa ganhou dois títulos do Rio-São Paulo na era de ouro do futebol brasileiro, mas a finalidade da competição não era apontar o campeão brasileiro, pois a primeira competição oficial, com esta finalidade, foi a Taça Brasil de 1959.

O Rio-São Paulo, como o nome diz, reunia apenas times de dois dos 19 estados do Brasil à época. Se o futebol do resto do País fosse insignificante, talvez esse pedido pudesse ser avaliado, mas havia Rio Grande do Sul, Minas Gerais...

Não se pode mudar o objetivo de uma competição depois de realizada. Se a CBD julgasse que o Rio-São Paulo representava um torneio nacional, não se daria ao trabalho de criar a Taça Brasil para definir o representante brasileiro na Copa Libertadores, certo?

Terra - Não acha que considerar os campeões do Rio-São Paulo também ajudaria a resgatar um passado esquecido no futebol brasileiro? Da mesma forma que homologarmos a Taça Brasil auxilia na manutenção dos esquadrões do Santos de Pelé e do Palmeiras de Ademir da Guia, também eternizaríamos grandes clubes que venceram o Rio-São Paulo/Torneio Roberto Gomes Pedrosa nos anos 50, como o Corinthians de Luizinho, Baltazar e Cláudio, campeão em 50, 53 e 54, e a melhor Portuguesa de todos os tempos, bicampeã em 52 e 55 com Djalma Santos e Julinho Botelho?

Odir Cunha -

O Rio-São Paulo foi uma competição muito importante, a de melhor nível técnico jogada no Brasil nos anos 1950 e 60. Mas, como eu já disse, nível técnico não é o fator primordial para se avaliar a abrangência de uma competição.

Há torneios amistosos, como foi o caso do respeitado Hexagonal do Chile, com um nível técnico bem superior ao Mundial de Clubes da Fifa, mas um campeão do Hexagonal do Chile era apenas o campeão do Hexagonal do Chile. Nunca poderia ou poderá requerer o título mundial.

Da mesma forma, campeões do Rio-São Paulo foram campeões do Rio-São Paulo (e o Santos foi cinco vezes campeão do Rio-São Paulo. Se eu fosse tão fanático como dizem, se colocasse a preferência por um time acima do meu trabalho como pesquisador, poderia até apoiar a reivindicação da Portuguesa. Mas é claro que nunca faria isso e a reivindicação da Portuguesa, assim como de qualquer vencedor do Rio-São Paulo, não tem qualquer chance de ser aprovada pela CBF).

Terra - Qual foi o critério para escolhermos os participantes do primeiro Robertão? Os times do Nordeste, por exemplo, não participaram, ao contrário da própria Taça Brasil, em que tais equipes disputaram, aliadas a clubes de todas as partes do País. A participação de apenas cinco estados não faz desse torneio uma disputa interestadual, assim como o próprio Rio-São Paulo? Afinal, nas primeiras edições do Campeonato Nacional (1971), todos os estados estavam representados nas divisões de elite e de acesso.

Odir Cunha -

Em 1966 o Cruzeiro assombrou o País ao derrotar o Santos de forma inapelável na final da Taça Brasil (6 a 2 e 3 a 2), chegou a ser chamado de "melhor time do mundo" pelo cronista Nelson Rodrigues e forçou a inclusão do futebol de Minas Gerais - alavancado pela construção do Mineirão - no Torneio Rio-São Paulo, que se ampliou, daí o nome "Robertão".

Para aquela pioneira edição do Robertão foram chamados ainda o Grêmio, o Internacional e o Ferroviário, campeão do Paraná. Tratou-se de uma competição experimental, que poderia dar certo ou não. Sim, eram apenas cinco estados - entre eles os quatro de futebol mais desenvolvido do País, mas assim mesmo apenas cinco. O reconhecimento ou não desta competição caberia à Confederação Brasileira de Desportos e dependeria de sua sequência.

Terra - O primeiro Robertão foi organizado pelas federações paulista e carioca, as mesmas que organizavam o Rio-São Paulo. Se não foi a CBD, por que considerá-lo como torneio nacional?

Odir Cunha -

Com o sucesso confirmado do Robertão a partir de 1968, quando passou a ser organizado pela CBD e ganhou o codinome de Taça de Prata, a primeira edição do torneio, de 1967, acabou por ser também chancelada pela CBD. É o mesmo caso do Mundial de Fifa ganho pelo Corinthians, em 2000.

Depois, a competição passou cinco anos sem ser disputada e poderia nunca mais ter sido, o que daria ao torneio ganho pelo Corinthians o caráter de "experimental". Porém, com a sequência da competição e o reconhecimento do sucesso de sua fórmula, o Corinthians passou a ser reconhecido como o primeiro campeão do Mundial da Fifa. Assim, com o prosseguimento do Robertão, a sua primeira edição acabou chancelada também pela CBD e teve o mesmo valor das edições posteriores.

Terra - De que forma termos dois campeões nacionais (67 e 68) no mesmo ano ajuda no ranking de campeões? Não fica meio contraditório? Considerar o campeão da Taça Brasil como vencedor de Copa não encaixaria de maneira mais adequada?

Odir Cunha - A Taça Brasil tinha um formato que estava se extinguindo. O Robertão foi, em seus quatro anos, a competição nacional de maior sucesso de público e nível técnico (todos os jogadores da Seleção campeão no México atuavam nos times brasileiros que jogaram o Robertão, cuja média de público superou os 21 mil pagantes).

Ter dois campeões no mesmo ano não é o ideal, mas em fases de transição de uma competição para outra, em que há esta intersecção, ainda acho o mais razoável. Que campeão excluir? O que venceu a competição mais tradicional, ou o que conquistou o título na nova versão, que acabaria prevalecendo?

Mérito do Palmeiras que ganhou as duas competições no mesmo ano, repetindo os feitos de Flamengo (campeão carioca duas vezes em 1979), River Plate (campeão argentino duas vezes em 1997), Colo-Colo (campeão chileno duas vezes em 2006 e 2007) e Atlético Nacional (campeão colombiano duas vezes em 2007).

Outros países não têm essa preocupação com quantidade de títulos, rankings, taças de bolinhas e que tais. Acho que está na hora de olharmos a histórias do futebol de uma maneira mais abrangente e menos segregacionista.

A Copa do Brasil, como eu disse, sempre foi uma competição secundária. Para ter o mesmo peso do Campeonato Brasileiro ela terá de mudar seu regulamento, definir critérios claros de classificação por mérito esportivo (e não por convite), permitir a participação de todos os melhores times do País (não excluir as equipes brasileiras classificadas para a Libertadores) e se tornar mais atraente, com prêmios maiores, para garantir que os clubes não a desprezarão e os técnicos não escalarão seus times reservas.

Confira todos os campeões do Torneio Roberto Gomes Pedrosa (Robertão):

1967 - Palmeiras

1968 - Santos

1969 - Palmeiras

1970 - Fluminense

Confira todos os campeões do Torneio Rio-São Paulo:

Observação: Entre 1954 e 1966, o torneio era conhecido oficialmente como "Torneio Roberto Gomes Pedrosa", precursor do Robertão.

Rio-São Paulo foi "expandido" e se tornou o Robertão após o título do Cruzeiro na Taça Brasil de 1966
Rio-São Paulo foi "expandido" e se tornou o Robertão após o título do Cruzeiro na Taça Brasil de 1966
Foto: Arquivo pessoal / Reprodução

1933 - Palestra Itália

1950 - Corinthians

1951 - Palmeiras

1952 - Portuguesa

1953 - Corinthians

1954 - Corinthians

1955 - Portuguesa

1957 - Fluminense

1958 - Vasco da Gama

1959 - Santos

1960 - Fluminense

1961 - Flamengo

1962 - Botafogo

1963 - Santos

1964 - Botafogo e Santos

1965 - Palmeiras

1966 - Corinthians, Vasco, Botafogo e Santos

1993 - Palmeiras

1997 - Santos

1998 - Botafogo

1999 - Vasco

2000 - Palmeiras

2001 - São Paulo

2002 - Corinthians

Confira o resto da entrevista com o historiador nos links abaixo:

» Exclusivo: Mentor do dossiê dá detalhes da polêmica unificação dos títulos nacionais

» Historiador critica comparações de Copa do Brasil com Taça Brasil

» Odir Cunha desaprova unificação de título do Maringá: "é forçar a barra"

Fonte: Especial para Terra
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