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Olimpíada 2016

Rio 2016: Problemas com Força Nacional ainda comprometem segurança dos Jogos

16 jul 2016 - 12h28
(atualizado às 12h51)
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Agentes da Força Nacional protestaram contra condições de trabalho
Agentes da Força Nacional protestaram contra condições de trabalho
Foto: Jefferson Puff/Divulgação / BBC News Brasil

Em meio a uma crise entre o Governo Federal e os 3.500 homens da Força Nacional que já chegaram ao Rio de Janeiro para trabalhar nos locais de competição da Rio 2016, o chefe do sindicato que representa os profissionais disse que as medidas anunciadas na sexta-feira pelo Ministério da Justiça "amenizam, mas não resolvem 100% os problemas".

Na última quarta-feira, os agentes fizeram protestos denunciando atraso de pagamentos, valores de diárias inferiores ao prometido, alojamentos sem água, cama, colchão, chuveiro e cozinha, e até falta de fardas. E ameaçaram abandonar a segurança dos Jogos.

Elisandro Lotin, presidente da Associação Nacional de Praças (Anaspra), que representa os profissionais e que se reuniu essa semana com Celso Perioli, da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), em Brasília, as medidas ainda não resolveram 100% a situação.

"Já estão entregando algumas coisas, é fato. Estive lá fazendo uma visita e pude constatar que houve uma pequena melhora. A questão da diária foi resolvida, com o decreto presidencial, mas os problemas só foram amenizados. Eles continuam sem plano de saúde, e sem TV, sem nenhum espaço de convivência. Estamos falando de quase 4.500 homens trabalhando sob pressão dependendo só do SUS e sem lazer algum", disse Lotin, em entrevista à BBC Brasil.

Os homens da Força Nacional estão alojados no conjunto habitacional Vila Carioca, um grupo de apartamentos do programa "Minha Casa, Minha Vida" na Zona Oeste do Rio, próximo aos bairros do Anil e Gardênia Azul. Fotos das condições de alojamento foram enviadas à imprensa e as queixas tiveram ampla repercussão, levando a reuniões em Brasília e a um decreto do presidente interino, Michel Temer, publicado no Diário Oficial da União de sexta-feira.

O decreto reajustou em 150% os valores das diárias prometidas aos policiais - de R$ 220 para R$ 550, no período de 24 de julho a 22 de agosto.

A reportagem entrou em contato com policiais baseados na Vila Carioca, mas teve negados os pedidos de entrevista.

Policiais compraram colchões de ar com o próprio dinheiro
Policiais compraram colchões de ar com o próprio dinheiro
Foto: Divulgação / BBC News Brasil

O Governo Federal também enviou ao Rio caminhões-pipa, colchões e beliches, e prometeu enviar novas fardas, em mais tamanhos.

O decreto assinado por Temer também autoriza reajuste de 50% nas diárias da Força Nacional em Belo Horizonte, Brasilia, Manaus, Salvador e São Paulo, as cinco cidades sediarão partidas de futebol da Rio 2016.

Outro problema grave, segundo Lotin, diz respeito à carga excessiva de trabalho gerada pela redução do número de policiais da Força Nacional no esquema da segurança olímpica. "Eram 9.960 homens no planejamento inicial. Agora estamos com 3.500 e devem chegar mais 1.000. O Ministério da Justiça tem que cumprir a escala de trabalho prometida".

Denúncias

Entre as denúncias dos membros da Força Nacional (policiais militares, civis e bombeiros de vários Estados que aceitam voluntariamente as missões para integrar o grupo quando solicitado pelo Governo Federal) estão o fato de que até o meio da semana ainda não tinham recebido o pagamento das diárias (alguns chegaram ao Rio no final de junho) e que muitos haviam recebido somente uma farda, de tamanho G ou GG, para mais de dois meses de trabalho.

Diante disso, agentes tiveram que recorrer a costureiras no Rio, pagando pelos ajustes do próprio bolso, mas mesmo assim continuaram preocupados com a perspectiva de trabalhar por mais de dois meses com somente um uniforme. Outra questão importante diz respeito ao alojamento. Segundo Lotin, o conjunto habitacional ainda não foi 100% concluído pela construtora.

Alojamentos não teriam água corrente quando agentes chegaram
Alojamentos não teriam água corrente quando agentes chegaram
Foto: Divulgação / BBC News Brasil

"Os prédios não estão prontos. Quando os agentes chegaram não havia lâmpadas e nem água nas torneiras. Compraram tudo do próprio bolso: colchões infláveis e chuveiro para tomar banho quando a ligação de água fosse resolvida. Tudo isso sem receber as diárias", alega.

A lista de problemas incluía ainda o valor das diárias, agora reajustado pelo decreto presidencial, e a carga excessiva de trabalho, que Lotin espera que seja resolvida.

"A escala prometida era a seguinte: se o policial trabalha 12 horas diurnas, folga 24 horas. Se trabalha 12 horas noturnas, folga 48 horas. A questão é que o planejamento inicial era de 9.960 homens e agora somos apenas 3.500 aqui. Tem gente que chegou a trabalhar 20 horas e folgou 16 horas", diz.

Além das questões de estrutura, o alojamento onde estão os membros da Força Nacional fica na área de atuação de milícias. Durante a semana houve relatos de que milicianos teriam impedido os policiais de contratarem instalações de internet e de andarem armados.

"Esse problema da internet aconteceu mesmo, mas eu não recebi confirmação sobre essa proibição de andar armado. Também não houve relatos de confrontos entre policiais e milicianos. A questão é que o Governo Federal colocou os responsáveis pela segurança das Olimpíadas em um dos lugares mais violentos do Rio, cercado por uma das milícias mais violentas do Rio. O desrespeito com os profissionais de segurança pública é histórico no Brasil", afirma Lotin.

Diante das queixas, a Delegacia de Repressão às Ações do Crime Organizado e Inquéritos Especiais (Draco/IE), fez operação no bairro para identificar e prender os milicianos que estariam impondo ordens aos membros da Força Nacional.

"Vamos ser honestos. Se alguém chegasse para esses policiais, a maioria do Bope e do Batalhão de Choque em seus Estados de origem, e dissesse 'vocês vão ficar longe das suas famílias por mais de dois meses e estão indo para um local sem colchão, sem cama, sem água, sem chuveiro, cercado de milícia e vão trabalhar mais do que a escala prometida, recebendo menos do que o combinado', você acha que realmente alguém teria vindo?", diz o presidente da Anaspra.

Segundo ele, 1.300 colchões e beliches devem chegar ao alojamento neste sábado, e o dinheiro das diárias atrasadas já começou a ser depositado. As fardas devem chegar nos próximos dias, e com a chegada de mais homens, espera-se que as escalas de trabalho sejam normalizadas.

Redução inexplicada

Consultado pela BBC Brasil, o Ministério da Justiça disse, em nota, que mais 1.000 homens provenientes de quadros da polícia do Estado de São Paulo devem chegar ao Rio na próxima semana, somando 4.500 membros da Força Nacional atuando na segurança dos locais de competição.

Sobre os motivos que levaram o Governo Federal a reduzir o contingente inicial, de 9.960, para 4.500, nem o ministério e nem a Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos (Sesge) quiseram opinar, mas analistas estimam que a crise econômica e a contenção de gastos tenha ocasionado a redução.

Segundo o ministério, cerca de 100 homens de Minas Gerais também devem juntar-se ao grupo da Força Nacional, ainda sem data marcada para chegarem ao Rio.

O ministro da Justiça, Alexandre Moraes, deve fazer uma visita ao alojamento na Zona Oeste do Rio nos próximos dias para conferir a situação.

Além disso, o MJ diz que "a estrutura para o serviço de segurança das instalações olímpicas está garantida, assim como as diárias dos profissionais da Força Nacional de Segurança Pública que atuarão nos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos", e que a "Força Nacional terá o número suficiente e necessário para o cumprimento integral de suas atribuições".

"A respeito das críticas que surgiram, vale informar que os apartamentos são novos e os beliches chegaram nesta quinta-feira. Também estão chegando novos lotes de fardas e o efetivo será aumentado, com a chegada de mais de mil profissionais, otimizando assim as escalas de serviço", acrescenta a nota.

O MJ informou ainda que o pagamento das diárias foi normalizado e que servem para suprir despesas com alimentação, alojamento e transporte, e que, além disso, os profissionais continuam recebendo seus salários normalmente em seus Estados de origem.

Diante das denúncias de que milícias estavam dando ordens aos policiais da Força Nacional, o Ministério da Justiça negou qualquer ação criminosa.

"Vale frisar que não houve qualquer coação e nenhum contato de criminosos com profissionais da Força Nacional. Não existe tolerância com atividades criminosas. Essas informações serão apuradas e encaminhadas à Polícia Federal, à Subsecretaria de Inteligência do Rio de Janeiro e à Delegacia de Repressão ao Crime Organizado da Polícia Civil do Rio de Janeiro", diz o documento enviado à BBC Brasil.

Em 2012, a pouco mais de duas semanas para as Olimpíadas de Londres, o governo britânico teve que convocar 3.500 soldados das Forças Armadas para suprir um problema com o treinamento dos seguranças privados da empresa G4S.

Vencedora de uma licitação, a empresa tinha se comprometido a fornecer 10 mil homens para fazer a segurança dos locais de competição, mas às vésperas dos Jogos revelou que tinha treinado apenas 4 mil, o que refletiu em críticas ao planejamento de segurança e gastos públicos com o envio de soldados para suprir o "buraco" no esquema tático.

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