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Serginho causa transformações no Brasil e "alerta constante"

27 out 2014 - 08h32
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A abrupta morte do zagueiro Serginho em pleno gramado do Morumbi no dia 27 de outubro de 2004 alarmou todas as esferas do Brasil. O atleta do São Caetano não jogava uma competição de várzea, mas sim uma partida de Série A do Campeonato Brasileiro contra o São Paulo, televisionada para todo o País e com o suposto apoio médico necessário para qualquer eventualidade. Tudo isto não bastou para salvar o jogador de sua parada cardiorrespiratória, e uma verdadeira caça às bruxas foi instaurada, culminando com mudanças no futebol brasileiro e um “alerta constante” que perdura até os dias de hoje no cenário nacional.

Os primeiros réus apontados pelo grande público e especialistas da área médica foram o São Caetano, o presidente da equipe Nairo Ferreira de Souza e o médico do clube Paulo Forte, que teriam negligenciado a condição do defensor. Na época, informações davam conta de que exames de Serginho no início da temporada haviam apontado uma irregularidade no coração, fato confirmado pelo cardiologista do InCor, Edmar Bocchi, que acompanhou os testes do zagueiro. Mais: o goleiro Silvio Luiz disse que era sabido que o defensor tinha 1% de chances de ter um problema sério por sua condição, o que chocou ainda mais o mundo do futebol.

Na época, processos foram abertos na Justiça Desportiva e na Justiça Comum. No STJD, o São Caetano foi punido com perda de 24 pontos, o presidente Nairo Ferreira foi obrigado a se afastar por dois anos e o médico Paulo Forte por quatro – as punições pessoais foram diminuídas pela metade. A Justiça Comum absolveu o clube em todas as esferas.

Uma fonte consultada pelo Terra diz que, apesar de Nairo Ferreira e Paulo Forte negarem veementemente até hoje conhecimento da condição de Serginho, o clube estava ciente do risco. O que teria havido, no entanto, foi uma falha de comunicação entre InCor e São Caetano, sem culpa para nenhum dos lados.

Médico Paulo Forte e massagista do São Caetano Itamar tentam reanimar Serginho ainda em campo
Médico Paulo Forte e massagista do São Caetano Itamar tentam reanimar Serginho ainda em campo
Foto: Marcelo Ferrelli / Gazeta Press

“O Paulo Forte foi punido inocentemente. Ele não era cardiologista, era ortopedista e simplesmente cumpriu o que tinha que fazer. Ele seguiu as normas como médico do clube. Ele recebe o laudo. Se o laudo diz que tinha 1% de chances de morrer no trabalho, tem que explicar. O InCor falou para eles que o risco era de 1% e quem tem risco não pode praticar. Mas não foi passado para ele (Paulo Forte) a proibição de jogar”, disse uma das pessoas ligadas ao caso.

Em nota enviada ao Terra na última semana, Paulo Forte voltou a negar que soubesse da gravidade da condição de Serginho e lamentou o que chamou de um dia “inesquecível” por todos os sentimentos ruins criados. A reportagem ainda teve acesso à carta conjunta de Paulo Forte e Edmar Bocchi, emitida em 30 de novembro de 2004, na qual ambos colocam a tragédia do zagueiro como uma “tragédia”, já que a causa mortis do atleta foi diferente da arritmia diagnosticada nos exames do início do ano. 

O infeliz evento, entretanto, rendeu mudanças no futebol brasileiro. O Terra foi atrás de jogadores, ex-atletas, médicos e diretores para pedir a opinião sobre as mudanças que sentiram no futebol. Todos lamentam a transformação do esporte apenas com a morte do jogador e culpam a cultura brasileira pelas mudanças só terem vindo após o choque. “Um incêndio em uma casa noturna, um barco que vira, tudo que cria um exemplo desagradável e faz aumentar o rigor”, diz o médico Marco Aurélio Cunha, então diretor do São Paulo no dia da tragédia de Serginho.

RIGOR EM EXAMES DOS CLUBES

A mudança mais sensível no futebol foi em relação à precaução dos clubes com a saúde dos jogadores. Até a morte de Serginho, algumas equipes grandes, como Corinthians, São Paulo e Palmeiras – até o São Caetano desde 1999, segundo alega o presidente Nairo Ferreira de Souza -, já faziam testes frequentes nos atletas. A morte de Serginho e o medo de uma nova tragédia, no entanto, expandiram isso para todo o futebol.

Serginho foi retirado de maca sob tentativa de reanimação
Serginho foi retirado de maca sob tentativa de reanimação
Foto: Marcelo Ferrelli / Gazeta Press

“O que mudou foi o profissionalismo que temos hoje, com exames mais regulares. Aqui na Europa fazemos de três em três meses. A morte fez com que os exames fossem mais específicos e foram descobertos outros problemas de outros atletas. Estão tratando o assunto com mais responsabilidade e os clubes estão cuidando melhor dos atletas para que possam trabalhar. Hoje tem todo um trabalho específico”, conta o lateral direito Cicinho, que estava no gramado do Morumbi naquele 27 de outubro e atualmente joga pelo Sivasspor, da Turquia.

A mesma opinião é dada por Marco Aurélio Cunha. De acordo com o ex-diretor são-paulino, a morte de Serginho fez todos os clubes do Brasil perceberem que investigar a saúde dos atletas não é um gasto extra, mas sim um investimento.

“Mudou a convicção que os dirigentes tiveram de que é preciso fazer medicina preventiva, fazer exames necessários, que investir em exames preliminares, em exames de admissão, não é gasto. Diziam que R$ 20 mil para um exame ‘é muito dinheiro para nada’. Veio a consciência do dirigente, a responsabilidade de entender que isso é fundamental, ninguém quer que isso aconteça dentro do seu clube ou da sua casa”, comenta o ex-dirigente.

De acordo com Nabil Ghorayeb, um dos principais cardiologistas do esporte no Brasil, a mudança não foi momentânea e até hoje clubes o procuram para fazer exames em atletas. Ex-volante de São Caetano e Palmeiras, além de um amigo de Serginho, Claudecir relata que as mudanças são vistas até nas categorias de base.

“Hoje para você fazer uma avaliação nas categorias de base, seja qual idade for, tem que levar o exame médico para afirmar que você está apto a fazer atividades físicas. Inclusive pouco tempo atrás indiquei um jogador para fazer avaliação e ele não treinou porque não tinha atestado. Isso até em times menores do interior”, explica, em afirmação corroborada por José Sánchez, médico do São Paulo desde a década de 80 e que tentou auxiliar Serginho.

Ânderson Lima, lateral do São Caetano, é amparado pelo treinador são-paulino Emerson Leão durante tragédia de Serginho
Ânderson Lima, lateral do São Caetano, é amparado pelo treinador são-paulino Emerson Leão durante tragédia de Serginho
Foto: Marcelo Ferrelli / Gazeta Press

“A preocupação hoje é muito, muito, muito maior. As autoridades esportivas negligenciavam isso, achavam que nunca iria ocorrer, hoje até jovens de 15 ou 16 anos fazem exames”, diz. Nabil Ghorayeb concorda: “clubes mudaram de politica pela avaliação médica, que nunca era feita. Era feito mais aparelho locomotor e pouco aparelho cardiovascular. Quando alguém solicitava avaliação médica antes do Serginho, era quase amarrado, ninguém gostava”.

AMBULÂNCIAS E MÉDICOS

Outra mudança bastante sentida no futebol brasileiro diz respeito à organização do campeonato A Federação Paulista de Futebol (FPF), entidade que comanda o futebol no Estado da morte do zagueiro, passou a exigir de qualquer equipe profissional a presença de uma ambulância com desfibrilador para cada dez mil torcedores no estádio. Seja na primeira ou na quarta divisão estadual, uma partida não é iniciada sem a presença do veículo socorrista – procurada pelo Terra, a entidade disse que sempre cuidou da segurança médica até antes da morte de Serginho.

“Uma das melhoras foi a questão das ambulâncias, dos aparelhos que levam junto com eles, como desfibrilador. A ambulância tinha que ligar para o socorrista trazer. Hoje tem ambulância, exigência mesmo, acho que isso é importantíssimo para casos mais extremos como o Serginho. Penso eu que se tivesse atendido mais rápido poderia ter se evitado (a morte)”, conta o atacante Fabrício Carvalho, que estava em campo pelo São Caetano na tragédia de Serginho.

Na continuação do jogo após a morte, jogadores carregaram faixa em homenagem a Serginho
Na continuação do jogo após a morte, jogadores carregaram faixa em homenagem a Serginho
Foto: Marcelo Ferrelli / Gazeta Press

Além da exigência de ambulâncias, a federação também requer que ao menos um médico, de qualquer um dos dois times que se enfrentam, esteja presente na beira do campo. O jogo não é iniciado sem isso. Apesar das melhorias, Marco Aurélio Cunha alerta: o estádio de futebol não tem como se transformar em um hospital. Recentemente, o jogador vascaíno Everton Costa sofreu uma complicação cardíaca em jogo do Vasco pela Série B em São Januário e conseguiu ser socorrido.

“Basicamente você não pode querer que um campo de futebol se transforme em um hospital, do mesmo jeito que uma quadra, ginásio, não é (um hospital). As pessoas que têm um problema mais sério nestes lugares seguramente têm uma chance maior de sobreviver porque têm um médico perto, um ambulatório perto. Entre um sujeito que tem um mau súbito em seu apartamento e a pessoa que está na praça esportiva, a última tem mais chances de sobreviver”, opina.

DIAGNÓSTICOS CRIAM DESAFIO E “ALERTA CONSTANTE”

Apesar de todas as melhorias realizadas na prevenção de casos como o de Serginho, o futebol ainda está suscetível a novos episódios do tipo. De acordo com Nabil Ghorayeb, especialista em cardiologia do esporte, a grande dificuldade, atualmente, é no acerto do diagnóstico por parte de equipes médicas que não são especializadas no assunto. O médico conta que há até congressos constantes para aprimorar a área.

“Serginho é uma vítima que virou exemplo e, de uma maneira ou de outra, salvou muitas vidas. Hoje tem avaliação médica. O que complicou hoje em dia é a avaliação médica incompetente. Muitos médicos não têm experiência, e aí surgem diagnósticos confusos porque às vezes o próprio cardiologista não sabe o que acontece com o atleta e o próprio médico do esporte não tem uma experiência clinica para saber o que acontece com o jogador. O eletrocardiograma de um atleta é tão diferente de um caso normal que confunde. Aí existem médicos que veem doenças onde não há e outros deixam passar doenças”, aponta Nabil.

<p>Na continuação do jogo após uma semana, substituição de Serginho é anunciada já com o zagueiro morto</p>
Na continuação do jogo após uma semana, substituição de Serginho é anunciada já com o zagueiro morto
Foto: Marcelo Ferrelli / Gazeta Press

A dificuldade em acertar o diagnóstico de um atleta, com todas suas peculiaridades, faz parte da visão de Marco Aurélio Cunha, que além de ex-diretor do São Paulo exerce a medicina. Na opinião do popular MAC, os testes sempre ocasionam dúvidas no diagnóstico.

“Quando mais você faz exames de um caso que tenha qualquer sintoma, mais tem que aprofundar os exames e mais duvidas podem acontecer. Muitas vezes mesmo fazendo uma série de exames você não detecta tudo porque você pode ter mudanças no comportamento cardiológico. Então vai ter morte súbita no futebol, vão ter exames que vão se repetir e você pode ser sempre surpreendido”, diz.

Médico do São Paulo, José Sánchez faz parte da turma de doutores dentro de clubes que monitoram a saúde dos atletas. Como não é especialista em esporte, o profissional busca fazer o que é aconselhado por Nabil Ghorayeb: em caso de suspeita, procura um especialista.

“O que o médico do clube tem que entender é que ele tem que avaliar e, na medida das dúvidas, ele tem que procurar um profissional com conhecimento técnico para dar opinião. A minha função principal é a vigilância. Se ocorrer uma alteração, eu não vou decidir, vou levar ele para um cardiologista do esporte para que haja uma avaliação. Nós temos que ter uma luz de alerta constante”, comenta. 

A linha do tempo da morte do zagueiro Serginho A linha do tempo da morte do zagueiro Serginho

Fonte: Terra
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