Conheça time que proíbe chutão, gracinha e técnico falastrão
Academia Desportiva Manthiqueira, de Guaratinguetá, tem cartilha que leva fair play e apreço ao jogo bonito ao extremo na 4ª divisão de SP
Imaginem um time de futebol que não dá chutões e que as famosas dancinhas nas comemorações dos gols são proibidas? Uma equipe formada por jogadores educados, que não reclamam com a arbitragem ou simulam faltas? E que ainda tem um goleiro que joga com a 11 e uma técnica que não pode cantar jogadas?
Ele existe e é parte do projeto desenvolvido por Geraldo Márgelo de Oliveira, o Dado de Oliveira. Aposentado da aeronáutica, filósofo, escritor, sonhador e um apaixonado por futebol, como se descreve, ele é presidente da Academia Desportiva Manthiqueira, um clube nada normal da quarta divisão de São Paulo com sede em Guaratinguetá.
Dado se diz um sonhador. Fundou o Manthiqueira em agosto de 2005, na data de seu aniversário, e desde 2011 aplica um conceito chamado de “Manthiqueira Joga Limpo”. É um futebol inspirado em fair play, jogo ofensivo e, principalmente, no Carrossel Holandês de Rinus Mitchels, vice-campeão da Copa do Mundo de 1974. O laranja no uniforme é a prova. “Grande parte das coisas tem funcionado, o processo é doloroso, mas prefiro chegar a elite desse jeito mesmo”, explicou durante o jogo contra o Jabaquara, no último fim de semana, em Santos.
O jeito Manthiqueira, de fato, é peculiar. Conta com uma cartilha interna de sete pontos fundamentais, além da proibição aos chutões e a educação. Sobra até para o técnico, que deve apenas dar instruções pontuais e não ficar na beira do gramado. A equipe também só joga no 4-3-3 e tem o seu capitão com a camisa 1, enquanto o goleiro veste a 11, o primeiro e o último no grau de importância em campo.
“É simples, Ele levanta, dá uma instrução e volta. Futebol é arte e o artista não gosta de ser atrapalhado. É o mesmo que ver um pintor inibido”, argumentou o mandatário.
Márgelo, definitivamente, tem seus conceitos. Fazia até o último ano contratos de três a quatro temporadas com os jogadores que chegavam, uma loucura para a divisão que só costuma ter vínculos curtos e anuais.
O teto salarial é o mesmo para todos, até para os medalhões: um salário mínimo e a opção por ficarem no alojamento. Nada mais. Nem mesmo o lateral esquerdo Triguinho, que passou pelo clube no ano passado, recebeu tratamento diferenciado. “O medalhão, se vier, é bem aceito, mas precisa entender a filosofia. Aqui o mais velho tem 25 anos”.
A equipe tem Nilmara Alves, uma antiga parceira de Margelo nas escolinhas do São Caetano, como treinadora. A aposta nem sequer é aposta, já que Nilmara chegou a sua terceira temporada mesmo sem resultados expressivos.
“Ela tem a minha confiança. Independentemente de ser homem ou mulher temos uma proposta: não faça aos outros o que não gostaria que fizesse com você. Ela assimilou bem isso, é respeitada pelos jogadores”, afirmou.
Mas Nilmara tem as suas dificuldades. Após os jogos é a última a sair do gramado, aguarda os seus 15 minutos tradicionais no vestiário para que os jogadores possam tomar banho e se arrumar. Ela garante nunca ter passado nenhum constrangimento.
A cartilha do bom futebol, segundo o mandatário, tem formado bons cidadãos. Dado conta receber e-mails de ex-jogadores com grandes lances de fair play, explicando ser a prova de que assimilaram a conduta, e que os aconselhamentos já levaram dois jogadores do atual elenco a cursarem faculdade de Educação Física junto.
O presidente diz viajar em quase todos os jogos da equipe. Antes dos jogos, entrega a cartilha de conduta do Manthiqueira à arbitragem, claro. As críticas também acontecem, principalmente, dos torcedores de arquibancada. “Deles é normal, não entendem. Não sou o dono da verdade, claro, e digo para eles que quero ouvir antes de sair da presidência mesmo”.
O time ainda não tem um acesso ou resultados expressivos na atual divisão, somente classificações de fase. De qualquer forma, promete não perder a essência e quer fazer a diferença se um dia chegar à elite.